Retomando a vida após uma viagem longa

por Gaía Passarelli

Nada é menos estimulante do que desembarcar de um avião numa segunda-feira de manhã e ir direto pro escritório

Nunca perguntei, mas tenho quase certeza que voltar para casa após uma viagem longa não é fácil nem para o Paul Theroux. Enquanto as insistentes lembranças da estrada atropelam o pensamento, a irritação com coisas banais afasta a vontade de retomar a rotina. Por mais que você conte com a paciência de seu par, que educadamente finge interesse quando você conta pela sexta vez sobre algum prato exótico, voltar para casa é maçante. Mas é preciso encarar a superação e você nem precisa fazer o tipo miserável. Quer ver?

O lugar do outro. Seu par não parece muito a fim do seu plano de investir o dinheiro suado num par de passagens para algum lugar asiático de nome impossível? Relaxe. Sua viagem deve ter sido incrível, a vontade de voltar e repartir momentos com o/a significant other é genuína, mas o que parece uma ideia factível pra você agora, pode não ser bem assim. O distanciamento muitas vezes joga uma luz sensata nas coisas. Dê um tempo.

A palavra chave é rotina. Ajuda a organizar o tempo, cumprir metas e basicamente a saber o que você tem para fazer a cada manhã. Se você é freelancer, ou está sem trabalho, ou não tem uma rotina fixa por qualquer motivo, invente uma.

"Viajo porque preciso, volto porque te amo". Todo mundo viaja por um motivo, então imagino que quando está em casa a sua vida não tenha o mesmo mistério/empolgação de quando está pegando carona numa estrada na Indonésia (se estou errada, parabéns). O segredo para não morrer de tédio e frustração é perceber o que faz sua vida feliz. Pra muita gente é a família. Pode ser seu grupo de amigos, um trabalho gratificante, a viver na cidade que você ama. Se essa resposta não vem de imediato, tudo bem. Mas lembra de procurar.

Descomprima. Sabe quando o mergulhador vai voltar para a superfície e tem que fazer isso aos poucos para não explodir? A sensação de voltar viagem, especialmente quando foi longa, é parecida. Pensa: uma viagem de avião significa entrar numa grande lata de metal num lado do mundo e sair em outro, cruzando timezones num tipo de limbo, muitas vezes sob efeito de soníferos e bebida alcoólica (ou sou só eu?). Claro que é graças a essa maravilha moderna que podemos viajar tanto e para tantos destinos, mas é pouco natural e cobra um preço alto. Tente pelo menos planejar seu retorno uns dias antes de voltar ao trabalho. Nada é menos estimulante do que desembarcar de um avião numa segunda-feira de manhã e ir direto pro escritório.

Escreva. Talvez nem devesse estar falando isso aqui. Já há conselhos o suficiente sobre escrever sobre viagens na internet. Mas mesmo que você não tenha ambições enquanto escritor, escrever ajuda a fixar, compreender e digerir memórias. Tente, nem que seja num caderno que depois você vai esquecer numa gaveta. Talvez você se surpreenda no futuro.

Organize suas fotos e faça um slide show para seus amigos e família OPA!, na verdade isso é uma má ideia, ninguém gosta de ver fotos das viagens dos outros. A não ser, claro, que você seja um fotógrafo excepcionalmente talentoso ou esteja cercado de gente incrível que vai genuinamente curtir esse momento com você. Se for esse o caso, seja feliz: você realmente tem um motivo para voltar para casa!

E por fim...

Não espere uma mudança radical. Você é a mudança que quer ver no mundo, tal e tal, mas não é porque passou uma temporada fora que vai encontrar tudo transformado. A primeira viagem longa que fiz na vida (um mês na Europa com um grupo de adolescentes brasileiras, eu tinha 16 anos e estava entre as mais velhas da turma) aconteceu exatamente quando o Plano Real estava entrando em vigor no Brasil. Quando cheguei no país a inflação estava controlada, a moeda tinha outro nome e a passagem de ônibus custava R$1. Claro que essa é uma experiência fora da curva e o normal é voltar para casa e encontrar tudo rigidamente igual, inclusive as coisas que já não te faziam muito feliz, tipo congestionamento na 23 de Maio. Mas as coisas que você gosta também estão ali – o pão quentinho da padaria, o jornaleiro que dá bom dia, o jeito que o sol bate na janela quando chega o fim da tarde, um gato aninhando ao seu lado quando você vai matar as saudades da sua cama.

Se nem isso te animar, sei lá, tente comer chocolate. Diz que tem uma substância que faz a gente feliz. Ou considere realmente passar um ano usando banheiros estranhos num eterno tráfego de aviões, trens, tuk-tuks e afins. Às vezes a gente precisa ir longe para encontrar uma razão para voltar.

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