Como abrir uma megaigreja

por Gregory Prudenciano

A Hillsong passou de uma pequena igreja na Austrália para um fenômeno da música mundial e construiu uma marca poderosa. Agora ela abre uma filial em São Paulo

1. Desperte o interesse da juventude
Centenas de jovens se alinham na porta do Teatro Gamaro, no bairro paulistano da Mooca, numa noite de terça-feira. Apesar do frio, conversam animados. Os primeiros da fila chegaram há mais de duas horas para não correrem o risco de ficar de fora — como em maio, quando milhares de pessoas não conseguiram lugar no primeiro culto-teste em São Paulo da Hillsong, uma igreja australiana (e fenômeno da música gospel, com mais de 16 milhões de CDs e DVDs vendidos) que se prepara para abrir as portas no Brasil.

Naquela noite, no entanto, o evento não era um culto propriamente dito, mas uma apresentação a pessoas que têm interesse em servir como voluntários — ou seja, sem receber dinheiro em troca. Dentro do teatro, mais de 100 pessoas que já estão trabalhando para a igreja esperavam para receber outros 800 interessados em ser parte da Hillsong São Paulo. Na fila estavam frequentadores de outras igrejas da capital paulista que cederam à tentação de dar uma espiada na "concorrência". "Eu sou da Quadrangular, foi lá que Deus arrumou minha família. Penso em mudar pra Hillsong porque é difícil achar um lugar hoje em dia que ainda tenha essa unção, essa presença de Deus. Mas meu pastor vai ficar bem irritado, vou ter que conversar direitinho", disse informalmente uma das jovens.

Quando as portas foram abertas, jovens de coletes com a frase "Amar a Deus, amar as pessoas" insistiam em cumprimentar efusivamente cada visitante. Uma faixa de "Bem-vindo à casa", com a marca da igreja e a inscrição "São Paulo" logo abaixo, também recepcionava os voluntários em potencial. Na área externa, um food truck da hamburgueria (de nome sugestivo) Holy Burger vendia seus sanduíches a partir de R$ 20. Um pouco antes, voluntários uniformizados ofereciam doces para manter a animação — e se recusavam a falar com a reportagem. "Você não vai por meu nome aí, né?", "Não quero parecer grossa, mas por que você quer saber?", "Não posso falar nada, vai que dou uma informação errada", foram algumas das frases coletadas. E vários diziam: "É melhor você falar com o Chris".

2. Tenha (ou seja) um líder carismático
Chris Mendez, o pastor citado pelos voluntários, é a mente por trás da Hillsong São Paulo. No site da igreja, ele é definido como um "líder carismático, cheio de força e vitalidade". Mendez vive em Buenos Aires, onde abriu a primeira Hillsong da América Latina no fim de 2015, e agora se volta para o Brasil. Apesar do carisma, do timbre grave e das pregações emocionadas, rejeita a ideia de ser um líder personalista. "Nossa igreja não é uma igreja centrada no pastor. As coisas não vão girar ao redor de uma pessoa. Nós queremos construir equipes que vão ajudar a desenvolver a nossa visão aqui", afirma em seu jeans justo, que compõe o visual hipster em conjunto com botas, camisa alongada e cabelo arrepiado.

Segundo Mendez, que é filho de argentinos, o desejo de trazer a Hillsong à América Latina é antigo e ele nega a existência de uma mentalidade de expansão comercial. "Não vemos o que fazemos como uma marca. Plantar a igreja em São Paulo e em Buenos Aires está em meu coração há mais de 10 anos. Dois anos atrás nós sentimos que era o momento certo", disse.

Sempre sorrindo ao final de cada frase, o pastor evita assuntos polêmicos que possam afastar fiéis em potencial. Perguntado, por exemplo, a respeito de como a igreja irá lidar com frequentadores homoafetivos, disse: "Assim como nós lidamos com qualquer pessoa. Meu trabalho não é mudar a sexualidade de alguém, é apontar pessoas para Jesus. Ele é o único que pode mudar vidas".

A Hillsong mantém posições tradicionais dentro do mundo evangélico. Se opõe ao aborto, ao sexo antes do casamento e não permite que frequentadores abertamente homossexuais tenham posições de liderança. Apesar disso, a igreja tem uma postura bem mais inclusiva do que seus pares latino-americanos. "Na Hillsong, já vi várias vezes os pastores dizerem à congregação que todos são bem vindos — não importa a maneira que estão vestidos ou suas ações. Eles dizem 'quem sou eu para julgar alguém se Jesus não o fez?'", afirma a antropóloga brasileira Cristina Rocha, que é diretora do Centro de Estudos da Religião e Sociedade da Universidade Western Sydney, na Austrália, e que há três anos desenvolve uma pesquisa sobre a Hillsong. "Mas eles esperam que as pessoas, ao entrarem na igreja e se sentirem felizes porque são amadas e não julgadas, ouvirão a palavra de Deus e aos poucos irão querer abandonar estes comportamentos." Mendez deixa claro que a Hillsong não segue o modelo moralista das igrejas locais: "O problema com as igrejas da América Latina é que elas são conhecidas por aquilo que são contrárias ao invés de serem conhecidas por aquilo que são a favor. Não vou pregar contra ninguém", diz. 

