Erica de Paula: afinal, parir dói?

por Erica de Paula

Segundo a especialista Erica de Paula, a dor do parto varia e é cercada de mitos. Para a Doula, existem outras preocupações neste processo e é importante não dar o protagonismo deste momento à dor

Conhecida injustamente como a grande vilã do parto normal, a dor do parto é tão real quanto é igualmente coberta de mitos. Interferências milenares (como a famosa frase bíblica "parirás com dor") e a forma como a mídia retrata esse momento em filmes, novelas e etc não contribuem para desmitificar o assunto.

Onde dói?

Algumas mulheres sentem dor exclusivamente no "pé da barriga", como uma cólica menstrual intensa. Outras, sentem doer a região lombar/sacral, podendo ocasionalmente irradiar para as pernas. Também é possível que a dor seja relatada em todos esses lugares ao mesmo tempo, ou em locais alternados, de acordo com cada etapa do trabalho de parto. A dor costuma começar como um pequeno incômodo nos pródromos (contrações de treinamento que antecedem o trabalho de parto, cuja principal característica é possuir intervalos irregulares), aumentar para uma dor de intensidade moderada na fase latente (quando as contrações ainda estão com um intervalo acima de 3 minutos entre elas e com pouca dilatação) e atinge o seu ápice na fase ativa (a partir de 6cm de dilatação até a dilatação total). No período expulsivo, é comum que a dor seja substituída pela vontade de empurrar (os famosos "puxos") e a sensação predominante passa a ser uma "pressão" na região perianal. Quando o bebê está coroando (com o couro cabeludo visível), a mulher pode experimentar por pouco tempo uma sensação de ardência e queimação no períneo (conhecida como "círculo de fogo"). Imediatamente após o nascimento, a dor cessa por completo e apenas na dequitação da placenta pode ocorrer uma leve cólica (que também será sentida nas primeiras mamadas do bebê - independente do parto ser normal ou cesárea - uma vez que ao sugar o bebê estimula a produção de ocitocina, que irá contrair o útero e ajudá-lo a voltar para o lugar).

Na maioria dos partos, o momento relatado como sendo o mais dolorido é o da fase ativa (quando as contrações estão mais intensas, longas e com um intervalo menor entre elas). Já o período expulsivo, ao contrário do imaginário popular, tende a ser encarado como o momento mais tranquilo - e até mais prazeroso - do parto. No entanto, cada uma dessas fases pode ser vivenciada de maneira completamente diferente por cada mulher, afinal, não existe nenhum parto igual a outro.

É importante lembrar que a dor do parto não é ininterrupta e vem apenas durante as contrações (que costumam variar entre 30 a 70 segundos), existindo alguns minutos de intervalo e descanso entre elas. Outra questão fundamental é saber diferenciar a dor que vem das contrações uterinas fisiológicas que possuem o objetivo de empurrar o feto, das dores causadas por procedimentos e intervenções que muitas vezes são desnecessárias e até mesmo traumáticas para a mulher. Alguns exemplos são: aplicação de ocitocina sintética intravenosa (hormônio que potencializa as contrações e acelera o trabalho de parto. Pode ser necessário em alguns casos, mas acaba sendo utilizado de rotina), manobra de kristeller (espremer o fundo do útero no período expulsivo, podendo causar danos irreversíveis à mãe e ao feto), episiotomia (corte no períneo realizado para alargar o canal de parto que é feito de rotina, embora as evidências científicas condenem sua prática há décadas), etc. Infelizmente, em muitos relatos de parto que ouvimos, as experiências traumáticas relatadas são relacionadas a esses procedimentos, e não às contrações em si. A solidão (não ter direito a um acompanhante), o jejum forçado e a violência verbal praticada por algumas equipes também pioraram muito o cenário e contribuem para a visão terrível que temos do parto ainda hoje.


Existe parto sem dor?

O limiar pessoal de dor é bastante variável e pessoal. Como em diversos outros eventos da vida, algumas pessoas aparentemente possuem uma resistência melhor a determinados tipos de dor, e no parto não é diferente. Existem relatos de mulheres que sentem apenas um leve desconforto, pressão ou vontade de fazer força, mas são casos bastante raros. Inclusive, o famoso "parto orgásmico" não é necessariamente indolor, já que a sensação de prazer experimentada nesse caso costuma ser apenas no momento da saída do bebê.


Como aliviar a dor?

