Câncer de mama: ¡Hay que luchar!

por Bianka Vieira

No últimos 12 anos, a espanhola Martha Molera venceu o câncer de mama não uma, mas duas vezes. Imbatível, ela transformou sua história em um inspirador ensaio fotográfico

 Aos 55 anos, Martha Molera faz topless sem pudor algum. Nas praias da cidade espanhola de Sopelana, onde vive, a prática não atrairia tantos olhares se não fosse por um detalhe: Martha não tem um dos seios.

O ano era 2004 quando ela foi diagnosticada com câncer de mama pela primeira vez. Dez anos depois, quando a preocupação com a doença já não lhe tirava mais o sono, eis que um nódulo do lado esquerdo anunciava: o câncer estava de volta. Pela segunda vez, ela viu seus dias dosados pelos efeitos colaterais do tratamento agressivo ao qual teve que se submeter. Mas, Martha não tinha dúvidas: sua atitude em relação à doença seria crucial para sua sobrevivência. Já tinha sido assim antes.

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Hoje, já curada, ela ainda carrega seus fantasmas, mas se vê como uma sobrevivente. Dos idos tempos de quimioterapia, ela transforma e compartilha sua luta através de um projeto fotográfico feito para celebrar a beleza que existe apesar do câncer de mama e afirmar que sim, é possível sobreviver a essa batalha — quantas vezes for preciso. A seguir, o relato corajoso de Martha.

“Mais uma vez, eu teria que lutar. Dez anos após a minha primeira vitória contra o câncer, quando pensava já ter passado pelo pior — boom! — descobri que um novo tumor crescia em mim, agora em meu seio esquerdo. Da primeira batalha, trazia cicatrizes, uma mama a menos e alguma experiência. Ali, enquanto era diagnosticada pela segunda vez, eu já sabia de tudo o que estava por vir, embora não entendesse bem o porquê.

“O câncer pode levar minhas capacidades físicas, mas não pode tocar minha mente, meu coração, minha alma e meu amor”
Martha Molera

Não estar em território desconhecido é reconfortante, mas confesso que tive medo, talvez até mais do que da primeira vez. O médico disse que se tratava de um “triplo negativo”, um tipo de câncer mais difícil de ser controlado e com possibilidades reduzidas de tratamento. Embora não tivesse tanta certeza de que seria capaz de superar aquilo pela segunda vez, dia após dia eu me convencia de que era uma mulher forte, dura e capaz de ir muito longe. Eu precisava ser positiva para não desmoronar. O tratamento produz efeitos variados e cada sessão te traz algum sintoma; é sempre uma surpresa! Tem gente que tem náusea e vomita muito, e esse é o tipo de coisa que eu consegui controlar bem. Mesmo assim, você nunca sabe como irá reagir a cada dose. Foram 4 sessões de quimioterapia e outras 35 de radio.

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Na luta contra o câncer, nunca me importou estar mais calva, mais magra, mais gorda ou sem una tetita; o que mais valia era estar com a cabeça boa, era estar aqui. Quando fiquei careca pela primeira vez, todos queriam me obrigar a usar peruca. Chegaram até a me levar em um cabeleireiro e colocaram uma em mim. De frente para o espelho, não me reconheci, e mandei a peruca embora no dia seguinte. Dessa vez, quando meus fios de cabelo voltaram a cair, não pensei duas vezes: logo nos primeiros dias, com muito amor e ternura, meu marido me ajudou a me desfazer do que restava deles. E eu me senti linda daquele jeito. Não vou dizer que é fácil para todas as mulheres. Tive amigas que não souberam lidar com a queda do cabelo, uma delas até colocava toalhas nos espelhos de sua casa para não se ver.

Ao longo do tratamento, também deixei de sentir o sabor dos alimentos e fiquei extremamente fraca. Muitas de minhas unhas não resistiram e caíram, e até hoje não tenho nenhuma nos dedos dos pés. Tive muitas cãibras, as piores que se pode imaginar! Longas e dolorosas, me fizeram

“As cicatrizes dizem tudo. Diariamente, elas te lembram pelo que você passou e que você é uma sobrevivente!”
Martha Molera

passar algumas noites em claro. Eu, que sempre amei ir à praia para relaxar e meditar, fiquei dez meses sem pisar na areia. A primeira vez que pude remar [no stand up paddle] foi muito cansativo. Me faltavam forças nas pernas por causa das benditas cãibras e eu não aguentava ficar em pé por mais de dez minutos, mas aquilo não me fez parar. Resisti e insisti.

Durante muitas manhãs eu tinha momentos difíceis no hospital, mas à tarde encontrava alegria ao lado de minha família e amigos. Meu marido sempre esteve lá me animando, ajudando e tentando dar o melhor dele, embora eu soubesse que ele também precisava de mim: às vezes, o enfermo pensa ter carta branca pra dizer e fazer o que quiser, enquanto do outro lado tem que ter alguém sempre ali, disposto a ouvir e a fazer tudo o que ele quiser. O problema é que nos esquecemos de que essa pessoa também está passando por um momento difícil, e que também pode precisar de ajuda. Por isso digo que não me cabia estar triste ou zangada o tempo todo. Para mim, era mais importante — e não que fosse fácil — estar contente e fazer aqueles que estavam próximos a mim sorrir. Uma pessoa que faz os outros sorrirem é mais iluminada e muito mais agradável para todo mundo, não é mesmo?

Se dez anos antes eu sequer pronunciava a palavra ‘câncer’ perto de meus filhos, dessa vez me dispus a fazer diferente e falar abertamente, com total naturalidade. Sou da opinião de que é preciso falar, falar e falar, porque isso acontece com muito mais pessoas do que imaginamos. Muitas mulheres com câncer de mama têm medo e até se escondem, como se tivessem ‘a peste’ do século. É por isso que estou aqui, para que se veja e se desmistifique. Além de ter publicado fotos no meu Instagram ao longo dos seis meses de tratamento, com o ensaio fotográfico feito pelo meu amigo Mario Entero eu quero ajudar, de alguma forma, todas as mulheres que passam por isso; quero mostrar que é possível ser positiva nesse momento. A batalha é árdua, mas a vontade de viver foi mais poderosa. Me descobri mais forte do que pensava ser.

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Já faz um ano e meio que acabou e, mais uma vez, eu venci, fisicamente falando. Emocionalmente, essa luta te deixa com outros tipos de medos. Enquanto a quimio acontece, você tem como meta sobreviver até a próxima sessão. Quando acaba, você não sabe mais o que esperar. Depois do tratamento, tive e ainda tenho muito medo de voltar a ter câncer um dia. A cada revisão mensal que se passava, vinha um alívio. Hoje, sonho com uma vida longe da sombra do câncer. Depois de tudo, sei o quão preciosa a vida é e que devemos desfrutá-la ao máximo. O futuro é aqui, hoje, agora, e isso basta. ¡Hay que luchar!

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Créditos

Imagem principal: Divulgação / Mario Entero

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