por Redação

Para alguns atletas olímpicos o importante foi competir, sim

Considerado clinicamente cego, o sul-coreano Im Dong Hyun estabeleceu o recorde mundial no tiro com arco na Olimpíada de Londres com apenas 10% da visão. Hyun não ganhou medalha, mas pouco importa. Os jogos londrinos, como outras edições, apresentaram ao mundo pessoas com histórias de vida tão distintas quanto suas motivações para competir. E ele é uma delas.

É bem provável que o lema ''o importante é competir'', comumente dito na companhia de alguns tapinhas no ombro, seja tão antigo quanto os próprios Jogos Olímpicos. Se pode ser interpretado por muitos como um mero consolo para os que não venceram, faz, também, pleno sentido quando é preciso superar muito mais do que os adversários para estar na disputa. 

Das adversidades sociais, como no caso da judoca brasileira Rafaela Silva, revelada pelo programa Instituto Reação, comandado por Flávio Canto (homenageado no Trip Transformadores de 2011), passando pela já tradicional falta de apoio na formação de base e de estrutura nos equipamentos e locais de treino – feito os irmãos Falcão, medalhistas no boxe que começaram esmurrando bananeiras em ringues de terra –, até sérias lesões. Houve, também, quem vencesse doenças consideradas incuráveis, exemplo do ginasta irlandês Kiera Behan, diagnosticado na infância com um tumor que o impediria de andar.

Não foram poucas as mulheres muçulmanas na capital inglesa, nem foi novidade o uso do hijab (que deixa apenas o rosto à mostra, usado em Atenas-2004), mas a judoca Wojdan Shaherkani fez história ao ser a primeira mulher da Arábia Saudita a competir em Olimpíada depois de longa negociação entre o COI (Comitê Olímpico Internacional) e o comitê saudita, até então contrário ao envio de atletas mulheres aos jogos. Servir de inspiração às novas gerações de mulheres muçulmanas para praticarem esportes também foi a maior conquista da afegã Tahmina Kohistani, do atletismo, que treinou em difíceis condições sob as severas regras do regime Talibã em seu país.

 Desafiando os deuses do Olimpo e seu conceito de perfeição estética do corpo, Oscar Pistorius e Natalia Partyka derrotaram seus maiores rivais: suas deficiências físicas. O sul-africano, que teve de amputar metade de ambas as pernas na infância devido a uma má-formação óssea, correndo com próteses de fibra de carbono se tornou o primeiro atleta paraolímpico a disputar os jogos com atletas considerados normais. A  polonesa, nascida sem uma parte do braço direito, por sua vez, jogou de igual para igual com as adversárias no tênis de mesa. 

Além da oportunidade de ver realizados anseios particulares, a Olimpíada permite aos atletas a glória de representar suas nações e fazer tremular sua bandeiras, por mais breves e modestas que sejam suas participações. Não para quatro deles, apelidados de “atletas sem pátria”. Philipine van Aanholt, Reginald de Windt e Liemarvin Bonevacia jogam por Curaçao, que até 2010 era considerado território das Antilhas Holandesas, mas depois se tornou constituinte do Reino dos Países Baixos e então o COI deixou de reconhecer a confederação antilhana. Já Guor Marial, do Sudão do Sul – país recém-criado, ainda sem comitê olímpico –, é vítima da guerra civil entre seu país e o Sudão e teve que se refugiar nos Estados Unidos para conseguir o índice olímpico. Embora não tenham podido atuar oficialmente por seus países (tiveram que jogar unidos na equipe IOA – sigla em inglês para Atletas Olímpicos Independentes), as bandeiras que encarnaram transcenderam as fronteiras territoriais. 

Mais do que um simples meio de inclusão social e de superação pessoal, o esporte é um meio de transformação. Se aos que sobem no lugar mais alto do pódio cabem, com todo o mérito, o ouro, o hino nacional, a recepção por autoridades, os desfiles em carro aberto, os patrocínios, as propagandas, os louros e as batatas, como diria Quincas Borba, aos outros resta jogar o jogo – e inspirar.

Vêm aí os Jogos Paralímpicos de Londres. Só vai ter campeões.

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