O meu país das maravilhas

por Alice Autran Garcia
Tpm #89

’Daqui não saio, daqui ninguém me tira!’: Alice Autran fala porque escolheu morar no Rio

 

Quando a Tpm me chamou para ser editora convidada desta edição decidi contar um pouco da minha experiência em viver fora do Brasil e da repentina decisão de voltar. Moro ao lado da floresta da Tijuca e foi por lá, um dos lugares mais mágicos da cidade, que comecei a fotografar o meu Rio de Janeiro. Já na primeira parada encontrei uma família inteira de macacos-prego e uma jiboia de mais de 2 metros – no meio da pista. Parecia até aquele episódio dos Simpsons em que eles vêm ao Rio e dão de cara com todos os clichês típicos de gringos: mulatas sambistas, ladrões e (tchan tchaan) macacos e cobras no meio da rua. Pois é, o Rio tem essas coisas. A natureza exuberante e totalmente “in your face” é um dos grandes protagonistas da vida carioca.

Depois de morar 20 anos fora do Brasil – 13 na Europa e sete nos Estados Unidos – voltei para o Rio de Janeiro há dois anos, meio tomada pela sensação de que, por mais que rode o mundo, meu lugar é aqui. Demorei muitos anos pra assumir essa volta; sempre que vinha de férias sofria horrores na hora de retornar pra onde estivesse morando. Custava dissolver a saudade que eu tentava abafar dentro de mim, como sistema de autodefesa. Cada vez que chegava ao Rio e dava de cara com a lagoa, linda e resplandecente, meu coração se enchia de orgulho da minha cidade e voltava a cair de amores. Passear de bicicleta, encontrar conhecidos de longa data nas esquinas, ter uma referência familiar, cultural… Isso não tem preço. Estava cansada de não ser de lugar nenhum, de ser sempre uma brasileira no exterior e uma gringa no Brasil. Quem já morou fora por muito tempo sabe do que estou falando.

Europa brasileira
Adoro os Estados Unidos, mas amo a Europa: seu charme, sua história, suas ruelas e lojinhas, o comer e o beber bem. Cheguei a Madri de mala e cuia, em julho de 97, sem saber uma palavra de espanhol nem conhecer uma só pessoa. Pouco a pouco descobri a cultura, os costumes, fiz bons trabalhos e conheci pessoas interessantíssimas. São talvez o povo mais parecido com os brasileiros: gostam de tranquilidade, de comer bem, de dormir, de sair, enfim, de la buena vida. Mas, mesmo assim, faltava algo: um calor, uma gentileza, um senso de humor malicioso, uma malandragem, um certo molejo.

Não conheço outro lugar onde a informalidade seja levada com tanto esmero quanto no Rio. A cultura de praia carioca sempre me atraiu muito e, ao decidir morar aqui, quis vivenciar isso intensamente. Acho genial ter um grupo de amigos de praia que são superqueridos, que vejo toda semana, mas que não sei o que fazem, onde moram, seus nomes completos. Isso é algo que em cidades como São Paulo ou Nova York seria impensável, onde parece ter alguma importância real saber o que você faz, onde mora, quem conhece. Ou na Europa, onde um sobrenome pode definir toda a vida de uma pessoa.

Como já dizia Tom Jobim, o Brasil é uma merda, mas é uma maravilha. Essa maravilha toda está lá no miolo, no mais prosaico, no dia a dia, no convívio com as pessoas. No engarrafamento com vista para o mar, nas amizades fugazes – que com um “pinta lá” desaparecem e ninguém se chateia por isso –, nos táxis onde o motorista bate papo sobre qualquer assunto, conta as maiores intimidades e se despede com um “vai com Deus”. Em que outro lugar posso ter micos comendo caquis na minha janela enquanto meu marido faz um samba na sala?

Agora já era, daqui ninguém me tira.

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