Ana Beatriz Pierre Paiva

por Redação

’’As pessoas não sabiam como se comunicar com a gente”, diz uma das autoras do livro ’’Mude o seu falar que eu mudo o meu ouvir’’, escrito por portadores de deficiência mental

Ana Beatriz Pierre Paiva, uma das homenageadas no Trip Transformadores deste ano, abriu uma porta que só ela, portadora de síndrome de Down, poderia abrir. Com outros seis jovens com deficiência intelectual, escreveu e publicou em 2011 o livro Mude o Seu Falar Que Eu Mudo Meu Ouvir, uma cartilha que traz dicas sobre como se portar e interagir com deficientes mentais. “Havia livros sobre outras deficiências, mas não sobre a nossa. Então, as pessoas não sabiam como se comunicar com a gente”, explica. 

Foi o primeiro livro sobre acessibilidade escrito por deficientes intelectuais no Brasil. A importância desse marco justifica o fato de ter sido lançada na sede da ONU, em Nova York, em versões em inglês e português. Os autores são participantes da Carpe Diem, uma associação cuja missão principal é a inclusão social e profissional de pessoas com deficiência intelectual. 

Um dos objetivos principais do livro é garantir os direitos dos deficientes mentais, previsto em acordos internacionais ratificados pelo Brasil. Mas seu poder vai além. A conexão criada abre olhos e ouvidos de todos para a riqueza da experiência de estar vivo. “Esse livro fala de seres humanos, de sentimentos, não é um livro técnico”, diz.

Com sua atitude, Ana Beatriz nos mostra que é possível explorar todo o potencial que mora em cada um de nós. “Apesar de termos deficiência, podemos fazer muita coisa”.

"No livro escrevemos sobre acessibilidade para pessoas que tem deficiência intelectual. Porque havia livros sobre outras deficiências, mas não havia sobre a nossa. Então, as pessoas não sabiam como se comunicar com a gente" 

Leia abaixo a conversa que Ana Beatriz Pierre Paiva e Thiago Rodrigues, um dos outros autores, tiveram com a Trip:

 

Como surgiu a ideia de escrever o livro?                                                                                                                      

Ana: No livro escrevemos sobre acessibilidade para pessoas que tem deficiência intelectual. Porque havia livros sobre outras deficiências, mas não havia sobre a nossa. Então, as pessoas não sabiam como se comunicar com a gente. E para nós é uma descoberta muito legal, porque podemos passar para as pessoas que também queremos existir no mundo, e que apesar de termos deficiência, podemos fazer muita coisa. Botamos algumas dicas nesse manual de como eles podem se comunicar com a gente. Tudo começou em João Pessoa, quando fomos num evento e percebemos que não conseguíamos entender o que as pessoas falavam e mostravam nos slides. E daí  precisávamos de alguém para traduzir para nós, no nosso modo de entender. E aí o Thiago e outra menina participaram de um grupo de bate-papo em que um dos que estavam na roda perguntou por que a gente não fazia um manual de acessibilidade. Lembra, Thiago? Conta um poquinho como foi.

Thiago: Essa reunião me comoveu. Eles falavam muito, e eu não conseguia entender o que eles queriam dizer. Daí, eu disse para a Fabi: “Não estou entendendo o que eles estão falando”. E ela respondeu: “Bom, Thiago, é melhor você se levantar e falar você mesmo”. Nesse momento, eu me levantei e falei “pessoal, me desculpe interromper, mas não estou entendendo o que vocês estão querendo dizer”. E foi daí que surgiu a frase “mude o seu falar que eu mudo o meu ouvir”. E foi muito legal.

Ana: A gente quis contar quais são as nossas dificuldades e necessidades. Por exemplo, como a gente trabalha a questão do tempo, do dinheiro. Se você ler o livro, tem várias ilustrações que mostram os atos daquilo que a gente tá querendo falar. Esse livro fala de seres humanos, de sentimentos, não é um livro técnico.

 

E vocês já tem planos para um próximo projeto?                                                                                                  

Thiago: Eu e a  Bia [Ana Beatriz Pierre Paiva] já estamos pensando em criar mais um livro. E nesse próximo livro a gente vai escolher novas pessoas para nos ajudar.

Ana: É, talvez não seja o mesmo grupo que escreveu o primeiro, para não ficar muito só a gente em foco, né? E para dar a chance às pessoas que ainda não tiveram a oportunidade de se juntar ao nosso grupo. 

 

E como foi a recepção ao primeiro livro?                                                                                                                    

Ana: Eu acho que o livro está sendo bem recebido, as pessoas estão comprando. Elas vão no site da associação [Carpe Diem] para adquirir o delas. E eu percebo que as pessoas estão mudando. Aos poucos, mas estão. Há um movimento, né? Mas até a coisa se tornar concreta, a gente precisa vender mais manuais. 

Thiago: Esse manual é para abrir o coração, não é para ler rapidamente. Esse livro é muito interessante, nos comoveu a passar coisas das nossas vidas, do nosso dia a dia, do nosso trabalho. Não é nada fácil. 

"Esse livro fala de seres humanos, de sentimentos, não é um livro técnico."

Qual foi o segredo para o trabalho em grupo funcionar?

Ana: Acho que foi saber trabalhar em grupo, dividir a responsabilidade entre todos nós, saber que quando cada um de nós é convidado para participar de um evento, ele vai estar sempre representando o grupo. Porque foi esse grupo que começou esse trabalho, que permaneceu unido, porque a gente fez isso junto. E o que vale pra mim é a união desse grupo. É o estar junto, construir junto. Isso faz as pessoas perceberem que além de sermos os autores do livro, somos amigos. É muito legal o relacionamento que eu tenho com eles, que eles têm comigo, e eu não quero que isso morra nunca. 

 

E como foi o lançamento na sede da ONU, em Nova York? 

Thiago: A gente se sentiu um pouco emocionado no momento em que recebeu o comunicado do pessoal da ONU, lá dos Estados Unidos. E foi uma viagem interessante. Era um grande sonho conhecer os Estados Unidos. Eu assistia muito filme na televisão imaginando “ah, eu quero estar lá, conhecer o Central Park”. E foi uma viagem tão boa, a equipe da ONU foi tão atenciosa com a gente. 

Ana: Eu ia com eles só que teve um probleminha, daí o Thiago representou muito bem o nosso grupo, os meninos fizeram bonito lá nos Estados Unidos. E eu estava aqui torcendo, com o coração na mão. O que vale disso tudo é o estar junto, é o conviver junto, é o construir junto. E se esse manual vai ser um sucesso, é porque o nosso grupo permaneceu junto. E isso não deve se quebrar nunca. 

 

Quais sãos seus maiores sonhos?                                                                                                                             

Thiago: O meu foi a realização desse trabalho.

 

Ana: Eu tenho muitos sonhos, mas vou simplificar, tá? Meu sonho é ser atriz e continuar fazendo nosso manual crescer cada vez mais!

 

Vai lá: Saiba mais sobre a associação Carpe Diem.

 

capa do livro capa do livro "Mude o seu falar que eu mudo o meu ouvir"

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