por Maria Ribeiro
Tpm #163

Não somos amigas, mas, como sou boa de relação unilateral com gente que admiro, venho ser mais uma voz nessa gritaria

Fiquei sua amiga, sem que você soubesse, quando tinha 10 anos. Você fazia uma novela chamada Selva de pedra (1986) e sofria muito, tanto que teve até que assumir outra identidade, acho que a da sua irmã que já tinha morrido (e viva Janete Clair!). A Christiane Torloni era a vilã bruxa má e você fazia a mocinha gata borralheira, só que toda vez que você chorava, a Verônica Sabino cantava uma música triste de um jeito que ficar triste era quase bom, de modo que eu sofria com você, de mãos dadas, esperando o Tony Ramos nos fazer feliz.

Depois eu cresci e nossa relação ganhou estabilidade. Fizeste um filme chamado Terra estrangeira, do Walter Salles e da Daniela Thomas, e quando você mandou “Vapor barato”, a capela e chorando, naquela estrada, na fronteira de Portugal, tomei a decisão que me faz agora escrever este texto.

Também quero fazer filmes em preto e branco, também quero fazer a Nina d’A gaivota, também quero trabalhar com Domingos Oliveira e Aderbal Freire Filho, também quero... ser você. Nossa diferença de idade não é grande – dez anos – mas quando eu tinha 20 e você, 30, parecia que eu nunca chegaria lá.

Chegar lá é um conceito relativo – atualmente acho chegar na minha casa o suprassumo da felicidade – mas pra uma jovem atriz a tua trajetória era mais do que um norte. Kuarup, A marvada carne, Eu sei que vou te amar, Vani d’Os normais, A casa dos budas ditosos (pulei os Geralds por problemas com fumaça...). E além da versatilidade você também era inteligente e tinha humor, ou seja, você fazendo você também era uma personagem incrível.

E aí começaste a escrever. Meio de leve, se dizendo influenciada pelo convívio com João Ubaldo Ribeiro, você apareceu com uma coluna em um jornal e toda vez que eu lia me dava um misto de contentamento e raiva. Como assim ela ainda é boa de texto? Nem repetir palavra você repetia. Filha da mãe. E assim você foi indo embora sendo boa em tudo e lançou até um romance, Fim, em que os protagonistas eram homens (quer dizer, nem pegada egotrip você tinha, que ódio!).

 O caminho

E, de repente, por causa de uma crônica sobre o feminismo no blog #agoraequesaoelas você passou a ser considerada a mulher mais machista do país. Nós não somos amigas, mas, como eu sou boa de relação unilateral com gente que admiro, venho aqui ser mais uma voz nessa gritaria. Olha, Fernanda, acho mesmo que você não pensou muito quando escreveu que achava legais os assovios dirigidos à sua babá Irene. Mas pra mim você segue sendo o norte de sempre.

Primeiro que você pediu desculpas (e não tem prêmio em Cannes que seja mais lindo que isso); segundo, que a gente ainda é machista, racista e preconceituoso mesmo sem se dar conta, e admitir é o caminho mais rápido pra deixar de ser; e terceiro que a discussão é mais do que pertinente, ou seja, qualquer barulho é bem-vindo.

Porque os números do feminicídio no Brasil são mais do que assustadores. A cada hora e meia, uma mulher no Brasil morre vítima de violência doméstica. A lei Maria da Penha, de 2006, em um primeiro momento fez baixar o número de óbitos, que voltou a subir. Então, no mínimo, apanhaste por uma boa causa.

Mas eu não vim aqui falar de política. Eu vim pra dizer que fiquei sua amiga sem que você soubesse. E que continuo, de mãos dadas, esperando o Tony Ramos nos fazer feliz.

Créditos

Imagem principal: Renata Miwa

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