Por que ainda vivemos loucas para casar?

Renata Leão
Ana Maria Peres

por Renata Leão
Ana Maria Peres
Tpm #44

Perguntamos a uma psicoterapeuta e a uma antropóloga: afinal, por que a gente é assim?

Tpm. Até que ponto o desejo de casar é natural?
Denise Gomes*. Os espaços públicos estão preparados para receber famílias. A própria família cobra: você está namorando? Sempre haverá um jogo entre a vontade do indivíduo e a expectativa dos outros. Não há como medir quanto essa influência externa determina o desejo da mulher.

Tpm. É possível ser feliz sozinha?
Denise. Sim, mas a gente precisa desconstruir nossos ideais. O grande desafio de hoje pra ser feliz é lidar com as diferenças. É poder se abrir para o diferente. Não o diferente que mora no outro, mas o diferente que mora dentro da gente – os diferentes desejos. É preciso acessar dentro da gente vozes que estão caladas. É ali que mora a esperança de ser feliz.

Tpm. Por que a mulher brasileira, mesmo a mais moderna, ainda faz questão de casar?
Miriam Goldberg*. Porque o Brasil não é tão moderno quanto a gente pensa. Em países como a Alemanha e a França, a opção de não querer casar é culturalmente aceita. No Brasil, por mais moderninha, a mulher se sente desvalorizada se não tiver um homem ao lado.

Tpm. Isso depende de educação e classe social?
Miriam. É cultural. Na cultura brasileira o valor da mulher é dado pelo fato de ela ser esposa e mãe. A mulher é mais valorizada quando tem um supernamorado ou um supermarido. Vivemos em uma cultura que diz, às vezes nas entrelinhas, que a mulher solteira é uma fracassada.

Tpm. Liberdade e segurança são conceitos que não se misturam?
Miriam. Sim. A mulher sente falta de cumplicidade e de companheirismo, mas quer mais liberdade e individualidade. Falta de sensibilidade e de segurança convivem com a falta de dinheiro e de confiança. Que homem pode suprir todas essas demandas femininas? Segundo o IBGE, o número de mulheres que pede o divórcio é bem maior que o de homens. As mulheres vivem insatisfeitas. 

Tpm. De onde vem a síndrome do príncipe encantado moderno?
Miriam. Homens foram socializados com futebol e jogos competitivos. As brasileiras foram socializadas, antes, com novelas e romances, e, agora, com Sex and The City. Foram criadas para acreditar em contos de fadas. Por isso querem homens que não usem pochete e saibam quem foi [Antonio] Gramsci.

Tpm. É possível romper com esse padrão?
Miriam. É difícil. Tudo conspira para que as mulheres cresçam achando que seu valor está no homem que as acompanha, e que esse homem tem que ser superior, uma espécie de troféu. As mulheres têm de parar de querer ter ao lado Chicos Buarques para serem exibidos.


Tpm. Tá faltando homem na praça?
Miriam. Essa história é tão clichê quanto aquele papo de que a mulher independente assusta. E quem cria esses clichês são as mulheres. As mulheres foram criadas para serem chatas e reclamonas. É cultural. A mulher precisa parar de se preocupar com o olhar do outro. Essa era a grande qualidade, por exemplo, de uma Leila Diniz. O problema é que, até hoje, a mulher brasileira não sabe ser Leila Diniz.

 

* DENISE GOMES, 39, é psicoterapeuta individual e familiar, doutora em psicologia social e autora do livro Mitos Familiares: memória e ocultação. MIRIAM GOLDBERG, 48, é doutora em antropologia social, é autora, entre outros, de De Perto Ninguém é Normal e Os Novos Desejos

 

Non-stop emotion

O estado de solteirice é propício para a gente fazer um estudo sobre a diversidade de emoções que os outros nos suscitam

por Antonia Pellegrino

Aos 25, estar solteira não é um entreato do amor, mas uma maravilha. Espécie de carnaval fora de época em que não existe o último beijo, o último gole, o último grito. É não ser responsável e ter que responder por isso, non-stop emotion, living la vida loca. Não sei se sob outras condições eu seria tão categórica ao dizer: sim, estou solteira e feliz. Quem se ajoelha no altar do amor, dele não se levanta com facilidade. O amor é um deus exigente e vaidoso, cada flechada do cupido vale o vício sublime de amar e a sentença do exclusivismo. E o melhor de ser solteira é não louvar um só deus.

Para o coração vagabundo do solteiro amor é moda, é passageiro, é consumista. Breve, sem promessas de eternidade. O sexo é sexo. Seja com desenvolvimento de trama, “e aí”, sexo com narrativa. Ou seja grátis e por hoje, fútil, feito sob encomenda para quem deseja se casar num outro cartório, trocar alianças com o trabalho. 

Se você der sorte, aquele momento em que todos a elogiam, momento este em que você encarna Vênus de frente, acontece enquanto você estiver solteira. Espécie de boom econômico, do dia pra noite você administra inúmeros gatinhos. Aproveite, isso é uma fase – ninguém tem saúde para manter o tom arêrê tão lá em cima.

Se você tiver disciplina, saberá reverter a energia ora dispensada num relacionamento em cultivo de si, em capitais próprios e inalienáveis, necessários à construção do que há de mais fascinante em qualquer pessoa: um universo.

Estar solteira é uma fase, um estado. Um estudo da diversidade de emoções que os outros te suscitam. A boa solteira faz uma vanguarda de si mesma. Experimenta-se. E, nesse processo de descobertas, paradoxalmente, torna-se mais afinada ao próprio desejo de amor. De alguma forma, estar solteira é um treino para a maratona do amor... Que virá. Amor é vício, ninguém aguenta longas jornadas em falta, dá crise de abstinência.

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