por Renata Leão
Tpm #116

Mais velha e ocupada, a atriz fala sobre crescimento e transformação

Mais velha, com alguns quilos a mais. E bem mais ocupada. O que para muitas mulheres poderia ser a visão do inferno, para Taís Araújo tem sido sinônimo de crescimento e transformação

O roteiro da vida de Taís Araújo parece ter sido escrito para qualquer um gostar. A atriz, que tem dez novelas, seis longas e sete peças de teatro no currículo, veio de uma família simples e foi criada no Méier, subúrbio do Rio. Foi a primeira protagonista negra do horário nobre da TV brasileira e, sem levantar bandeira, conquistou seu espaço. Ainda adolescente, decidiu não ser escrava do secador e assumir o cabelo crespo. É casada com outro batalhador, o baiano Lázaro Ramos, um dos artistas mais reconhecidos de sua geração. Mas vale prestar atenção em cada uma das cenas dessa história, já que os detalhes fogem do lugar-comum.

Na tarde em que conversou com a reportagem da Tpm, a alguns dias de completar 33 anos, ela caminhou à vontade pelas ruas do Leblon, bairro onde mora há dez anos. Cumprimentou o porteiro de um prédio, o guardador de carros da rua e os funcionários do café escolhido para o encontro. Todos pedem para ver fotos do João Vicente, então com 5 meses, seu filho com Lázaro. Ela mostra. Exibe a cria na tela de seu smartphone. “Tenho que me controlar para não falar somente desse assunto”, inicia a conversa. “Confesso que é difícil, porque estou absolutamente imersa, amamentando, mas vamos lá.”

Desde que João Vicente nasceu, em junho passado, é a primeira vez que ela sai do casulo. Além de topar esta entrevista, resolveu se dar de presente um curso na Casa do Saber. O tema, que sempre a instigou, foi fundamental nessa decisão: a cultura da felicidade. “Ninguém é feliz o tempo todo, não se pode ser. Eu, mesmo radiante com a maternidade, tive muita aflição e muito medo desde que tive bebê”, conta. “Medo de não saber o que fazer com tanto amor, medo de não conseguir trabalhar como antes, medo da violência, enfim, uma lista de medos.” De autoria da antropóloga Mirian Goldenberg – que há mais de duas décadas estuda o comportamento feminino –, a oficina tratou de temas como expectativas, fidelidade, padrões de beleza. “Entre os 37 alunos, Taís era uma das mais entusiasmadas. Estava ali absolutamente presente. Queria entender a si mesma, a mulher, o mundo”, relata Mirian.

Taís é chegada num curso. Adora uma apostila, uma sala de aula, professores em geral. Filha do economista Ademir e da pedagoga Mercedes, ela começou a frequentar a escola aos 5 anos. A mãe achava que a filha, até então, devia só brincar. Deu efeito contrário: a menina acabou criando desejo pelo ambiente escolar. Durante a infância, estudou num colégio tradicional no Méier, o Metropolitano. Foi lá que, pela primeira vez, percebeu que algumas pessoas a tratavam diferente. Não esquece o dia em que um colega perguntou se era a patroa de sua mãe que pagava a mensalidade. “Comecei a ver que os únicos que pareciam comigo eram aqueles que limpavam o chão, que serviam.” Em sua casa, racismo nunca foi tema. E a questão da cor jamais sublinhada. A avó paterna, austríaca, convivia muito com a família. Taís diz que essa variação de tons de pele nunca chamou sua atenção.

Gente fina

Aos 8 anos, se mudou com a família para a Barra da Tijuca. Taís e sua irmã, seis anos mais velha, foram para uma nova escola. “O choque foi maior. Não havia discriminação declarada, mas ninguém queria namorar comigo.” Única negra da escola, era ela quem carregava a bandeira em datas comemorativas. “Acho que tomaram essa decisão para que me admirassem”, explica.

“Ninguém é feliz o tempo todo. Mesmo radiante com a maternidade, tive muita aflição e muito medo desde que tive bebê. Medo de não saber o que fazer com tanto amor, de não conseguir trabalhar como antes, medo da violência” 

“A Taís é gente fina, mas não dá pra ficar com ela, né?”, ouviu de um amigo, com uns 14 anos. Mais uma vez, entendeu o recado. Sem melindrar, resolveu ser de fato gente fina e amiga de todo mundo. Pegação, nem pensar. Teve de viajar 1.120 quilômetros para dar seu primeiro beijo, numa viagem a Porto Seguro. “Imagina alguém ter que ir pra Bahia beijar na boca...”, diverte-se. Nessa época, passou a ser chamada de metida, adjetivo que traduzia uma espécie de defesa: “Ou me posicionava, ou me massacravam”.

