Planeje: dá pra envelhecer viajando

por Gaía Passarelli

”Não é como ’largar seu emprego cretino e descobrir o mundo’, é mais como realizar o sonho que você trabalhou para merecer. É grandioso”

Uma vez, numa viagem pra São Francisco, me vi sem grana e sem onde dormir. Sem cartão de crédito nas mãos (o que nos EUA equivale a estar morto), a primeira coisa que pensei foi “vou prum hostel”. Daí, me deparei com uma situação inédita: hostels que têm limite de idade. 35 anos, no caso. Eu tinha 37. 

Bom, existe um motivo pros hostels originais se chamarem “albergues da juventude”. Historicamente, esse tipo de hospedagem, super comum e muito usada na Europa, existia para atender jovens (e duros) viajantes. Então, na teoria, não há nada de errado com o fato de não um, mas vários hostels não aceitarem seu dinheiro ou presença porque você está muito velha/o pra eles.

Isso até acontecer com você numa noite onde você não tem onde dormir, claro. Como quase tudo o mais no mundo, a indústria do turismo é dominada por uma ideia de juventude. Coloca “travel blogger” na busca do Google Images ou do Instagram pra você ver: é só galera. Na real, foi até difícil encontrar uma imagem adequada pra ilustrar essa coluna, porque nos bancos de imagem “travel” + “woman” só tem foto de gatinha. Acabei escolhendo uma foto de divulgação da escritora irlandesa Dervla Murphy (falei dela nesse post: seis escritoras de viagem para você conhecer).

Dervla é uma excelente escolha, porque quebra todas as ideias sobre mulheres viajantes. Entre outras coisas, ela cruzou a Europa até o Afeganistão de bicicleta nos anos 1960, teve uma filha que levou no colo para conhecer o mundo e escreveu mais de 20 livros. Mas, talvez, o mais importante seja sua resistência: ela nunca parou de viajar, nem de escrever. Dervla não seria aceita no hostel em São Francisco. Azar deles. 

Na minha última viagem sozinha, que foi pro México em dezembro passado, fiquei num hostel sem limites de idade. Meu quarto era ótimo e tava tudo certo, mas escolhi mal e era um hostel do tipo que tem balada de noite. Durante o café da manhã, na sala-cozinha comunitária, o cenário era a juventude de ressaca largada nos sofás assistindo a MTV local e fofocando sobre a noite passada. Então, a cada manhã eu ignorava o barulho, fazia meu chocolate quente e minhas quesadillas, e sentava num canto pra comer e planejar meu dia.

Numa manhã sentei do lado de um senhorzinho de chapéu pescador e mochila de trilha, com uma cara cansada. Conversadeira que sou, puxei assunto — o básico de viagem, tipo “de onde onde está vindo, pra onde vai depois, já esteve na Conchichina” etc. Ele estava vindo do Alaska e ia até Ushuaia. Por terra. Já estava na estrada há oito meses. “E quanto tempo vai levar?” “Não sei,” respondeu com um sorriso. “Mas não importa muito. Meus filhos estão criados, tenho dinheiro guardado pra emergência e sou viúvo. Posso ficar viajando quanto tempo quiser.” 

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Lembra quando você tinha 20 anos e olhava alguém de 40 e pensava “noooossa, que velho”? Então, uma hora você tem 40 quarenta anos e, tirando a dor no joelho, não é tão diferente assim.

O que a gente precisa falar sobre envelhecer é que você deixa de se importar tanto com coisas que não importam, tipo opinião a alheia em relação a como você se veste ou quem você namora. Não significa que toda mulher alcança os quarenta anos plena, segura, maravilhosa e desenvolvida espiritualmente — isso é a utopia da super-mulher e já superamos esse assunto. Mas significa que a gente abre mais espaço na vida para as coisas que importam, como nossas relações com os outros (filhos, família, amigos), com o mundo, com nós mesmos.

Alcançar uma velhice saudável e plena permite que você realize sonhos, como o senhor no hostel no México. A velhice dele (que tinha 65) permitiu que encarasse essa travessia monumental sem se preocupar com mais nada além da viagem. Claro que pra isso ele planejou, guardou dinheiro e entrou em forma.

Não é como “largar seu emprego cretino e descobrir o mundo” (já escrevi sobre esse clichê), é mais como realizar o sonho que você trabalhou para merecer. É grandioso.

Ele estava cansado, feliz e orgulhoso, e eu tomei meu chocolate quente ouvindo histórias e pensando que privilégio envelhecer assim. Ah, sobre São Francisco: no final acabou dando tudo certo, é claro. Ou mais ou menos. Eu passei dois dias num pulgueiro em North Beach e peguei uma doença de pele. Tem essa história no “Mas Você Vai Sozinha?”, meu livro de crônicas de viagem lançado em 2016.

Créditos

Imagem principal: Mike Baird / Flickr Creative Commons

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