Você tem preconceitos?

por Lygia da Veiga Pereira

Projeto avalia as associações inconscientes positivas e negativas que fazemos sobre homem, mulher, negro e branco

Na era do politicamente correto, é tão difícil assumirmos os nossos preconceitos - sejam eles de cor, sexo, com gente gorda, e por aí vai - que eles ficam muito bem negados e escondidos lá no fundo (nem sempre tão fundo) da nossa consciência. No entanto, para evitarmos os preconceitos é fundamental primeiramente assumirmos que eles existem.  Mas como?

Lendo um artigo recente sobre preconceito contra mulheres em ciência (sim, em geral ganhamos menos, estamos em posições mais baixas na academia e na indústria, somos poucas em conselhos de empresas de tecnologia, e recebemos menos verbas para pesquisa), descobri um site muito interessante associado à Universidade de Harvard que avalia as nossas "associações implícitas" (em português claro: nossos preconceitos): o Projeto Implícito. Através de perguntas e atividades indiretas, o programa avalia os pensamentos e sentimentos em relação a diferentes características/situações - entre elas cor, sexo, obesidade e doenças mentais, que existem fora do controle do nosso consciente.

Me submeti ao teste que avalia como me sinto em relação a homens, mulheres, brancos e negros. Às tantas, eram apresentadas imagens de homens/mulheres das duas cores, e ao mesmo tempo palavras negativas e positivas, e eu tinha que apertar um botão ou outro do teclado de acordo com as diferentes combinações. Imaginei que estavam medindo quanto tempo eu levava para apertar o botão certo quando aparecia, por exemplo, homem branco + palavra positiva; ou homem negro + palavra positiva; ou homem negro + palavra negativa; e as outras combinações.  Me lembrei dos meus tempos de graduação, na PUC do Rio de Janeiro...

Na época eu cursava Engenharia, e fui pega no corredor por uns alunos da Psicologia para participar de uma pesquisa.  Para isso eu tinha só que olhar por um visor, e assim que aparecesse uma palavra, reproduzi-la alto e o mais rápido possível, enquanto alguém cronometrava o tempo entre a palavra aparecer e eu verbaliza-la. Ótimo, pode começar.

[Barco], e eu rapidíssimo "barco!", e o cara do cronômetro "0,3 segundos"; [avião], e eu tentando melhorar minha marca "avião!", tempo: "0,25 segundo"; depois de umas cinco palavras banais, surge no visor [merda]. Tomo um susto, mas eventualmente falo, um pouco mais baixo, "merda...", e o tempo reflete meu constrangimento "1,1 segundo". Segue uma série de outras três palavras tranquilas, quando de repente surge [fudeu], e eu hesitante falo "fudeu", e o tempo sobe de novo "1,2 segundo" – e percebo que o cara do cronômetro está se divertindo...

A essas alturas eu já tinha sacado tudo: eles queriam avaliar a dificuldade que temos com palavras "tabu", e a melhor evidência era o maior tempo que eu levava para verbaliza-las. Ah é? Pois vou avacalhar com os dados deles, vou caprichar para falar os palavrões o mais rápido possível, pensei eu.  [casa], "casa!", "0,2 segundo"; [caralho], "caralho!" quase gritei imediatamente! "0,9 segundo".  Não adiantou nada o meu esforço: os anos de doutrina sobre não falar palavrões eram mais forte do que o meu consciente competitivo, e acho que os psicólogos conseguiram provar a sua hipótese!

Os testes do Projeto Implícito são parecidos: eles avaliam as associações inconscientes positivas e negativas que fazemos sobre álcool, comida, auto-estima, doenças mentais, e o que eu fiz, sobre homem/mulher/negro/branco.  O resultado me surpreendeu! E você, vai encarar?! 

Cuidado: você pode descobrir que não é tão politicamente correto quanto imaginava!  Tudo bem, somos todos humanos (demasiadamente humanos).  E se isso acontecer, aproveite para se perguntar porquê, e assim evoluir.

*Lygia da Veiga Pereira é uma carioca que trocou Ipanema pela Universidade de São Paulo. Professora Titular de Genética Humana e chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da USP, ela escreve para a Tpm às quintas e também no http://leiaasmeninas.com.br/

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