Sobre o valor da virgindade

por Diana Corso
Tpm #89

O anel de pureza tenta dizer que sexo equivale a amor e vice-versa. Santa ingenuidade!

 

Começou timidamente entre os jovens religiosos americanos na década de 90, o movimento chamava-se True Love Waits (o amor verdadeiro espera) ou simplesmente TLW. Trocando em miúdos, significa não somente permanecer virgem até o casamento, como ainda proclamar isso aos quatro ventos utilizando um “anel da pureza” com essa inscrição. Hoje, o acessório é popular entre meninas e rapazes por ser capitaneado por ídolos infantojuvenis como Hanna Montana e os Jonas Brothers, que fizeram furor em recente passagem pelo Brasil. Na minha época de estudante secundarista, virgindade era um desafio, um fardo, para muitas uma vergonha. Já a geração da minha mãe vivia sob o jugo da hipocrisia: era uma época de falsos prematuros, pois a moça casava grávida e não admitia isso publicamente. Pareceria que a virgindade enquanto valor estava enterrada.

O que esses jovens dizem com seu gesto é que estariam sentindo que a iniciação sexual se tornou compulsiva. As meninas querem achar o príncipe, casar-se com ele para depois manter relações. Diga-se de passagem, muito poucas das portadoras do anel chegam de fato até o altar sem ter experimentado alguns ou todos os fogos do sexo. Quanto aos moços, não serão arrastados ao bordel pelo pai ou titio para livrá-los da vergonhosa virgindade. A inexperiência é ponto negativo para ambos: qual é a vantagem de fazer uma escolha amorosa sem conhecer um ao outro e, principalmente, sem conhecer-se? Na prática, os tais anéis podem ser vistos até como sinal de certa rebeldia, pois os adolescentes querem decidir sem as patrulhas pró nem contra sua “pureza”. Mas que pureza é essa? Na verdade trata-se da glamorização de uma inibição sexual.

O hábito faz o monge
No início do movimento, os adeptos do TLW também utilizavam anéis com a inscrição “a ti Senhor”. Os jovens fãs desses ídolos não dedicam seu celibato a Deus, eles apenas usam esse símbolo como forma de tornar pública sua sexualidade, às avessas. A sexualidade é assunto público desde sempre, sua visibilidade envolve temas candentes como a autenticidade biológica da filiação; os dilemas de ser masculino ou feminino, desejar e ser desejado; as memórias infantis, e incestuosas, de amores e sexo; a passividade e a atividade, alternativas que não se colocam apenas para os homossexuais; e a lista poderia seguir, muito, adiante. O anel de pureza é também uma forma de tentar simplificar essa questão: sexo equivaleria a amor, e vice-versa, e não se fala mais nisso. Santa ingenuidade!

Dedicar ao senhor uma abstinência é hábito que faz os monges e monjas, seu celibato é sagrado. Para esses moços, o mais próximo da divindade são os ídolos populares, eles habitam lugares venerados: Disney, Hollywood e... o castelo de Caras.

*Diana Corso, 48, é psicanalista. Vive em Por­to Alegre, tem duas filhas,­­­­­­ escreve quin­ze­nal­mente no jor­nal Zero Hora e é coautora do livro Fadas no Divã. Seu e-mail: dia­namcorso@gmail.com

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