Virgínia Rodrigues quer ser o que é

por Nathalia Zaccaro

No embalo do novo disco, a baiana que rodou o mundo cantando fala à Tpm sobre negritude, solteirice, religião, astrologia e, claro, música

Virgínia Rodrigues nasceu em Salvador, Bahia, no dia 31 de março de 1964. A voz que o The New York Times classificou como celestial vem de uma ariana que se identifica profundamente com seu signo. "O povo de áries é firme, verdadeiro. Pelo menos, eu sou assim. E são fortes, é fácil identificar um ariano. Não são pessoas fáceis, não são boazinhas", diz.

Em seus seis álbuns, a baiana defendeu com incrível beleza suas raízes, referências e encantou o público no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. O primeiro disco, Sol negro, de 1997, foi idealizado por Caetano Veloso e teve participações de Gilberto Gil, Milton Nascimento e Djavan.  

Seu novo trabalho, Cada voz é uma mulher, foi lançado este mês e é uma homenagem a compositoras lusófonas. "A ideia era só gravar jovens, mas eu não resisti. A Dona Ivone Lara, por exemplo, não dá, não tem condições [de não incluir]. Ela é minha paixão”, diz. “Axé de Ianga”, da histórica sambista carioca, vai entrar do disco como faixa bônus. “A Luedji Luna eu não conhecia. Quando fui no show dela e ouvi 'Asas', me apaixonei e falei: 'Esta eu vou gravar, é minha, não quero nem saber'”. O repertório tem ainda a cabo-verdiana Mayra Andrade, a portuguesa Sara Tavares e a brasileira Carolina Maria de Jesus (o show do lançamento do disco rola neste sábado, 20, no Auditório do Ibirapuera, em São Paulo). O primeiro clipe do álbum, Beijo de beira, já está no ar e dá para assistir aqui. 

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No início do ano que vem, Virgínia começa a divulgação internacional do novo trabalho. A carreira da baiana sempre foi marcada pela enorme repercussão no exterior, até maior do que a que recebeu em seu país. "Eu fazia em média três turnês internacionais por ano. E nunca fiz uma turnê no Brasil. Claro que eu sempre quis, mas a estrutura lá fora era muito melhor. Então, se você vai sofrer menos em um lugar, por que vai querer sofrer mais em outro? Eu passava mais tempo fora, mas hoje eu canto mais aqui”, conta. 

Independência
Trabalhar é parte da rotina de Virgínia desde bem cedo. Aos 13, começou como manicure e, pouco tempo depois, passou a fazer faxinas para ganhar mais grana, garantir um tanto de independência e ajudar a mãe em casa. “Nunca fui boa em ser funcionária, nunca tive muita paciência para patrão. Mas sempre trabalhei. Aí, quando eu tinha uns 27 anos, resolvi arranjar tempo para minhas coisas e entrei para o coral do Mosteiro São Bento e, em seguida, no Bando de Teatro Olodum”, se lembra. E foi aí que ela atraiu atenção de gente articulada dentro do mercado fonográfico, como Caetano Veloso, que fez deslanchar sua carreira. Mas seu amor pela música vem de bem antes disso.  

 “A minha formação musical é de rádio, que era o único meio de comunicação que existia na minha casa. Gastei muito dinheiro com ficha de telefone pedindo músicas. E também a igreja, que eu ia muito contra minha vontade. Mas eu ficava cantando nas missas, nas procissões. A minha ligação com a igreja católica foi só musical”, conta. Foi no candomblé, depois de adulta, que Virgínia encontrou a identificação espiritual que nunca teve na adolescência cristã. 

“Quando joguei os búzios pela primeira vez, tive respostas para perguntas que eu não dividia com ninguém. Nunca fui uma pessoa aberta. Os orixás me responderam todas”, conta. Sua conexão com as religiões de matriz africana está marcada em toda sua obra, especialmente no disco Mama kalunga (2015), em que, com produção de Tiganá Santana (que também assina Cada voz é uma mulher), ela se concentra na narrativas terrenas e mitológicas da presença negra no Brasil.

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“Sempre senti na pele que, como negra, tudo seria muito mais difícil para mim. Mas sempre quis ser o que eu sou, nunca quis ser branca. Sempre quis ser rica, mas branca nunca”, diz. Como quase toda mulher, Virgínia sempre teve no cabelo uma das formas de fortalecer sua identidade. “Já usei ouriçado, depois comecei a botar implante, usei mega, dread, trança, pintei de vermelho. Aí um dia, prestes a fazer 50 anos, entrei em um avião e vi um monte de mulher com o cabelo pintado. Daí pensei: "Ah, não vou pintar mais não, vou é raspar’. Cheguei na barbearia, cheia de homem, e pedi a máquina zero. As pessoas me olham ou com cara de admiração ou de horror. Muitos homens arregalaram os olhos, tipo 'gente, essa mulher deve ser louca'”, se diverte. 

Mas quem precisa da aprovação social masculina? Ela não. “Não tenho saco para muita coisa na vida. Uma delas é marido, não nasci para ser dona de casa. Uma época até quis ser mãe, mas depois entendi que não. Eu gosto de criança, mas não quero ter mais trabalho. Quem iria tomar conta da minha carreira? Hoje eu moro só em Salvador e adoro. Esse sempre foi meu sonho. Quando eu era nova, era tão boba que achava que meu futuro seria vender produto de beleza para ganhar dinheiro e conseguir morar sozinha”, conta.

O estilo sofisticado de cantar a profundidade de sua existência coloca Virgínia entre as cantoras brasileiras mais impressionantes de sua geração, como bem definiu o The New York Times, em um dos artigos em que se derreteu pela baiana. No texto de abertura de seu novo disco, a cantora Fabiana Cozza escreve que Virgínia é uma grande voz encarnada num corpo que ecoa tantos corpos femininos. E ouvindo suas canções, dá pra sentir essa força. Dá o play: 

Créditos

Imagem principal: Pablo Saborido/Acervo Trip

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