Existem muitos métodos não farmacológicos de alívio da dor que podem ser providenciados sobretudo pela doula (profissional treinada para acompanhar o parto). São eles: bola suiça (pode ajudar na adoção de posições mais confortáveis), massagens e técnicas de contrapressão no quadril, água quente (banho quente no chuveiro ou banho de imersão em banheira), técnicas de respiração e visualizações (hipnobirthing), liberdade de posições (a mulher pode experimentar diversas posições como ficar de cócoras, de 4 apoios, caminhar, rebolar, etc), vocalizações, compressas quentes (por meio de bolsas térmicas) e um cuidado diferenciado com o ambiente (iluminação, temperatura, música, aromas, etc).


A dor é obrigatória. O sofrimento é opcional.

A forma como se decide encarar a dor está diretamente relacionada à sensação da dor em si. No caso do trabalho de parto, é comum orientarmos a parturiente a sentir cada contração como uma onda, que começa leve, atinge seu ápice e se afasta lentamente, até que venha a próxima. Se a mulher conseguir enxergar que cada contração é menos uma (daquela "cota" que ela ainda precisa passar) e que a cada momento ela está mais próxima de conhecer o seu bebê, poderá encarar aquela dor não como uma inimiga, mas como uma aliada na dança fisiológica que trará seu (sua) filho (filha) ao mundo. Na psicologia é bem conhecido um ciclo chamado de "medo - tensão - dor", onde a presença de um induz e interfere na percepção do próximo, se tornando assim um ciclo vicioso. Quando estamos numa situação de relaxamento, o corpo libera endorfinas que irão auxiliar no alívio da dor. Se estamos com medo, o corpo irá liberar adrenalina, que é um hormônio antagonista da ocitocina (o hormônio do parto). Portanto, é importante trabalhar os medos antes do parto e criar um ambiente favorável para o mesmo com a presença tanto de uma equipe quanto de um acompanhante que acolham e encorajem a mulher em trabalho de parto.

Outra dica valiosa é tentar descansar o máximo que for possível. Durante os pródromos ou na fase latente, tomar um banho quente bem demorado pode fazer com que as contrações deem uma trégua e aumentem o intervalo, de forma que a gestante consiga descansar ou até mesmo dormir entre elas. É fundamental tentar dormir nessa fase, mesmo que a cada 7, 10, 15 ou mais minutos venha uma contração. No final das contas, o cansaço é o maior inimigo do parto. Para a dor, existem técnicas (farmacológicas ou não) de alívio. Para a exaustão, não há nada que possa ser feito por ninguém. Existem mulheres que conseguem seguir essa dica à risca e cochilam até mesmo entre uma força e outra, nos intervalos do período expulsivo.

E a anestesia?

A analgesia de parto possui como objetivo reduzir (não eliminar) a sensação de dor, de forma que a gestante ainda consiga se manter ativa e perceba quando estiver tendo contrações e os puxos. Pode ser raquidiana, peridural ou combinada. Deveria ser sempre um recurso (hospitalar) possível para quando a parturiente esgotou todas as formas de alívio não farmacológicas e chegou no ápice do seu limiar de dor. No entanto, a analgesia não é inócua e não deve ser feita de rotina, pois os estudos mostram que ela está associada a um maior risco de intervenções como ocitocina, parto instrumental (vácuo ou fórceps) ou mesmo uma cesariana por sofrimento fetal. Além disso, dependendo da dosagem, pode acontecer da mulher não ser mais capaz de identificar as contrações, necessitando do auxílio da equipe para fazer força na expulsão do bebê, por exemplo. O ideal é que seja feita na fase ativa do trabalho de parto, mas pode ser feita no início também.

É sempre bom enfatizar que a cesárea também não é isenta de dor. Durante o procedimento, a mulher não sentirá dor, mas, como toda cirurgia, possui uma recuperação pós cirúrgica delicada e extremamente dependente de medicamentos. Quando necessária, pode salvar vidas. Mas, feita desnecessariamente, além de aumentar os riscos tanto para a mãe quanto para o bebê, pode atrapalhar significativamente o início da amamentação, do vínculo e dos cuidados com o recém nascido.

Por último, numa situação de um parto humanizado e respeitoso, cercado de amor e cuidados, como toda mulher merece ter, a dor se torna apenas mais um detalhe de toda a experiência. É bastante comum relatos de mães que inclusive sentem muita saudade do dia do parto e dizem que gostariam de passar por esse momento mais vezes. Após ter acompanhado centenas de partos, posso afirmar que, quando bem conduzido, esse pode ser o momento mais intenso, transformador e empoderador da vida de uma mulher!!!

 

Erica de Paula foi homenageada pelo Trip Transformadores 2014. Assista aqui a sua história. 

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Créditos

Imagem principal: Pedro Fonseca

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