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História de 
uma alienígena

Letícia González
Natacha Cortêz

por Letícia González
Natacha Cortêz

Como o “efeito sanfona” tirou uma modelo loira e alta das passarelas antes de devolvê-la a si mesma

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Bruna Erhardt tinha 14 anos quando foi selecionada por uma agência de modelos em Tubarão, no sul de Santa Catarina. Era o sonho de sua vida, e o OK dos agentes a deixou eufórica. Eles a queriam em São Paulo porque, asseguravam, era linda, maravilhosa. Só pediam uma coisa: que emagrecesse 5 quilos. Em plena adolescência, foi fácil, questão de cortar as bolachas recheadas do lanche e se empolgar com a educação física. Mas foi também o início de algo maior. "Ali começou a saga de brigar com meu corpo", diz Bruna, hoje com 29 anos.

A catarinense desembarcou em Nova York poucos meses depois, magra e pronta para emplacar suas primeiras campanhas. A aposta vingou e Bruna teve, em Manhattan, o primeiro contato com marcas mundialmente famosas: Calvin Klein, Vogue Italia, McDonald’s… “Não tinha McDonald’s na minha cidade [Imbituba, cidade de 40 mil habitantes vizinha a Tubarão que, ainda hoje, vive livre da rede fast-food]. Sem minha mãe que cozinhasse ou alguém para me guiar, comi tudo o que uma adolescente come quando vai à Disney", lembra.

Assim inaugurou o efeito sanfona que a acompanharia por mais de uma década. Se ao chegar a São Paulo pesava 53 quilos no corpo de 1,78 metro, depois da primeira temporada americana já não sabe dizer, pois tinha medo de subir na balança. As evidências de que suas curvas saíam do esperado vinham do espelho e dos bookers, os profissionais responsáveis por seus contratos. Aos 16 anos, Bruna apareceu na capa da revista Vogue e viu seu passe valorizar imediatamente. Na temporada de moda que se aproximava, estava escalada para os desfiles mais importantes. Porém, foi botar os pés em São Paulo para ouvir da agência: “Bru, assim não dá". E não dava mesmo, dentro do padrão de passarela que a moda ainda usa. “Entendo a postura deles. Mas aí eu tinha que emagrecer 5 quilos em duas semanas. Nessa hora você pensa: fodeu, é tudo ou nada."

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Por conta própria, encarnou o clichê do desespero: “Fiz dieta da sopa, do abacaxi. Teve dias em que comi uma maçã, o dia inteiro. Passei a tomar laxante, inibidor de apetite e muito diurético, que afinava o rosto. Na época, não percebia o quanto isso afetava minha cabeça e meu corpo. Queria fazer os desfiles, algo que amava. É muito legal estar na passarela, é uma energia boa". Mas o corpo, em desenvolvimento, teimava. “Nunca permaneci mais de um ano com o peso ideal para ser modelo." Com amigas de profissão, a comparação era doída. “Olhava para elas e pensava: todo mundo é magro e saudável, ninguém é neurótico. Claro, elas são naturalmente assim. Já eu tenho perna, bunda, peito. Me sentia um E.T." 

AMOR PRÓPRIO

No início de 2016, aos 28 anos, Bruna deu um basta. Pediu demissão da agência e entrou num período introspectivo, quase sabático. Abandonou a dieta, a academia e um pacote já pago de sessões para drenagem linfática, que deu a uma amiga. Fez um curso de medicina ayurvédica, que estuda os diferentes tipos físicos humanos, e então recomeçou as coisas de outro jeito. “Foi um processo de olhar para dentro e entender que, se esta é a minha estrutura e estou aqui nela, algo de bom tem de ter", conta. No meio do adeus à carreira, se deparou com uma brecha aberta pelo autorrespeito. Descobriu nomes como Fabiana Saba e Nathália Novaes, mulheres com manequim acima de 40 que trabalham como modelos num nicho novo, o curvy. “Algo ali me disse: ‘Tá tudo bem’. Fiquei com aquilo na cabeça por uns três meses e, aí, decidi fazer fotos novas."

Divulgar as primeiras imagens com o corpo real foi difícil. “Os clientes me conheciam, como ia postar uma foto gorda no Instagram?", lembra. Mas postou. E adentrou um espaço ainda minúsculo no mundo da moda, mas inexistente poucos anos atrás. O alívio de ver mulheres com corpos parecidos ao seu exigindo reconhecimento do mundo e do mercado ajudou. “O que mais me chamou a atenção foi o amor próprio que elas têm. Para mim, foi um processo de aceitação", diz. “Elas lutam — a gente luta, agora posso dizer — com muito amor."

 

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Créditos

Imagem principal: Nathalia Cariatti

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