O céu é o limite

por Fernanda Paola

Conversamos com Rosa Helena Schorling, uma das primeiras paraquedistas do Brasil

Prestes a completar 90 anos de idade e quase 70 desde a primeira vez que saltou de paraquedas, Rosa Helena Schorling conversa com o site da Tpm sobre a vida nos ares, as perdas que sofreu na terra e conta como chegou tão alto

“Salte de cabeça para baixo, conte de um a dez de olhos fechados e puxe a alça do paraquedas!.” No dia 8 de novembro de 1940, durante a semana da Asa, Rosa Helena Schorling estava literalmente no céu do Rio de Janeiro. Muito antes de Simone de Beauvoir publicar O Segundo Sexo, da ONU reconhecer a igualdade de direitos entre homens e mulheres e das feministas queimarem seus sutiãs em praça pública, Rosita se tornava, segundo a própria conta, a primeira mulher brasileira a saltar de paraquedas. Não há registro oficial que confirme isso. O que não diminui seu feito. À época, o paraquedas era novidade mesmo para homens por aqui. “Tinha mais de 10 mil pessoas assistindo. Quase não havia paraquedismo no Brasil. Me senti a dona do mundo. É maravilhoso apreciar a natureza lá de cima”, lembra Rosa. Naquele ano foi criado o núcleo aéreo terrestre, que hoje é Brigada de Paraquedismo, e as aviadoras ou enfermeiras podiam fazer o curso de nove meses de paraquedismo. Rosita era as duas coisas e, claro, se jogou. O curso de enfermagem ela fez na Cruz Vermelha, “porque queria ir para a guerra, mas como eu era a única inscrita, não pude ir”, lamenta ela. O salto pioneiro de Rosita foi reflexo de uma decisão tomada oito anos antes, quando interna em um colégio em Vitória (ES) viu passar o dirigível Zeppelin sobre sua cabeça. “Fiquei entusiasmada. Queria saber se tinha gente dentro, e descobri que sim. Ali, decidi que, um dia, eu iria voar", lembra a senhora que afirma ser também a primeira aviadora do Espírito Santo e a oitava do Brasil.

Fevereiro de 2009. Rosa Helena Schorling, hoje com 89 anos – 90 em julho deste ano –, chega na Casa de Cultura da cidade capixaba de Domingos Martins pontualmente às 14 horas, horário marcado para a entrevista. A maquiagem está perfeitamente desenhada, como se espera de uma senhora vaidosa. A sombra tem a mesma tonalidade do azul dos olhos. O batom é rosa claro e os cabelos, lisos feito seda, estão penteados para trás com o uso do spray. O calor de quase 40° não parece incomodar Rosita, que veste um conjunto elegante de calça e mangas compridas. “Você tem que falar alto”, vai avisando. Ela explica que não é só a idade, mas também sequela do convívio diário e prolongado com o ronco dos motores dos aviões. “Naquela época convivia com os aviões rodando os céus e não usava proteção nem nada.”

 

 

Sereia de Copacabana

Dos 19 aos 35 anos Rosa voou. Ao contrário da maioria das moças da sua idade, ela não se interessava por tarefas domésticas ou por meninos. A filha única vivia grudada em seu pai, engenheiro mecânico que viera de Berlim anos antes. Com sua mãe, nascida em Viena, quase não passava tempo. “Foi no Colégio do Carmo que aprendi como se cozinha, como se arruma uma casa, se lava uma peça de roupa. Aprendi no colégio, não em casa. Não tinha tempo, ficava muito com meu pai”, lembra. Era 1939 quando se inscreveu no curso de piloto do Aeroclube do Brasil. Não deu um ano e ela estava conduzindo um avião sobre sua cidade natal e causando o mesmo impacto que sentiu anos antes. “Eu jogava balas e jornais do avião”, diverte-se Rosita, “uma senhora ficou doente por oito dias quando eu passei pela primeira vez aqui em cima. Ficou doente de medo. E também um menino que estava no sítio fazendo farinha, quando viu o avião gritou: ‘Vó, o mundo vai acabar!’.”

