Pelo direito de não lacrar

por Nina Lemos

De tanto ter uma opinião para tudo, eu juro, às vezes me sinto paralisada

Enquanto escrevo este texto, me olho no espelho e lembro que preciso depilar o buço e fazer a sobrancelha. Estou acabada. Mas deixo para lá, afinal, eu tenho que escrever um texto incrível para a Tpm. O texto tem que lacrar, receber muitos likes, as pessoas precisam achar que continuo quebrando tudo, eu ainda sou foda, um mulherão da porra!

E não, pelo amor de Deus, que não me digam que sou datada, já que até o Chico Buarque, muso supremo desta revista, vocês já resolveram datar depois de ouvir uma música – vocês não tiveram paciência nem para ouvir o disco inteiro. Nem precisam. Vão lá e tombam. Quem datou com o Chico Buarque lacrou e conseguiu muitos likes. Quebrou tudo. A senhora é lacradora mesmo, hein?

De tanto ter que lacrar, ter uma opinião para tudo, eu juro, às vezes me sinto paralisada. Se o que eu tenho que fazer tem que fechar tudo, a vontade que dá é me fechar dentro do quarto e não fazer nada, apenas jogar a chave longe.

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Ai, a angústia do lacre, essa devia ser estudada como um novo fenômeno contemporâneo. Com todo meu respeito e meu amor por Valeska Popozuda e Liniker, e outros lacradores, vocês me desculpem, mas eu não consigo lacrar o tempo inteiro.

Faz muito tempo, criamos nesta revista a campanha “Imagem não é tudo”. Lanço o desafio novo e grito: lacre não é tudo! 

Olho para todas as meninas feministas, e sinto um orgulho imenso. Acho foda. Bato palmas e aprendo. Mas sou humana, demasiadamente humana. E acho que, quando temos que arrasar na foto e quebrar o Instagram, viralizar no Twitter, estar maquiada arrasadoramente, ter opinião sobre coisas que a gente não tem a mínima ideia – tipo, sei lá, a situação na Turquia –, a gente está ferrada.

Muito maravilhoso a gente se aceitar, falar não, expor quem a gente é. Mas, pelo amor de Deus, não vamos aumentar a nossa lista de obrigações (em geral com a gente mesma). E que a gente dê nossos tapas na cara da sociedade. Mas também tenha direito ao tombo. Sim, todos nós às vezes tombamos na BR. Aceite.

Créditos

Imagem principal: Uinverso - Nadiuska e Priscila Furtado

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