Taís ainda não fazia ideia de que era bonita. “Como é que você vai se achar linda se ninguém te diz isso?”, indaga ela, que, na época, fazia aulas de interpretação no teatro de Lona, na Barra, e achava que ia ser diplomata, porque tinha facilidade com línguas. Bem resolvida com seus cachos, costumava cuidar do cabelo num salão de Copacabana. Um dia ouviu da dona do lugar: “Você quer ser modelo?”. “Eu não!”, respondeu. A pergunta foi feita por Monique Evans, a proprietária. “Olhei para aquela menina toda tímida e pirei. Cabelo na cintura, cacheado, natural. Era a Barbie pretinha, magricelinha, toda certinha”, lembra Monique, que, na ocasião, ofereceu para Taís uma sessão de fotos com book de presente.

Dependesse dela ou da família, o book ficaria empoeirando em alguma estante. Mas Monique o levou para uma agência e a menina logo recebeu um telefonema com a primeira proposta de trabalho. “Olha, tenho 13 anos, preciso estudar e minha mãe não está. Você liga mais tarde?”, respondeu. Sob os cuidados de dona Mercedes, começou a carreira de modelo fotográfico. O que mais se lembra de ter feito foram as campanhas da extinta loja de departamentos Mesbla. Sua primeira aparição na TV foi em um filme publicitário, Chocolate com guaraná, que atraiu o olhar de muita gente.

“Aí mudou, né?”, conta ela, lembrando que os meninos começaram a achá-la interessante. “Mas mudou mesmo quando fiz a capa de uma Capricho.” Já com 15 anos – teve festa de debutante na boate Mikonos, ícone da geração 90’s no Rio – começou a trabalhar na TV Manchete, em sua primeira novela, Tocaia Grande, em 1995. “Eu tinha horários, não dava pra ficar indo em matinê.” Paula Lima, amiga de Taís desde os 2 anos, hoje executiva de uma multinacional, lembra dessa transformação de menina para mulherão: “Brincamos de boneca até 12 anos, e a Taís era despachada, zero vaidosa. Enquanto as meninas queriam ser modelo, o negócio dela era andar de patins. De repente, foi ficando linda, com aquele cabelão.”

Protagonista precoce

No ano seguinte, 1996, veio Xica da Silva. Ainda na Manchete, trabalhou sob direção de Walter Avancini, de quem guarda lembranças de gratidão e de conflito. Desde que topou encarnar a personagem, ela e a família sabiam que haveria um apelo sensual. Mas não esperavam que sua foto saísse nos jornais, em anúncios com o slogan: “Faltam 12 dias para ela completar 18 anos”. A campanha durou um mês, em contagem regressiva. No dia de seu aniversário, uma imagem de Taís nua, tirada de um frame da novela, foi divulgada. “A coisa mais cruel que já vivi. Até hoje tenho dificuldade em mostrar meu corpo.” Ao mesmo tempo em que fala com lágrima nos olhos, admite que Avancini foi um grande mestre. “Esse cara me ensinou a ter respeito pela minha profissão. A chegar na cena com texto decorado, em horário pontual, uma disciplina militar. Ele foi meu carrasco e meu grande professor.”

“Passei muito tempo refletindo sobre que tipo de atriz queria ser. A experiência forte que vivi em Xica da Silva me fez prestar muita atenção em cada escolha, para não cair na facilidade de virar mais uma atriz gostosona” 

Na época dessa confusão, Avancini, que era diretor de teledramaturgia da Manchete, fez sua defesa nos jornais: “Seria ingênuo pensar que uma mulher negra, no garimpo, atraísse o homem mais rico do momento sem passar pela cama”, declarou à Folha de S.Paulo em 1996, quando a atriz se recusou a gravar uma cena de sexo anal. “Taís se negou a fazer uma Xica sensual, porque queria se mostrar para a Globo. Preferiu ser uma ‘Maria Chiquinha’ a ser uma Xica da Silva. Ela tem talento, mas na Globo vai ser coadjuvante”. Walter, que morreu em 2001 aos 66 anos em decorrência de um câncer, fez outras críticas ferrenhas à atriz, então com 17 anos.

