por Hermés Galvão
Tpm #135

Da sacana Valdirene, Tatá Werneck não tem nada. Apenas a mania de não se levar a sério

A atriz carioca de 30 anos fez teatro cabeça, arrancou risadas de todo o Brasil com seu humor nonsense na MTV e agora, quem diria, é estrela da novela das nove. Mas, da sacana Valdirene, Tatá Werneck não tem nada. Apenas a mania de não se levar a sério

Passava das oito da noite e ela estava no ar desde as sete da manhã. Chegaria da gravação de Amor à vida, a atual novela global das nove, atrasada, exausta, sem graça, sem saco, sem tempo para comer, para namorar, enfim, para viver. Mas apareceu na hora marcada, ainda maquiada e, surpresa, no estado de espírito de quem parecia ter voltado das férias, e não do Projac. “Só TPM me tira do sério, quando sou capaz de cometer pequenos delitos.”

Existe uma leveza em Tatá Werneck que contagia tanto quanto seu humor desgarrado, mais subversivo que televisivo. Apesar de a emissora lhe arrancar o couro, ela, a carne nova do pedaço, não reclama do cansaço ou da falta de tempo para cuidar da rotina de ordem íntima – falando nisso, ela acaba de voltar com o engenheiro Felipe Gutnik, com quem está há sete anos. Está feliz com o namorado, com o sucesso, com a fama, com o pacote completo. Gramou para chegar onde está; já vendeu maquiagem para pagar conta e – isso, sim, uma dureza – fez teatro cabeça a preços populares. Sem contar uma passagem-relâmpago pelo programa da Xuxa, revelada pelo amigo jornalista Alvaro Leme: “Ela era repórter mirim. A Marlene Mattos avisou que ela não poderia em hipótese nenhuma perguntar determinada coisa para a Xuxa. Mas ela foi lá e perguntou justamente essa coisa. Foi demitida”.

A comediante que hoje sacode o entediante horário nobre é divertida na vida real, veja só. Ri quando fala,

fala o que pensa, pensa rápido. “Ela é uma pessoa difícil de conseguir manter uma conversa séria o tempo inteiro. Mesmo para colocar uma foto no Instagram ela faz graça”, diz Alvaro. Antiestrela em ascensão, sem fixação por viver na ficção, Tatá parece não orbitar no mesmo planeta dos habitantes regulares da Globo. Quando chegou na empresa, recorreu ao colo da amiga Ingrid Guimarães, com quem contracenou na franquia De pernas para o ar 2. “Como ela veio de um mundo muito alternativo, me ligava para falar desde o contrato até a maneira como lidar com as pessoas. Nos conhecemos há pouco tempo, mas a considero minha irmãzinha já”, Ingrid se derrama.

Tatá é normal, até demais; poderia ser uma amiga de faculdade, a prima que não mora na sua cidade, a namorada do seu irmão. Talvez ainda seja tudo aquilo que era antes de ficar famosa, mesmo porque não parece levar a personagem pra cama – com a sacana e gulosa Valdirene, papel que faz dela a revelação mais popular do momento, não tem nada em comum, além da “inteligência pura”. E da mania de não se levar a sério.

Definitivamente, não é uma atriz convencional – mas, como quase todas as outras, cuida da alimentação com obsessão. Só que, diferentemente delas, quando come é por prazer e diversão, não por obrigação. Mignon, de pouco mais de 1,60 metro e talvez uns 50 quilos, no máximo, não vê carne desde a adolescência (“A última vez que comi, ouvi o boi falando pra mim: ‘Tatá, por que fazes isso?’) e, muito antes de inventarem a dieta do nada pode, ela já era livre de glúten e lactose por influência involuntária da mãe, alérgica. “A verdade é que não como porra nenhuma, mas não sou escrota, não! Sou maneira, juro! Não levanto bandeira de nada.” Do pouco que sobra, do que é imoral e engorda, tudo entra no cardápio de Tatá: peixe, salada, “uma maldita barra de cereal sabor limão na qual sou viciada, como 13 por dia” e açúcar. “Como doce pra caramba, sem culpa. E sou do tipo gulosa, que olha pro prato da pessoa ao lado e fica puta, pensando que a comida dela é mais foda que a minha”, conta. “Já comi um quilo num bufê, não tenho medo de engordar. Meu medo é ficar amarga.”

