(Poli)Amor, monogamia e outros

por Laura Pires

Desaprendendo as relações amorosas

Meus maiores ganhos nesses quase três anos de mestrado foram pessoais, não acadêmicos. Quando me propus a desenvolver uma pesquisa sobre os discursos de amor romântico, não esperava desconstruir em mim mesma tantas crenças que eu tinha sobre amor e relações amorosas. Havia uma série de coisas nas quais eu já acreditava em teoria, mas alegava que, na prática, não funcionariam. Percebi, com o tempo que isso também é um discurso que repetimos como maneira de refutar meios de viver diferentes daqueles aos quais já estamos acostumados.

Fechar minhas leituras com a Regina Navarro Lins (que nem escreve livros acadêmicos, mas me permiti citar, visto que ela se baseia em pesquisas aprofundadas sobre o assunto) e seguir sua página no Facebook foi extremamente produtivo para as minhas reflexões, especialmente a respeito da sexualidade. Ela defende — e eu concordo — que uma relação amorosa deve respeitar a individualidade do outro. A parte polêmica é que ela inclui a sexualidade como parte dessa individualidade. Ou seja, para ela, não deve ter importância alguma se ou com quem as pessoas com quem nos relacionamos se relacionam também. Ela coloca apenas duas questões: “Me sinto gostada? Me sinto desejada?” e, se a resposta for sim para as duas perguntas, tanto faz o que a outra pessoa faz no tempo livre dela, quando não está comigo. É simplesmente algo que não me diz respeito.

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Eu já acreditava nessas ideias em um plano teórico, mas achava algo muito complicado na prática — e, de fato, não é fácil se desvencilhar do que aprendemos sobre possessividade, exclusividade, ciúme, entre tantos outros fatores em relações amorosas. O que eu não entendia sobre essa liberdade que ela defende é que a premissa é completamente outra em comparação com a relação do amor romântico. Enquanto as relações monogâmicas baseadas em um amor romântico se pautam em sentimentos mágicos, inexplicáveis, e na ideia da união de dois seres, para todos os sentidos e fins, as relações chamadas livres se pautam em amizade. E isso muda tudo.

Existe, no senso comum, uma separação entre amor e amizade (“é namoro ou amizade?”). Costumamos tratar nossos amigos de maneira muito menos possessiva do que tratamos nossos namorados e, mesmo quando sentimos ciúme de amigos, é bastante comum nós mesmos nos repreendermos ou, pelo menos, não fazemos o alarde que é socialmente aceito em relações amorosas. Além disso, é também amplamente aceito que, após o fim das relações amorosas, o casal perca totalmente o contato ou passe a se odiar, sem se preocupar com a manutenção da amizade entre os dois. Uma vez, fiz uma enquete no Facebook sobre como cada um lidava com seus ex e a opção mais votada foi algo nas linhas de “quero mais que morra”. Imagino que, para chegar a esse ponto, algumas coisas bem terríveis devam ter acontecido, mas não deixa de ser curioso que isso seja um discurso tão comum quando se fala de relações amorosas e nem tanto quando se fala de relações de amizade.

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Uma relação de amizade se baseia em gostar da pessoa, respeitá-la e querer passar tempo com ela. Me parece, nos discursos tradicionais sobre relações amorosas, que estas se baseiam em possuir a outra pessoa para si. E acabamos transformando essa pessoa em um coringa para tudo. Aquele aniversário chato da madrinha ao qual nem nós estamos a fim de ir, a festa da empresa, o filme ruim? Carregamos o namorado. E ai dele se ousar dizer que não quer ir, que tem outro compromisso, que marcou algo com os amigos. Sinceramente, isso não me soa muito saudável. E prefiro que uma pessoa me acompanhe em determinados eventos quando ela tem vontade de fazer isso, quando ela faz por mim, de bom grado, e não porque se sente obrigada, cumprindo seu papel. O que eu quero dizer aqui é que não há um papel a se cumprir. Tudo aquilo que acreditamos sobre amor e relações amorosas é um comportamento aprendido e, por esse exato motivo, pode ser mudado. Então, cada casal é capaz de negociar os termos da própria relação. E acho realmente importante refletir sobre se o que fazemos e buscamos é de fato crucial para nós ou se é só algo que nos acostumamos a acreditar que devemos almejar e, talvez, nem seja tão satisfatório assim.

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Sendo assim, voltando para a monogamia, acredito, hoje em dia, que ela seja apenas uma escolha que muitas pessoas fazem, e não algo que deva ser pressuposto em uma relação amorosa, como se fosse a melhor forma de se relacionar com alguém. Talvez não seja. Especialmente se a pessoa sente vontade de estar com outras também (sendo “também” a palavra-chave aqui). Será que é mesmo melhor repreender desejos e vontades para nos dedicarmos exclusivamente a uma relação só, que deve preencher todas as lacunas que queremos preencher em nossas vidas? É razoável depositar tanta expectativa em uma pessoa só? E, se nos sentimos bem em uma relação, faz mesmo diferença se a outra pessoa é sexualmente exclusiva? Eu, pessoalmente, tenho tendência à monogamia, por pura dificuldade de me interessar por mais de uma pessoa (ou até coisa) ao mesmo tempo, mas, depois de tudo que estudei nesses anos, não me sinto no direito de exigir de ninguém esse mesmo comportamento. Somos indivíduos e nos engajamos nas mais variadas práticas em nossas vidas, e nos divertimos e aprendemos com elas. Quem sou eu para privar os outros de fazerem o que têm vontade — especialmente se os amo.

Créditos

Imagem principal: Beatriz Leite

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