Foram mais de 15 anos vivendo no Rio de Janeiro, longe do pai e da mãe. Rosa passava quase o tempo todo no Aeroclube carioca, onde ficava de manhã até de noite, voando e conversando com os colegas. Tanto decolou, voou e pousou que, com apenas 9 horas de vôo, já havia tirado o brevê de piloto particular. Se não estava em campo, era na praia que passava seu tempo. Longe do mar. Na areia. E de biquíni duas peças. Enquanto quase todas as mulheres daquele tempo exibiam timidamente poucas partes do corpo, cobrindo o restante com aqueles maiôs enormes e de algodão, Rosita se mostrava. “Eu lancei a moda do biquíni duas peças. Se as pessoas se espantavam não sei, porque eu não dava confiança”, diz, categórica. Ela cortou um maiô peça única e costurou as duas partes. “A parte de cima era sem alça, tomara que caia”, completa Rosita, que, inclusive, foi eleita sereia de Copacabana. “Era um concurso da rádio Ipanema que elegia a mais bela da praia. Eu desfilei na areia e ganhei”, conta a leonina. Se os moços da época queriam namorar, ela não sabe, mas diz que nunca se preocupou com isso. “Pode ser que eu tenha tido muitos fãs, mas eu preferia estar saltando e voando do que namorando. E se fosse namorar com um ia fazer desavença com os outros.”

Rosita estava acostumada ao glamour, à atenção. Fazia parte de seu cotidiano, entre outras coisas, recepcionar bailes chiquérrimos frequentados pela nata carioca. Getúlio Vargas, por exemplo, era seu amigo de cafezinho e de conversas. “Ele era muito entusiasmado pela aviação, então convivíamos muito”, conta. Rosita trabalhou em dois lugares durante sua temporada carioca. No jornal A noite, como arquivista; e como relações públicas do Ministério da Aeronáutica, época em que esbanjava sua beleza pelos salões cariocas. “Meu trabalho era comparecer às festas, saber quem ia, como transcorriam, essas coisas.” Só tinha homem? “Tudo era homem. Eu era companheira de todos eles. Não sentia falta de amiga mulher. Homem é mais compreensível.”

Em janeiro de 1955 Rosita perdeu o homem mais importante de sua vida: seu pai. Ele foi assassinado em sua cidade natal, e Rosita voltou para ficar com a sua mãe. De lá, nunca mais saiu. “Meu pai tinha uma oficina de consertos. Ele consertou a arma de um determinado senhor que, quando foi receber a mercadoria, em vez de pagar, deu quatro tiros no meu pai”, conta, ressentida. Ela tinha 35 anos quando isso aconteceu, e foi tocar a vida como professora. Cinco anos depois, conheceu Raimundo, um baiano que estava de passagem pela cidade. Para ele, enfim, Rosita disse sim. Raimundo foi o primeiro e único homem de sua vida. E pai de seu único filho, que faleceu aos 5 meses de idade. Dez anos depois, foi a vez de Raimundo partir. Em 1975, sua mãe faleceu. “Dei aula até 72, quando perdi meu marido e tinha que cuidar da minha mãe. Perdi muita gente. Perdi meu pai, meu filho, meu marido, minha mãe, e então me aposentei. Fiquei abalada. E cada dia que passa eu sinto mais falta”, conta, hoje, 54 anos depois da morte de seu pai.

Rosita divide a casa com uma senhora há mais de 35 anos. Amigos, tem de monte, e todos moram há poucos quarteirões de sua casa. Ela gosta de fazer tricô, crochê, de ler. Tem uma memória de elefante, a vista é boa, só tem um pouco de deficiência auditiva. A saúde, no geral, está ótima. Tanto que ela não diz quando foi seu último salto de paraquedas. “A penúltima vez que saltei foi no dia 6 de fevereiro de 1997, em Vitória. Antes disse fazia 41 anos que eu não saltava. Mas nunca é a última vez”, finaliza, sonhadora.

O site da Tpm viajou ao Espírito Santo a convite da Secretaria de Turismo do Estado do Espírito Santo.

fechar