3. Construa uma marca evangélica global
A Hillsong surgiu modesta, em 1983, pelas mãos do pastor neozelandês Brian Houston. Apenas 45 pessoas foram ao primeiro culto, numa escola em Sydney. Mais de 30 anos depois, a igreja se tornou uma poderosa marca religiosa global, com igrejas que vão de Kiev à Nova York, bandas próprias em turnês mundiais, milhares de frequentadores (incluindo famosos, como Justin Bieber) e legiões de fãs. Seus três maiores canais no Spotify (Hillsong Worship, Hillsong United e Hillsong Young & Free) somam mais de 3,5 milhões de ouvintes mensais. Para efeito de comparação, o canal brasileiro mais bem-sucedido, da dupla Jorge & Mateus, não chega a 2 milhões. De acordo com estimativas da própria igreja, 50 milhões de pessoas cantam suas canções todos os domingos em cultos ao redor do mundo.

A última grande investida de marketing da igreja é o filme Let hope rise. Dirigido com o olhar agnóstico de Michael John Warren, que tem no currículo documentários sobre Drake, Jay Z e Nicki Minaj, a produção conta os bastidores dos shows da Hillsong United, uma banda da igreja que é liderada por Joel Houston, filho do fundador Brian, e responsável por sucessos como Oceans, que em suas duas principais versões (original e acústica) soma mais de 102 milhões de visualizações no YouTube.

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É se valendo dessa influência na música gospel que a Hillsong chega a São Paulo em 2016. Suas músicas já estão presentes no cenário evangélico brasileiro há muitos anos e as versões nacionais pipocam em álbuns de bandas como o Diante do Trono, da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte. Em 2012, o grupo mineiro fez parte do Hillsong Global Project, que, numa estratégia para popularizar ainda mais as músicas — e a marca — da igreja australiana, criou versões em nove idiomas (português, coreano, mandarim, espanhol, indonésio, alemão, francês, sueco e russo). “A Hillsong tem sido desde o começo uma inspiração para mim”, afirmou na época Ana Paula Valadão, líder do Diante do Trono.

Felippe Valadão, cunhado de Ana Paula e pastor responsável pela filial da Lagoinha em Niterói assume sem preocupações que reproduziu o modelo da Hillsong na cidade. "Eu fui na Hillsong em Nova York e fiquei muito impactado. Não era algo pra crente, era pra quem nunca foi na igreja. Pensei que se um dia eu fosse abrir uma igreja eu faria um treco assim." Quando voltou ao Brasil, Felippe recebeu do sogro — e fundador da Lagoinha —, Márcio Valadão, a bênção para abrir uma igreja no Rio de Janeiro. “Pode escrever que eu copio qualquer ideia boa. Tudo o que é bom eu vou copiar. É melhor copiar a Hillsong do que a igrejinha aqui da esquina que não faz nada de legal, pô!”, afirma Felippe. Seguindo a receita da Hillsong, a Lagoinha Niterói deslanchou: três anos depois de abrir as portas, conta com uma frequência média de 6 mil pessoas por semana.

4. Tenha muito, mas muito dinheiro
De acordo com o jornal Sydney Morning Herald, em 2014 a Hillsong arrecadou 180 milhões de dólares australianos em suas atividades ao redor do mundo, cerca de R$ 450 milhões. As principais fontes de renda são as doações feitas pelos frequentadores, a venda de músicas, conferências que reúnem milhares de pessoas em Sydney, Londres, Nova York e Los Angeles (no Brasil, há agências de viagem que vendem pacotes para essas conferências) e também o Hillsong College, centro educacional que a igreja mantém na Austrália e que oferece cursos como teologia, dança, música de adoração e produção audiovisual.

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A arrecadação da igreja chama a atenção da mídia australiana já há um tempo. No ano passado, o jornal Daily Telegraph reportou que a Hillsong teria levantado mais de 100 milhões de dólares australianos apenas em seu país de origem, um volume que cresce numa velocidade de dar inveja ao PIB chinês.

O dinheiro é investido em uma estrutura midiática que torna os cultos da Hillsong muito parecidos com concertos de grandes bandas. Segundo Cristina Rocha, a "cultura de excelência" e a música de qualidade ajudam a explicar o poder de atração da igreja sobre os evangélicos do Brasil. "Muitos brasileiros estão fartos desta cultura do jeitinho e aspiram trabalhar num lugar onde tudo funciona, onde as pessoas se importam com os outros e com o que fazem. Eles encontram isto na Hillsong", afirma a pesquisadora. 

5. Repita o processo
Os voluntários da igreja no Brasil são, em geral, jovens evangélicos que saem de suas igrejas encantados com a estrutura e com frisson causado pela Hillsong. “Nosso maior desafio como liderança é transformar uma multidão numa congregação", diz o pastor Chris Mendez. "Se em nosso primeiro domingo duas mil pessoas vierem, em seis meses a maioria não estará lá. Eles vêm por um fenômeno, mas nós queremos um exército de voluntários que sacrifiquem seu tempo e suas vidas. Os fãs não ficarão aqui por muito tempo." 

O primeiro culto oficial da Hillsong, no dia 31 de maio, ficou marcado pela reclamação das milhares de pessoas que não conseguiram um lugar no Audio Club, casa de shows no bairro da Barra Funda que comporta 3,2 mil pessoas em pé ou mil sentadas e que servirá de local de cultos para a igreja em São Paulo. As reuniões dominicais começarão em 30 de outubro e o acordo com a administração da casa prevê de dois a quatro cultos por domingo até abril de 2017. "É bem curioso porque acontecem muitos eventos no sábado. Enquanto o pessoal da balada vai estar saindo bem louco, outros vão entrar pra purificar a alma", afirma um dos funcionários do Audio.

Nada que abale a confiança ou a animação de Mendez: “As pessoas que vem para ver o que acontece vão perceber que isso não é sobre uma banda. Estamos aqui para construir uma igreja em São Paulo”.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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