Sobre os medos de estar sem companhia

por Gaía Passarelli

Medo de viajar sozinha: todas temos. Por quê?

No processo de divulgar meu livro recém-lançado, o Mas Você Vai Sozinha?, tenho falado muito sobre o assunto com outras mulheres. E notei três coisas sobre essa coisa de mulher viajar sozinha.

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Primeiro, é que todo mundo quer ouvir uma história cabeluda. Alguma coisa que deu errado, alguma situação de perigo. Tudo bem, faz parte da natureza humana e histórias de superação de dificuldades nos ensinam e inspiram. Mas não tenho essas histórias, pelo menos não na intensidade esperada, e não posso falar por quem tem. Quero dizer, até tenho uma (leia aqui!), só não é assim um drama cinematográfico. Mas sinto que as pessoas querem ouvir essas histórias porque querem uma comprovação física, real, cara a cara de que "olha, pode ir que vai ficar tudo bem". A mulher que viajou pela Índia sozinha e sobreviveu pra contar é um tipo de prova. Ela é útil.

A segunda coisa é que mulheres querem saber onde estão as histórias de outras mulheres viajantes. Homens são maioria na literatura e no travel writing não é diferente. Nessa coluna passada aqui na Tpm eu indiquei seis escritoras. Falta muita representatividade e variedade (o mundo das viagens é bastante classe média/hétero/branco), mas é um começo. Num mundo onde se viaja e publica como nunca antes, não acho que vai demorar para que as histórias de viajantes com outros perfis e etnias se tornem mais lidos e compartilhados.

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A terceira coisa que notei é que o medo de estar sozinha é real. A pergunta que batiza meu livro tá sempre por perto, independente de viajar ou não. A gente ouve da mãe, da amiga, do namorado. “E você vai sozinha?” deixa subentendido que sozinha (uma palavra que, loucamente, às vezes é um tipo de sinônimo errado para “sem homem") é perigoso, irresponsável, chato. Errado, enfim.

A pergunta não vem só de homens ou vovós preocupadas, não. Vem de outras mulheres também.  Semana passada teve um tópico num grupo fechado de Facebook que eu participo com uma pergunta bastante clara: vocês fazem coisas sozinhas, tipo ir pra balada, show, bar, restaurante, cinema?

É um grupo com mais de dez mil integrantes (todas mulheres) então até existe uma variedade nas respostas. Mas a vasta maioria respondeu que não vai sozinha em lugar algum por lazer. Algumas não vão sozinhas nem pro trabalho ou pra faculdade. Elas sentem medos e insegurança, tem receio do que vão pensar, o marido/namorado não deixa. A variedade de motivos para as mulheres impedirem a própria solidão é grande.

Por que essa dependência toda de estar com alguém?

Veja, eu não gosto de julgar outras mulheres. Se você detesta estar sozinha por qualquer motivo, não é meu papel vir aqui e ficar buzinando na sua orelha nem tentar diminuir quem não assume sua Cheryl Strayed interior. O problema existe quando você não se sente livre para tomar essa decisão de estar ou não sozinha. O problema é “sabe, eu até queria, mas fulano/a não gosta”. Não dá.

Outra coisa que incomoda é a insegurança generalizada. Eu sei que a vida lá fora não é um mar de rosas, mas calma aí. Viver numa cidade menos perigosa e mais justa depende muito da atitude que temos em relação a ela. E quando falamos de viajar essa desculpa também cai, porque há lugares bastante seguros por aí, onde você pode perfeitamente explorar com seus próprios pés e usando sua própria cabeça sem se preocupar com o o homicídio iminente a cada esquina – Portugal e Itália, por exemplo.

Existe mais um tipo de insegurança também, e creio que esse é o mais comum: “o que os outros vão pensar”. É a insegurança interior. A insegurança de quem se preocupa com o julgamento externo. Atinge todas nós em um aspecto ou outro da vida. Talvez você viaje tranquilamente sozinha mas não goste de ficar de biquini porque vão te achar muito isso ou aquilo. Talvez você até fique de biquini numa boa, mas tenha receio de puxar assunto com outra pessoa porque pensa que vão te julgar carente ou estranha. Talvez você fique de biquini ou viaje, mas não tenha coragem de levantar a voz naquela reunião no trabalho pra discordar de alguém ou dar uma ideia. A gente se preocupa com o julgamento do outro o tempo todo.

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Tem um episódio de Sex & the City em que a Carrie decide assumir sua solitária interior e vai jantar sozinha. Mas sozinha mesmo: ela não leva nem livro, nem caderno, nem celular (mas leva os óculos escuros e uma pashmina). E ela senta numa mesa na varanda de num restaurante chique de NY, pede uma taça de vinho e encara sua refeição sozinha. É um momento bastante bonito e realista da série e levanta essa questão: será que não dá pra trocar a neura com o que o outro vai pensar pelo que você mesma pensa? 

Créditos

Imagem principal: Cynthia del Rio via stocksnap

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