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Cátia de França (r)existe e está em ebulição

por Nathalia Zaccaro

Aos 70 anos, a paraibana está sendo descoberta por uma nova geração de fãs enquanto descobre as maravilhas da internet

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“Tenho essa aparência agreste, mas dentro de mim mora uma mulher”, diz Cátia de França depois de pentear os cabelos brancos que revelam seus 70 anos. Uma mulher que, segundo ela mesma, tem sangue nas ventas, é negra, índia, cigana, bruxa, candomblecista e aquariana. “Como todo aquariano, sou muito louca. A música me resgata. Sou uma contadeira de histórias”, define. Cantora, compositora e multi-instrumentista, Cátia cresceu ouvindo que toca violão como um homem. “Não existe isso, o que existe é uma ebulição dentro de mim.”

No último carnaval, a força que Cátia exibe cantando incendiou seis mil pessoas que a assistiram no palco do Psicodália, festival alternativo por onde já passaram Tom Zé, Alceu Valença, Céu, Metá Metá, Liniker... Apesar de todos os santos que cultiva ao seu lado, ela sente medo quando sobe no palco. “De cara já aviso a plateia que sou de carne e osso, que estou tomada pelo nervosismo. Depois que falo isso, vejo a risada do público e sinto que estão do meu lado. Aí o medo passa. Cantar me faz bem”, diz.

O frio na barriga constante de Cátia dura quase 40 anos, tempo que a paraibana tem de carreira. “Era sanfoneira na banda do Zé Ramalho quando tive a chance de gravar meu primeiro disco, em 1979, com produção dele”, conta. O tal disco é  20 palavras ao redor do sol, clássico da música regional brasileira. “Tive a sorte de assistir o show de estreia desse LP. A forma como ela consegue trazer questões humanas universais para suas músicas e a enorme influência da literatura em seu trabalho fizeram dela ídolo para todos os músicos daquela época”, conta o conterrâneo Chico César.

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No auge da carreira, Cátia teve suas canções gravadas por Elba Ramalho e travou parcerias com nomes como Clementina de Jesus e Jackson do Pandeiro. “Não componho porque estou apaixonada ou porque é lua cheia, eu engravido dos livros que leio e tudo vira música”, conta Cátia, que cita Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e José Lins do Rego como parceiros de suas composições.

Apesar de nunca ter abandonado a música, Cátia estava afastada dos palcos e gravadoras. “O mercado só aposta no que já está evidente – ou em loiras com pernas maravilhosas. Fiquei um bom tempo sem condições financeiras para gravar do jeito que eu queria. Tem gente que fala: coloca todo mundo numa kombi e grava. Não é assim, precisa de cuidado”, diz. Desde 2005 ela buscava patrocínio para lançar seu sétimo disco, Hóspede da natureza. Em 2015, com ajuda do produtor Ruan Forecchi, Cátia foi contemplada por um edital da Natura Musical e conseguiu tirar o sonho do papel.

“Na verdade, foi a internet que me resgatou. O que me importa é saberem que eu existo. Esses meninos novos me dizem que ficam fuçando nessa internet e pegam tudo de mim, que baixam meus discos. Enquanto a Globo me esnoba, pela internet já cheguei no Japão”, conta. Online ou offline, é fato que Cátia enfeitiçou um novo público. No último dia 7 ela se apresentou ao lado de Russo Passapusso, vocalista do Bayana System  - uma das bandas mais comentadas da cena atual – no palco do Mundo Pensante, casa de shows moderninha no centro de São Paulo. “A Cátia é um caleidoscópio espiritual, as canções são cheias de referências, cada vez que ouço tenho novas interpretações. A figura dela, de uma mulher forte tocando violão, é muito maravilhosa”, elogia Russo.

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Na noite da parceria dos dois, a fila para entrar no Mundo Pensante tomava cerca de 30 minutos dos mais de 400 interessados na apresentação. “Nosso público é jovem, mas querem sacar quais são as referências das bandas atuais, têm vontade de conhecer sons de outros tempos e saber como se modernizaram. Fenômenos parecidos aconteceram aqui com Di Melo, Arrigo Barnabé e Isca de Polícia”, diz Paulo Papaleo, dono da casa de shows.  “São como meus bisnetos, muitos contam que seus avós é que falaram de mim pra eles”, diz Cátia. O retorno da cultura do vinil, que tem cada vez mais adeptos na geração Y, também pode ter contribuído para o crescimento no número de fãs da paraibana. “Muita gente troca discos, quer descobrir raridades. O 20 palavras ao redor do sol é uma relíquia e de mão em mão vai disseminando o trabalho dela”, diz Ruan, produtor dos shows da cantora.

O flerte de Cátia com a internet ainda é tímido, mas duas coisas ela já sacou: “Amei o Google e percebi que esse tal de spot alguma coisa pode ser um caminho para o sustento de produtos musicais independentes”, conclui, sobre o Spotify. Empolgada com o período fértil em que está, ela quer mais: “Estados Unidos não me seduz, mas quero ir tocar na Europa e ganhar em moeda estrangeira”, planeja. Além das viagens, ela já sonha também com próximos discos, uma casa nova e até teatro. “Os tempos estão bicudos mas, em meu misticismo, sei que o alinhamento de planetas vai ajudar. Eu chego lá.  Ainda bem que estou tendo essa chance, estou feliz demais.”

Créditos

Imagem principal: Nathalia Cariatti

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