Um ano depois, a atriz estreou em Anjo Mau, seu primeiro trabalho na Globo. Desde então contratada da emissora, fez novelas como Uga uga (2000), Da cor do pecado (2004), América (2005), Cobras & lagartos (2006) e participações em séries como A grande família. Em 2009, ganhou seu papel de maior destaque, a primeira Helena negra de Manoel Carlos, em Viver a vida. “Passei muito tempo fazendo papéis secundários e refletindo sobre que tipo de atriz queria ser. A experiência forte que vivi em Xica da Silva me fez prestar atenção em cada escolha, para não cair na facilidade de virar mais uma atriz gostosona”, conta. Talvez por causa desse episódio, Taís tenha se tornado exigente, como conta Aracy Balabanian, que se tornou próxima da atriz depois de trabalharem em Da cor do pecado. “Vemos a vida da mesma maneira. Assim como eu, ela tem um respeito profundo pela profissão. Diferente de muita gente da geração dela, que vive a vida com certo desleixo, Taís valoriza coisas como amizade e família.”

Em 2006, Taís teve seu momento apresentadora de TV no SuperBonita, do GNT. Deu tão certo, que ela ficou à frente do programa por mais de três anos. No cinema, que adora e quer fazer mais, destaque para a Elza Soares que interpretou em Garrincha, estrela solitária (2003, direção de Milton Alencar) e A guerra dos Rocha (2008, de Jorge Fernando). No meio de tudo isso, ela ainda fez faculdade. Nada de diplomacia, mas jornalismo. “Adoro escrever”, explica.

O mestre e o carrasco

Desde o fim de Viver a vida, ela não voltou à TV. Decidiu engravidar e ficar exclusivamente com o bebê por pelo menos seis meses, embora admita que tenha sentido certo pânico com essa decisão: “No começo pirei, achei que não iam me chamar para trabalho nenhum. Depois percebi que era loucura e relaxei”. Com 5 quilos a mais e amamentando o pequeno João Vicente, ela volta ao trabalho no comecinho de 2012. “Vai ser o momento certo, com pessoas que sabem que preciso de tempo com meu filho”, pensa. “E quer saber? Nem pretendo perder peso, estou me achando mais bonita assim.” A nova novela das sete terá direção geral de Denise Saraceni e deve se chamar Marias do lar. “Taís será uma das protagonistas e tenho certeza de que vai emprestar à personagem a garra que lhe é característica. Ainda mais agora, com essa força maternal tão latente”, afirma Denise. “Gosto de trabalhar em ambientes de alegria e a Taís é um ser solar, que só acrescenta à equipe. Uma profissional que poderia ter parado na beleza, mas foi além.”

Fora a vontade de fazer mais cinema e de ganhar novos desafios como atriz, a grande empreitada de Taís é da pele pra dentro. “Impulsiva”, “passional”, ela quer agir com mais tranquilidade. “Para o meu trabalho é ótimo que eu seja emotiva, mas na vida minha meta tem sido olhar para os problemas sem meter os pés pelas mãos.” A terapia, que faz há cinco anos, ajuda. Antes do divã, sentia-se em permanente estado de êxtase. “Era imaturidade. Hoje sou uma pessoa menos extasiada, mais triste até. Mais verdadeira.” 

“Somos pessoas muito diferentes querendo caminhar juntas. Ele [o Lázaro] é um homem com quem passaria a vida. Mas vida perfeita não existe, casamento é dia a dia, um eterno aprendizado”

Verdadeira mesmo Taís parece ser quando fala de Lázaro. Juntos há sete anos, tiveram uma interrupção de meses no caminho. “Somos pessoas muito diferentes querendo caminhar juntas. Ele é um homem com quem passaria a vida. Mas vida perfeita não existe, casamento é dia a dia, um eterno aprendizado”, diz, encerrando o papo depois de alguns telefonemas do marido com pedidos de socorro. “Calma, amor, ele não vai morrer de fome”, brada, sem jeito de mãe de primeira viagem – e com o tato de uma mulher que sabe para onde quer ir.

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