O financista que investiu em capital social

Quando a corretora da qual era sócio foi vendida para um grande banco em 2007, o então consultor financeiro Marcos Flavio Azzi conquistou, aos 30 e poucos anos de idade, a independência financeira que a maioria das pessoas passa a vida a buscar.

Filho de um gerente de banco e de uma professora, esse mineiro de São Gonçalo do Sapucaí decidiu dedicar-se a transformar a noção de valor da sociedade. Trocou a carteira de ações de empresas por uma de ações sociais e está ajudando a transformar no Brasil o conceito de filantropia, que em outros países gera imenso capital humano e social.

Acostumado desde 2003 a destinar anualmente 1% de seu patrimônio líquido para a reforma de casas em comunidades carentes, Azzi percebeu que seus clientes também queriam ver seus investimentos gerar outro tipo de retorno, mas não sabiam como ultrapassar a simples assinatura de um cheque. Criou então o Instituto Azzi, que ajuda pessoas interessadas em doar a encontrar ações, projetos e organizações alinhadas com suas causas. A ação é financiada pela renda obtida da administração de um fundo patrimonial criado por ele e por doações.

Para garantir mais retorno aos investimentos, implantou na filantropia critérios de eficiência que aprendeu analisando empresas e fundos de investimento. Antes que os investidores façam o aporte de dinheiro, o instituto avalia a transparência, a qualidade da gestão e a solidez e o impacto de projetos e ONGs. Depois, acompanha o cronograma e a prestação de contas e mede, junto com o doador, os resultados sociais gerados pelo investimento realizado. 

Com pouco mais de cinco anos de existência, o instituto possui sedes em São Paulo e no Rio de Janeiro e já reúne uma rede de mais de 50 investidores. Nesse período, já encaminhou para o terceiro setor mais de R$ 8 milhões. Marcos ajuda a alavancar vidas. 

No Atacama

A mudança na vida de Azzi não foi tão simples quanto parece. Ele sabia que precisava romper de vez com o seu passado, fazer algo que fizesse ele virar a chave para sempre. Optou por dar tchau para a família e passar alguns dias no deserto do Atacama.

“Fiquei 12 dias pensando na vida após vender nossa empresa. Tinha apenas 36 anos, já era casado, tinha 2 filhos e tudo mais”. Ali Azzi implantou uma rotina. Passava os dias sozinhos no deserto olhando para o infinito que via da montanha. “Sonhei meio dormindo meio acordando, talvez pelo relaxamento e algumas taças de vinho, com algo muito maior que a relevância de uma carreira de sucesso no mercado financeiro”.

O sonho que Azzi teve foi o de transformar uma busca por relevância em um busca por significância. “Inspirar pessoas físicas de alto poder aquisitivo a ter o altruísmo como alternativa de saúde e bem estar não apenas para eles, mas para todo o entorno”.

O mineiro, que com 20 anos veio para São Paulo estudar e não voltou mais, estava determinado a alcançar seu novo objetivo. Essa mesma determinação é vista quando ele começa a comentar sobre como o seu trabalho funciona hoje. “Hoje eu ajudo quem tem recurso financeiro a atuar melhor e ajudar as pessoas mais necessitadas em causas que elas escolherem de uma maneira gratuita”, ele explica.

Sua instituição trabalha de maneira gratuita porque quer deixar claro que o objetivo não é enriquecer. Azzi trabalha com altruísmo. Para ele, a causa social não funciona como plataforma para novos negócios ou algo um tipo de aumento no crédito dele com a sociedade. E quer passar isso para as outras pessoas.

Boa parte do seu trabalho é trabalhar para modificar a maneira como as doações são feitas no Brasil de um modo geral. É implantar uma nova consciência tanto na mente de quem doa quanto na de quem trabalha nas organizações de apoio.

“A pessoa vira advogado da causa, defende ela pra sempre”

Do lado de quem está disposto a ajudar, Azzi trabalha fazendo um reconhecimento de campo. Ele poderia muito bem jogar uma lista de instituições que conhece e pedir para a pessoa fazer uma boa doação, mas vai além. De maneira quase investigativa, ele procura conhecer bem quem irá fazer a doação. Busca por histórias da infância, traumas, gostos. “A gente descobre a causa que está dentro da pessoa e faz a ligação”, explica. De acordo com Azzi esse simples movimento faz com que ele consiga doações até dez vezes maiores. E isso aconteceu na prática.

“Percebi uma pessoa que tinha a causa da acessibilidade nela. Quando mostrei pra ela um projeto de surf adaptado para pessoas com deficiência visual, motora e mental. pedimos uma ajuda simples - três cadeiras flutuantes. Ia custar três mil reais. A pessoa virou e disse: “Não. Quero financiar o projeto todo”. Ele doou 300 mil para o projeto.  

Além disso, é uma missão a longo prazo. Azzi quer por a causa na vida da família do doador, para que ela atue na área por diversos anos e por diversas gerações. “A pessoa vira advogado da causa, defende ela pra sempre”.

Do outro lado, Azzi coloca as organizações para trabalharem melhor. Conhecendo o projeto afundo ele analisa a gestão, a solidez, transparência e o impacto do trabalho. Ele alinha os setores, faz com que doadores e organizadores falem a mesma língua. Considera que a falta de uma conversa clara entre os setores é um dos grandes entraves para a quantidade de dinheiro doado.

E isso é fácil? Que nada. Azzi chega a dizer que sua função é saber lidar bem com a decepção. A cada cem pessoas com que ele conversa, uma vai efetivamente mudar de prática e fazer tudo que ele explicou. Aliás, uma de suas grandes decepções é ver que muito dos incentivadores dele, hoje não são pessoas que não buscam assessoria.

“Me decepciono com os dois lados. Me decepciono também com as organizações que não entregam o projeto que elas mesmas planejam, com a falta de transparência, de gestão. O gestor acha que tá tudo bem, mas não tá”, diz.

Altruísmo

Azzi considera seu trabalho muito mais complicado, tanto que se tornou um estudioso dedicado a descobrir: “Por que as pessoas não doam?”. “Leio muita filosofia, altruísmo, psicologia e até primatologia”.

O que instiga Azzi nessa briga é notar os fortes contrastes brasileiros. Como temos uma das maiores economias do mundo, mas decepcionamos no desenvolvimento humano? O que ele quer mudar é a corrida desigual em que vivemos. Todos precisam ter o mesmo nível de educação, de saúde e de condições em geral para se desenvolver. “Seleção natural são dois filhotes de leão na mesma savana, com as mesmas oportunidades. Aqui temos pessoas com tudo diferente. Quem nasce na periferia é estimulado diferente, tem escola diferente, médicos diferentes… O que é justiça? É dar a cada um o que merece”.

Azzi sabe muito bem que foi um privilegiado. Na sua idade teve a oportunidade de ouro de fazer o que bem queria. Por que esperar ter 80 anos para fazer uma grande doação de patrimônio? Quem diz que ele chegaria aos 80 anos?

Ter a vida de um transformador muitas vezes é consequência inevitável do destino. Azzi buscou essa vida. Demarcou um limite e começou a trabalhar. Se hoje ele analisa as pessoas para descobrir onde elas podem ajudar mais, é porque soube enxergar em si mesmo que era a pessoa certa para isso.