Meninas superpoderosas

por Lia Hama

Por meio do Plano de menina, adolescentes da periferia têm aulas de autoestima, liderança e empreendedorismo com nomes como a ex-consulesa Alexandra Loras e a empresária Eliane Dias

Nascida numa família humilde num cortiço no bairro paulistano da Freguesia do Ó, a jornalista Viviane Duarte (na foto no alto) foi incentivada desde cedo pela mãe a bolar planos para obter o que deseja. “Com 13 anos, eu queria ir ao show do Skid Row, no Hollywood Rock. Minha mãe falou: 'Ótimo. Qual é o seu plano? Quantos bolos você precisa vender pra comprar os ingressos?' Vendi e vi o meu ídolo da adolescência, Sebastian Bach. O mesmo acontecia quando eu queria comprar um tênis ou fazer um curso: a gente bolava um plano e fazia acontecer.”

De plano em plano, Viviane tornou-se parte da primeira geração de sua família a ter diploma universitário e foi subindo na hierarquia das empresas onde trabalhou nas áreas de marketing e comunicação corporativa. Hoje, aos 38 anos, a jornalista está à frente da Plano feminino, consultoria especializada em estratégias de marketing voltadas para mulheres. Entre seus clientes estão marcas como Unilever, Fiat, Marisa e Santander. Em parceria com a agência F.BIZ, ela foi a responsável por criar a campanha “Caçadoras de beleza”, para o xampu Seda, na qual mulheres reais de todo o Brasil falam sobre sua relação com a beleza, e “Mulheres Brilhantes”, para o sabão Brilhante, que mostra histórias de mulheres inspiradoras.

Girl power
Para ajudar outras garotas a realizarem seus planos, Viviane lançou, em fevereiro de 2016, o Plano de menina, projeto social de sua empresa voltado para “empoderar” meninas de periferia de 13 a 18 anos. Durante um ano, aos sábados, um grupo de 20 mentoras e parceiras do projeto deu aulas gratuitas de autoestima, empreendedorismo, liderança, finanças e vida digital para adolescentes do Capão Redondo e do Grajaú, zona sul. Entre as mentoras estão: Alexandra Loras, ex-consulesa da França em São Paulo; Eliane Dias, empresária do grupo Racionais MC's; e Camila Costa, CEO da ID, agência de marketing digital. A formatura da primeira turma de 50 garotas (de 150 que passaram pelo projeto) aconteceu em janeiro deste ano, no teatro da Faculdade Cásper Líbero, na avenida Paulista.

“Toda menina tem direito a ter um plano. Ter uma meta é o primeiro passo para que elas se tornem protagonistas de suas histórias”
Viviane Duarte

Viviane conta que muitas dessas garotas eram “nem-nem” (nem trabalha nem estuda), tinham baixa autoestima e nenhum plano para o futuro. “Muitas crescem num ambiente tóxico, que faz com que elas pensem não ter direito a nada. São pais, tios ou vizinhos que falam: 'não adianta sonhar, isso não é pra gente'. Só que toda menina tem direito a ter um plano. Ter uma meta é o primeiro passo para que elas se tornem protagonistas de suas histórias.”

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Vanessa Rocha, 19 anos, era “nem-nem” quando começou a participar do Plano de menina e mudou a visão sobre si mesma. “Me achava feia, chorava por causa do cabelo pixaim e das espinhas. No curso, a aula de autoestima mexeu comigo. Percebi que tinha que me aceitar como eu sou porque ninguém faria isso por mim. Deixei de alisar o cabelo e passei a gostar de mim assim”, conta a garota moradora do Capão Redondo. Vanessa começou a trabalhar como atendente num restaurante do shopping Ibirapuera, em Moema, e pretende prestar vestibular para pedagogia. Sua colega de curso, Marina Luz, 18 anos, sonha em ser nutricionista. “Me formei no ensino médio e comecei a trabalhar no McDonald's. Meu objetivo é juntar dinheiro para pagar a faculdade.”

Rede de apoio
Tanto Viviane como Alexandra Loras, embaixadora do projeto, destacam a importância de ter uma rede de apoio para prosperar. “Na minha trajetória, já fui chamada de burra e de macaca por causa da minha cor. Mas também tive apoio de pessoas que acreditaram em mim e me ajudaram a desafiar a ideia de que uma negra da periferia não poderia entrar numa escola de elite como a Sciences Po, o Instituto de Estudos Políticos de Paris, onde boa parte dos presidentes da França estudaram. Eu consegui e virei a melhor aluna da turma. Hoje quero ajudar outras meninas da periferia a realizarem seus sonhos”, conta a ex-consulesa, que se tornou uma referência no debate sobre igualdade racial e empoderamento da mulher negra no Brasil.

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A ideia do Plano de menina é criar pontes entre meninas da periferia e mulheres inspiradoras das mais diversas áreas, como jornalismo, direito, publicidade e arquitetura. “Podemos, por exemplo, levar uma arquiteta para ensinar a fazer um currículo, se apresentar e se mostrar motivada numa entrevista de trabalho. Essa profissional também pode acionar sua rede de relações para que essa menina consiga um estágio. A ideia é ajudá-las a ingressar num mundo que parece inacessível a elas”, explica Alexandra.

Este ano, além do Capão Redondo e do Grajaú, o projeto será levado para Pirituba, Brasilândia e para a Cohab da Rodovia Raposo Tavares. Numa parceria com o LinkedIn, as meninas vão aprender a fazer as páginas delas na rede social de negócios e receber dicas de como disputar vagas. Carol Sandler, do blog Finanças Femininas, vai ensinar a cuidar do dinheiro. Duzentas garotas estão inscritas para fazer parte da segunda turma, cujas aulas começam no início de março.

Vai lá: planofeminino.com.br/plano-de-menina

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