 

"Já comi um quilo num bufê, não tenho medo de engordar. Meu medo é ficar amarga"

 

Louca dos gatos

A carioca de 30 anos recém-comemorados, que aos 3 disse à mãe que queria atuar quando crescesse (“Tenho isso gravado em vídeo”), veio do teatro. Aos 9, fez a primeira das 17 peças de uma carreira que nasceu no Rio e amadureceu em São Paulo, para onde se mudou em 2010, quando passou num teste da MTV, e ficou até janeiro passado. “Foi tudo tão de repente que fui embora sem apagar a luz de casa”, brinca. “Morei em tanto flat que fiquei amiga de todos os porteiros.” Estreou na emissora em 2010 e começou a bombar por conta do Comédia MTV, no qual encenava, ao lado de Marcelo Adnet e Dani Calabresa, esquetes das mais absurdas. No programa, deu vida a loucas varridas, como a pseudointelectual Roxanne, a ensimesmada Fernandona e a Dra. Werneck, uma psicóloga que, como a minha, e talvez a sua, veio ao mundo mais para confundir do que para resolver. “Era tudo pensado na última hora, a gente fazia na raça mesmo”, lembra. Mas a cultura do improviso veio de antes, desde os tempos de coxia e quase anonimato, lá por 2007, 2008, quando rodou o Brasil com o espetáculo Quinta categoria. O texto vinha na hora. “A gente pedia um tema na plateia e fazia a peça, cada dia era de um jeito.”

Tatá levou para o estúdio o dom do repentismo, da comédia imediata, surpreendente, surreal e escrachada. “A Globo me deixa livre para atuar. Achei que teria que cavar uma coisa ou outra, mas nem precisei. Não me sinto presa em nenhum momento, o que seria um problema, porque sou bem anárquica.” Contratada em janeiro, o futuro de Tatá já começou. Assim que acabar a novela, entra em cena para filmar seis longas, entre eles Loucas para casar, com Ingrid Guimarães, e Os homens são de Marte e é para lá que eu vou, com Monica Martelli. Ainda este ano, em novembro, estreia o humorístico Sem análise, no Multishow, em que vai viver personagens com diferentes tipos de neurose. No cardápio, uma cartomante mentirosa, uma publicitária megalomaníaca, uma babá louca e uma professora com déficit de atenção.

Nem todo tempo é de comédia para Tatá, nascida Talita Werneck Arguelhes. Filha de mãe escritora, é super-religiosa (usa anel e colar com imagem de Nossa Senhora), “dona de uma fé inabalável”. Medita todos os dias, viaja para retiros espirituais, é voluntária de um programa de apoio a crianças soropositivas na África (“Quase fui para lá antes de ser chamada para a MTV”) e ajuda entidades que cuidam de animais abandonados. Já adotou 22 gatos, que hoje vivem num espaço comprado por ela, o qual futuramente ela pretende transformar em instituição. Em casa tem três, todos de rua, e ainda mandou para a mãe outros dois. “Só pego os mais ferradinhos.”

 

"Sempre esperam de mim uma gracinha, até quando estou no hospital"

 

No teatro também foi a sério. Foi criação dela o grupo Os Inclusos e os Sisos – Teatro de Mobilização pela Diversidade, o primeiro no Brasil a fazer uma peça totalmente acessível para pessoas com todos os tipo de deficiência, em 2004. “Tudo que eu sempre plantei agora eu venho colhendo, aos poucos. Atuei debaixo de sol de 40 graus, fiz filme, teatro, as propostas vieram, os caras gatos começaram a olhar... Brincadeira!” Tatá volta a fazer graça, mas sua piada nunca é pronta, vem quando menos se imagina – quer dizer, mais ou menos. “Sempre esperam de mim uma gracinha, até quando estou no hospital. Queria um dia chegar de blazer e fazer a séria, mas não rola.” Não rola porque até ela ri dela mesma.

Créditos

Imagem principal: Jorge Bispo

fechar