Sexo e política nos quadrinhos de Thaïs Gualberto

por Gabriela Borges

Aos 30, a paraibana assumiu a vaga deixada pelo cartunista Angeli em um dos jornais mais importantes do Brasil

Dificilmente vemos uma quadrinista publicando regularmente na página de tirinhas de um grande jornal. Em maio deste ano, aos 30, a paraibana Thaïs Gualberto ganhou um espaço diário na Folha de S.Paulo, ocupando a vaga que por mais de 30 anos foi de Angeli. Um marco simbólico, em sua vida e na produção brasileira de HQs.

Enquanto estava na casa dos 20 e poucos anos, ela ainda se sentia “meio adolescente, com vontades e sonhos”. Agora, “vê mais a necessidade de realizar o que esperava da vida”.

Por meio de sua personagem desbocada, Olga, a Sexóloga, criada em 2009, Thaïs hoje expressa a uma multidão formada por muito mais que os 5 mil seguidores que tem no Facebook a sua visão de mundo. Um olhar que começou a construir na infância. “Me considero feminista desde muito nova, minha mãe é feminista e passou isso para mim”. Filha de professores, ela também conheceu cedo outros elementos que nutriram o seu gosto pela arte. “Nossa casa sempre teve obras nas paredes, muitos livros e meu pai gostava de fotografar”. Agora é a vez de Thaïs ver a filha, Marina, de 8 anos, aprender pelo exemplo. “Tem época em que passa tarde inteira desenhando”.

Como é falar sobre feminismo e sexo do ponto de vista da mulher num jornal como a Folha de S. Paulo? Qual a importância disso? É enorme, o feminismo está em evidência atualmente, mas ocupa poucos espaços como a Folha, que é um veículo com o público enorme e totalmente diverso. E falar sobre sexo do ponto de vista da mulher é algo que até pouco tempo atrás praticamente não existia. Não era bem visto (talvez ainda não seja, mas já melhorou um bocado) o fato de uma mulher falar sobre isso e se presumia que nós não gostamos de sexo. A intenção da Olga é mostrar que mulher gosta sim, mas a falta de comunicação entre casais heterossexuais acaba tendo como consequência relações em que apenas o homem sente prazer.

LEIA TAMBÉM: Visibilidade lésbica nos quadrinhos

Você acha simbólico você ter assumido o espaço do Angeli, que é um cartunista homem consagrado? É engraçado que esse convite tenha vindo justamente para ficar na vaga deixada pelo Angeli, porque a Olga, principalmente no início, sofreu comparações com a Rê Bordosa e a Mara Tara. Sem dúvida vejo como uma grande conquista, como mulher e como nordestina, ocupar esse lugar.

Como foi a reação do público até agora? Você recebeu críticas? É tudo muito recente, a resposta do público ainda é discreta, a maioria das pessoas que me fazem qualquer comentário são os amigos que já acompanhavam as tiras da Olga antes. Mas hoje mesmo recebi uma mensagem de uma leitora fazendo um comentário sobre a tira do dia, que foi uma das mais escrachadas que fiz pro jornal.

Ocupar esse espaço ajuda na representatividade das quadrinistas e da mulher em geral por meio dos quadrinhos? Olga é uma personagem pouco tradicional e quebra com o imaginário comum da mulher quadrinista e personagem de HQ. Não criei nenhuma grande novidade, mas acredito que para a maior parte do público será algo novo, que pode ajudar a diminuir o preconceito com a produção feminina de quadrinhos e também mostrar mais uma possibilidade de personagem mulher que não se adequa aos esteriótipos. O foco principal da personagem, o que dá nome às tiras, é o sexo, mas eu não poderia me ater apenas a isso. Então, o feminismo e a política continuarão sendo constantes, além de outros temas que estou começando a abordar, como a intolerância religiosa.

LEIA TAMBÉM: 10 quadrinhos feitos por mulheres que você tem que ler

Como aconteceu o convite para publicar na Folha? Publiquei o livro com a coletânea de tiras da Olga em novembro do ano passado e uma amiga da minha mãe enviou um exemplar para a filha, Fernanda Giuletti, que trabalha no jornal. Quando o Angeli anunciou que não iria mais fazer tiras diárias, pediram fossem apresentados alguns nomes de quadrinistas para preencher a vaga e o livrinho estava nas mãos certas na hora certa. 

Você sempre leu a página de tiras dos jornais? Se sentia representada? Eu acompanhava muitos dos quadrinistas que publicam na Folha e vários estão entre os meus favoritos. Nós podemos dizer que já tínhamos a Laerte publicando no jornal, mas é uma situação particular. Quando a seção Quadrinhas foi criada na Folha, ficamos ao mesmo tempo felizes e temerosas, porque tínhamos várias mulheres publicando na segunda-feira, mas o ruim de juntar todas num espaço só é que na hora que a sessão foi cancelada, saíram todas elas. Acho que só a Alexandra Moraes ficou na Ilustríssima... Existia a vontade de publicar na Folha sim, mas não era algo que parecia nem remotamente possível. Quando me convidara, fiquei totalmente incrédula. Aliás, a ficha tá caindo até hoje!

LEIA TAMBÉM: Perrengues ilustrados da maternidade solo

Você sempre leu quadrinhos de jornal? Sempre gostei de ler tirinhas, mas não tinha o costume de ler no jornal porque a maioria deles na Paraíba ficaram sem publicar tiras praticamente a minha vida inteira. Recentemente A União voltou às tiras diárias, até publiquei lá por um tempo também, mas aí eu já estava adulta e fazia quadrinhos. Em casa eu tinha acesso principalmente a Mafalda e Peanuts, acho que posso dizer que os trabalhos do Quino e do Schulz de certa forma acabaram influenciando sim o meu trabalho, principalmente a Mafalda, com aquela vontade constante de querer mudar o mundo.

Vai lá: facebook.com/kisuki.me

fechar