por Fernando Luna
Tpm #164

A vida como ela é não obedece arco dramático nem segue a jornada do herói. É apenas uma sequência absurda e imprevisível

Gosto de viajar de avião pelo mesmíssimo motivo que faz tanta gente ter medo de voar: controle. Ou melhor, a absoluta falta de controle.

Sentado ali na minha poltrona, longe da cabine de comando e do manche, flutuo à mercê do comandante. Se a aeronave sobe ou desce, mantém ou desvia da rota, acelera ou reduz a velocidade, não tenho nada com isso. Na melhor das hipóteses, escolho se quero frango ou massa.

Esta edição da Tpm é justamente sobre a ausência de controle – também conhecida como vida.

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Contra essa imprevisibilidade, gurus e manuais de autoajuda orbitam sempre a mesma ideia. Insistem numa espécie de brevê existencial, frequentemente resumido na frase mágica “não seja um passageiro da sua vida, seja o piloto”.
Infelizmente, o único lugar em que isso eventualmente funciona é na ficção. Na ficção barata, para ser mais exato. Daí o consumo excessivo de Sessão da tarde e romances açucarados fazer mal à saúde mental – a gente acaba se convencendo de que a vida segue regrinhas simples demais.

Mas a vida como ela é não obedece arco dramático nem segue a jornada do herói. É apenas uma sequência absurda e imprevisível, brutalmente definida como “uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada”.

Como significar nada é duro de engolir, cada um se vira como pode para dar algum sentido ao acaso – que a gente prefere chamar de “tinha que ser assim”, o álibi perfeito do mundo. Olhando para trás, inventamos uma grande narrativa pessoal, numa tentativa de dar um mínimo de razão à vida vivida.

Essa grande narrativa tem mais a ver com autoengano do que com realidade.

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É exatamente sobre isso o poema mais conhecido da língua inglesa – e curiosamente pouco traduzido por aqui. Talvez porque seu autor tenha dito que poesia é aquilo que se perde na tradução.

“The Road Not Taken”, de Robert Frost, vira “O caminho recusado” na versão de Jorge Wanderley. Fala de uma pessoa que se depara com uma bifurcação no meio do caminho.

As duas trilhas parecem idênticas (“Seria o mesmo, imaginei eu, se preferisse o caminho oposto”). Ela escolhe ao acaso uma delas e segue em frente. Sabe que não tem volta, que “estrada puxa estrada”. Sabe, principalmente, que dali a muitos anos vai dar um jeito de contar de outra maneira essa história. De uma maneira que dê algum sentido à sua vida: “Eu quis o [caminho] que mais raro pareceu – e isso fez toda diferença”.

Só que não.

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