Vozes pelo aborto

por Bruna Bittencourt

Site americano Shout Your Abortion publica depoimentos de mulheres sobre seus abortos para combater o estigma do procedimento e defender o direito à escolha

Diana engravidou há 25 anos, quando estava prestes a ir à faculdade. Ela não planejava ter um filho. E não teve. "Tive a sorte de morar no estado de Nova York e 1973 foi o primeiro ano que o aborto tornou-se legal." Jordan também realizou o procedimento anos atrás: "Naquela época, não sabia o que fazer comigo mesma, estava em um relacionamento tóxico, infeliz e sem dinheiro". Carmela fez um aborto aos 21 anos e outro dois anos depois: "Hoje tenho dois filhos e posso cuidar deles porque os tive quando estava pronta". Esses e outras centenas de depoimentos foram publicados em vídeos ou em relatos escritos no site Shout Your Abortion, projeto norte-americano que tem como objetivo romper o silêncio e o preconceito que cerca o aborto. "Discutia sempre sobre direitos reprodutivos com mulheres à minha volta, mas raramente falávamos sobre nossas experiências com o aborto", lembra Amelia Bonow, criadora do SYA, à Tpm. "Percebi que quando me referia à minha história, elas eram recíprocas. E tínhamos então uma conversa sobre o quão estranho era ninguém falar sobre suas experiências, mesmo quando não se envergonhavam delas. Comecei a achar que o meu silêncio era uma forma de cumplicidade."

Em setembro de 2015, motivada pela votação na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos para retirar fundos do Paternidade Planejada – a organização é a maior provedora de cuidados de saúde reprodutiva nos Estados Unidos, faz campanhas educativas, distribui anticoncepcionais e realiza abortos (o procedimento foi legalizado no país em 1973) –, Amelia decidiu escrever no Facebook a respeito de seu aborto. "Contei que não estava envergonhada, arrependida e que sentia que o movimento  anti-escolha dependia fortemente do silêncio das mulheres que fizeram abortos." Amelia também enviou o relato a Lindy West, escritora feminista com um grande número de seguidores no Twitter. Lindy, por sua vez, postou o depoimento em sua rede social acompanhado da hashtag #ShoutYourAbortion, que viralizou rapidamente e milhares de mulheres começaram a compartilhar suas histórias.

LEIA TAMBÉM: Enfim o Brasil vai discutir o direito amplo ao aborto

Desde então, a hashtag foi usada mais de 300 mil vezes, o site Shout Your Abortion publicou centenas de relatos de mulheres sobre seus abortos e a repercussão pautou a mídia – desde jornais impressos, caso de The Guardian e New York Times, até redes de TV como BBC e Al Jazeera. Houve eventos e ações do SYA em todos os estados dos EUA, lembra Amelia: "As pessoas começaram a criar uma congregação em torno dessa ideia de 'sair do armário' da mesma forma que ocorreu na comunidade gay".

Como esperado (e recorrente) quando o tema é aborto, as reações não foram apenas favoráveis. "No começo, era alarmante. Mas nunca cogitei parar porque o movimento estava tendo um impacto muito positivo. A razão pela qual o SYA precisa existir é que muitas mulheres foram aterrorizadas e se calaram, mas a essência da organização é a rejeição ao silêncio", explica a fundadora do site.

Amelia lembra que uma em cada três mulheres nos EUA fizeram abortos e que cerca de 70% dos americanos apoiam o direito à escolha. "O aborto é normal e ajuda milhões de mulheres a viver melhor", afirma. "As pessoas realizam o procedimento por diferentes motivos e reagem de todas as formas à decisão. Mas cerca de 95% das mulheres que fizeram aborto dizem que sua primeira sensação foi de alívio."

LEIA TAMBÉM: Debora Diniz é articulou ações que colocaram o aborto na agenda do STF

Segunda ela acredita, o movimento contra o direito à escolha deixa de fazer sentido se a questão for abordada e humanizada entre as pessoas que pensam não conhecer alguém que fez o procedimento. "O estigma é a chave para tirar o direito ao aborto e garantir que as mulheres permaneçam em silêncio." 

No momento atual, em que o governo Trump acaba de assinar uma ordem executiva que corta o financiamento do governo a ONGs internacionais que realizam abortos, Amelia defende a ideia de usar a voz como uma forma de resistência. "Você não pode exigir justiça para uma população invisível."

Créditos

Imagem principal: Brady Hall

fechar