Pelo direito de ter filhos!

por Lygia da Veiga Pereira

Depois da pílula anticoncepcional dos anos 1960, que nos deu o controle de não ter filhos quando não queremos, o congelamento de óvulos seria a libertação das mulheres do século 21

Se tem uma coisa que invejo nos homens é a sua capacidade de ter filhos depois dos 50, 60, 70, 80 anos até (agora então com o Viagra…)! Freud que me desculpe, não tem nada a ver com "a inveja do pênis" – a inveja é desse poder de recomeçar, de ter várias vidas em uma só, dessa fonte da juventude que é ter filhos pequenos! Que injustiça nós mulheres fecharmos a fábrica depois dos 50 (antes até, para muitas)… Simplesmente paramos de produzir óvulos.

Esse limite da capacidade reprodutiva gera uma ansiedade grande nas mulheres – temos sempre aquele tal relógio biológico andando, às vezes correndo, sem tolerância para os vários acidentes de percurso que acontecem em nossas vidas: a decisão de investir na carreira antes da família; a demora em encontrar alguém com que queremos ter filhos; a construção de uma nova família depois dos 40; uma doença; e por aí vai.

Pois muito bem, outro dia almoçando com cientistas, um colega americano disse todo orgulhoso que tinha descoberto o presente de formatura perfeito para sua filha que estava terminando a universidade: ia dar a ela o congelamento de seus óvulos! Segundo ele, isso seria uma espécie de carta de alforria, dando a ela a liberdade de fazer suas escolhas profissionais, sem se preocupar com a questão da fertilidade: esta estaria congelada para quando ela decidisse iniciar uma família.

Confesso que minha primeira reação foi de incômodo, acho até que fiquei chocada. Que excesso de controle, que falta de romantismo! Depois a racionalidade achou uma brecha entre a onda de emoção: ora, não seria a forma perfeita de darmos um "pause" no maldito relógio biológico? Depois da pílula anticoncepcional dos anos 1960, que nos deu o controle de não ter filhos quando não queremos, o congelamento de óvulos seria a libertação das mulheres do século 21 – agora teremos filhos quando quisermos!

Filosofias à parte, o congelamento de óvulos já é uma realidade médica? Vejam, há muitos anos conseguimos congelar embriões, que mais tarde quando descongelados podem virar um bebê. Mas para congelar um embrião, é preciso já se ter o "pai" – e nós não queremos ter que decidir quem este vai ser às pressas, a ideia era ter autonomia para escolher sem pressão. Queremos congelar óvulos.

Os óvulos não fecundados são células muito grandes, complexas, delicadas, e por isso, muito difíceis de serem congeladas sem perturbarmos sua estrutura. Assim, usando as técnicas convencionais de congelamento de embriões, o congelamento de óvulos era muito ineficiente: a chance de o óvulo descongelado dar origem a um bebê era mínima. Mesmo assim, o procedimento ainda valia a pena para um grupo especial de mulheres: aquelas que seriam submetidas a algum tratamento anti-cancer que fosse destruir seus ovários… Nesses casos, as pacientes congelavam seus óvulos antes do tratamento, pois a chance mínima do óvulo ser viável era ainda muito maior do que a infertilidade total que teriam após o tratamento.

Nos últimos 5 anos foi desenvolvida uma técnica especial, chamada de vitrificação, que permite que os óvulos sejam congelados sem que se formem cristais de gelo dentro dele, e assim mantendo sua estrutura intacta. Essa técnica permite que até 95% dos óvulos sobrevivam ao congelamento/descongelamento! OK, mas óvulo congelado produz bebê normal?

Dados de mais de 2000 bebês nascidos de óvulos congelados dizem que sim. Além disso, alguns estudos em que foram comparadas as eficiências de fertilização e gravidez utilizando-se óvulos frescos versus congelados concluem que o congelamento não diminui o sucesso de nenhum desses processos.

As aplicações dessa técnica são muitas, além da preservação da fertilidade em pacientes com câncer e pelas razões sociais que discutimos, e incluem até a criação de bancos de óvulos congelados para serem doados a mulheres estéreis, da mesma forma que é feito com bancos de esperma. Além disso, a capacidade de se congelar óvulos pode também dar mais opções para casais que se submetem à fertilização in vitro. Por exemplo, aquelas mulheres que produzem um número grande demais de óvulos, em vez de fertilizar todos e depois ter que congelar os embriões excedentes (o que perturba alguns casais – ter que decidir mais tarde o que fazer com os "filhos" congelados…), podem usar somente alguns óvulos para a fertilização e guardar os excedentes, congelados, para fertilizar numa próxima tentativa, se for o caso.

É importante ressaltar que os dados que temos até agora sobre o sucesso da Vitrificação de óvulos foram obtidos principalmente a partir de óvulos de mulheres jovens – sejam as pacientes com câncer, ou jovens doadoras de óvulos. Atualmente, a maioria que procura o serviço de congelamento de óvulos tem mais de 38 anos, e não podemos garantir que a técnica vá funcionar da mesma forma em seus óvulos mais envelhecidos.

Mesmo assim, a capacidade de prolongarmos a fertilidade feminina com o congelamento de óvulos diminui um pouco a minha inveja dos homens eternamente férteis – também poderemos ser mães por muitos anos!

Alto lá! Conceber um bebê é uma coisa. Ser mãe é outra bem mais complexa! Teremos fôlego (físico e emocional) para (re)começar esta aventura longuíssima depois dos 50?!

Para mais informações, vejam "Oocyte vitrification: a watershed in ART", Fertility and Sterility, vol. 98, 2012.

http://dx.doi.org/10.1016/j.fertnstert.2012.07.1096

*Lygia da Veiga Pereira é uma carioca que trocou Ipanema pela Universidade de São Paulo. Professora Titular de Genética Humana e chefe do Laboratório Nacional de Células Tronco Embrionárias da USP, ela escreve para a Tpm às quintas e também no http://leiaasmeninas.com.br/.

fechar