Tudo o que você queria saber sobre sexo e tecnologia

A camisinha e a pílula anticoncepcional revolucionaram um milhão de vezes mais o sexo do que qualquer app ou smartphone

Não tenha dúvida: a tecnologia mudou a forma como nos relacionamos e fazemos sexo. Não é preciso ser um gênio para concluir isso: basta olhar em volta (ou para o seu smartphone). A coisa só se complica quando tentamos explicar o que mudou e, pior ainda, se as mudanças foram boas ou ruins. Nesse ponto entra-se num vale-tudo em que os especialistas de botequim têm tanta autoridade quanto os diplomados em sociologia e psicologia: todo mundo dá palpite e ninguém tem uma boa resposta.

Mas não custa tentar. O primeiro ponto, me parece, é que devemos relativizar um pouco o impacto das mudanças. Se você olhar os registros históricos, verá que todas as gerações se repetem na constatação de que “hoje em dia tudo mudou” e que “no meu tempo era melhor”. Com o sexo e os relacionamentos tem sido a mesma coisa. Antes era “mais puro” e “mais verdadeiro”. Será?

Alguém vai sugerir que a internet criou a pornografia? Ora, o próprio “grafia” no nome indica que ela é no mínimo tão velha quanto a gráfica de Gutenberg; além disso, sabemos que já teve vida abundante em filmes e revistas muito antes de a rede mundial ser criada. Filmes e revistas pornôs são coisa antiga, e no começo do século 20 já existiam “cartões postais” pornográficos em preto e branco. Ok, eram conteúdos mais difíceis de obter, mas será que a mudança foi assim tão grande? A mesma perspectiva vale diante da questão de o quanto as redes sociais aproximam as pessoas, ao mesmo tempo que, por outro lado, banalizam as relações. 

É verdade que ficou fácil nos comunicarmos com pessoas que moram longe (a esmagadora maioria dos meus amigos no Facebook vive em outras cidades), e é verdade também que boa parte de nossos amigos virtuais jamais deixa de ser apenas virtual. Mas, se é para falar em mudanças, você tem ideia do impacto que causou, no mundo, invenção do telégrafo (em uso comercial desde 1837)? Uma mensagem, que até então levava semanas para ir de um continente a outro, passou a ser transmitida de modo quase instantâneo. O mesmo raciocínio se aplica à invenção do telefone, do trem, do rádio, da televisão. Há milhares de anos, e a cada nova invenção, o mundo fica um pouco menor.

REVOLUÇÃO

É óbvio que a tecnologia mudou a maneira como nos relacionamos. Só que é o que ela vem fazendo há pelo menos 150 mil anos. O Homo sapiens é um animal cultural e tecnológico desde sempre. Nossa vida sexual e nossos relacionamentos eram influenciados por cultura e tecnologia no Egito, na Europa da Idade Média, na Mata Atlântica tupinambá...

Mas, ah, você me diz, com os smartphones, apps e sites de relacionamento as coisas ficaram diferentes, não ficaram? Ficaram. Como? Fácil. Vamos fazer o seguinte: a gente combina um encontro num bar, toma umas cervejas, dá um tempo de falar mal do governo e tenta chegar a todas as definitivas conclusões sobre como estão mudando os relacionamentos e o sexo. Eu vou argumentar que, tecnologia por tecnologia, a camisinha (usada na Europa pelo menos desde o século 16) e a pílula anticoncepcional (desde 1960) revolucionaram um milhão de vezes mais o sexo e os relacionamentos do que qualquer coisa que a tecnologia recente tenha feito. Você poderá discordar, mas, se não chegarmos a um acordo, pelo menos vamos nos divertir bastante...

*André Caramuru Aubert, 53, é historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas (Editora Descaminhos). Seu e-mail é andre.aubert@gmail.com 

fechar