Encontros 2011: Pablo Capilé e João Candido Portinari

por Redação

Produtores culturais de gerações distintas batalham para fazer o conhecimento chegar nas pontas

Direito autoral, controle de fluxo de informação, obra de arte original e tudo o que impede que a informação e o conhecimento cheguem às pontas são conceitos excluídos do repertório de Pablo Capilé e João Candido Portinari. Embora sejam de geração opostas, conhecidas como digital e analógica, respectivamente, ambos batalham para democratizar a produção, a distribuição e a fruição de bens culturais. A tecnologia digital e a rede mundial de computadores são suas ferramentas mais valiosas.

Entender a presença vital da internet da vida e na causa de Capilé é fácil. Ele tem 31 anos e é um autêntico representante da geração digital, que se organiza em redes, autonomamente e sem intermediários. Essa familiaridade nata é o que lhe deu condições de criar o Circuito Fora do Eixo, uma rede de trabalhos concebida por produtores culturais independentes das regiões centro-oeste, norte, sudeste e sul do país. “Começamos centralizados, com uma grande equipe nacional que intermediava as relações com as pontas. Na segunda fase, descentralizamos, criando blocos regionais que traduziam conteúdo para as pontas e faziam a intermediação, sem uma grande decisão nacional. Hoje, a rede é totalmente distribuída, onde a ponta negocia com a ponta sem ninguém no meio”, diz Capilé sobre a evolução do Fora do Eixo.

E o que a arte do maior pintor brasileiro, manifesta em obras de óleo sobre tela, poderia se beneficiar da tecnologia digital e da internet? Nem mesmo João Cândido, criador do Projeto Portinari, desconfiava do poder dessas ferramentas para reunir, tratar e organizar o acervo de 5. 300 pinturas, gravuras e desenhos de seu pai, Cândido Portinari. “No início, era só texto, trabalhávamos com uma velocidade baixíssima. Foi uma evolução a chegada da imagem digital e da cor. Naquele momento, uma obra de arte poderia estar no colo de uma pessoa a milhares de quilômetros. Era fascinante. O Projeto Portinari tem a mesma idade da indústria de computadores, então vimos as necessidades do projeto serem respondidas pela tecnologia, desde a resolução da imagem até a evolução da estrutura social da rede de centralizada para distribuída”, conta João Candido.

Os dois se encontram na Casa Fora do Eixo, no mês de setembro, em São Paulo. O evento faz parte de mais um Encontro Transformador, promovido entre os homenageados do Prêmio Trip Transformadores para ampliar suas conexões e sua capacidade de gerar transformação e fomentar novos projetos, parcerias e amizades. A conversa entre os dois começa informal, como uma troca de conselhos digitais. “Eu tenho dois mil e poucos amigos no Facebook, não dá para responder a todos, mas ao mesmo tempo existe uma expectativa. Fico com uma dívida enorme, ou você responde na hora ou vai pra pasta 'a responder' e dali a pouco tem mil e quinhentos emails acumulados”, confessa João. Capilé revela que ele também é adepto do 'a responder'.

A toada da conversa é marcada por contrapontos próprios de gerações distintas. A transversal, a que Capilé pertence, nasce na era digital e não quer se aprofundar verticalmente na informação, não quer saber muito de um tema, mas um pouco sobre muitos. “A gente entende da rodada campeonato brasileiro, dos homenagens do 11 de setembro, da queda do ministro da agricultura. Somos auto protagonistas e com twitter, facebook e email damos conta das demandas revolucionárias de nós mesmos, não precisamos mais aderir ao movimento”.

João conhece de perto o que ele chama de geração multiplex. Tem uma filha de 15 anos que funciona em 10 canais ao mesmo tempo. “Ela almoça e troca mensagens. Será que ela é um pouco dispersiva, será que ela consegue se concentrar? São perguntas que  minha geração automaticamente se faz. Como ficará a competência dela?”, preocupa-se o João, pai analógico de uma filha digital. Logo ele reconhece que ninguém precisa ser um poço de saber. A qualquer momento que você realmente precisar de uma informação, vai ao Google. “É como se tivéssemos um cérebro coletivo e muitos HD externos. A questão é como acessar as informações”, emenda Capilé. 

No universo digital, a velocidade de acesso e a enorme quantidade de informações exigem e ampliam a capacidade de diálogo e de negociação, o que nos torna mais tolerantes. Para Pablo, é a capacidade de criar campos de convergência que alimenta a inteligência colaborativa da nossa era. “Costumamos dizer que no Fora do Eixo o caminho é de um perfil mais feminino, mais generoso e compreensivo”, diz.

Produção e acesso abertos

Os puristas criticam o Projeto Portinari por ele não preservar a aura de originalidade da obra de arte. João Cândido defende a abertura da obra de seu pai como a essência do desejo do artista e do projeto que dissemina seus ideias. “Imagina uma exposição com as réplicas de Portinari numa chalana no Pantanal, recebendo a população ribeirinha, provocando reflexão crítica sobre valores humanos e sociais. Qual a importância de a obra não ser original?”, indaga João.

Para Pablo Capilé, a era digital só funciona se tem informação chegando na ponta. Defende o fim do direito autoral por considerar que ele interrompe o fluxo de conhecimento que não é mais aceito na era digital. “É uma questão de tempo. Não será possível conter o fluxo. Tudo caminha para a democratização do acesso ao conhecimento. O artista que quiser deter isso não vai ter garantia alguma. O Caetano Veloso diz que a internet que se adapte as leis. A internet não vai se adaptar a nada, o mundo que se adapte a ela. A era digital não é consequência da internet, esta é o ferramental da nossa era”, conclui Capilé. A mundo da lógica digital pensa e vive com autonomia. E pronto.

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