por Camila Alam
Tpm #140

No polêmico ’Vagina – Uma Biografia’, a pensadora convida as mulheres a olhar pra dentro

americana Naomi Wolf está acostumada a controvérsias. Desde que escreveu o best-seller O mito da beleza, em 1991, ela é amada e odiada por críticos literários e feministas ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, se tornou uma das vozes mais ativas de sua geração, seja incitando o debate em torno de questões femininas e políticas de gênero, seja criando projetos que ajudam a dar voz a jovens mulheres. Seu último livro – Vagina: uma biografia (Geração Editorial), lançado no Brasil no final de 2013 – não foge aos julgamentos. Trazendo à tona discussões sobre a sexualidade feminina baseadas em dados científicos nunca antes expostos, recebeu pesadas críticas quando foi lançado nos EUA, em 2012. No livro, Naomi incentiva mulheres de todo o mundo a olhar para dentro. “Gostaria de mostrar a elas a importância de perceber e experienciar sua sexualidade de dentro pra fora. É preciso que se vejam como sujeito, e não como objeto sexual”, disse em entrevista à Tpm.

Conexão cérebro-vagina

Aos 51 anos, divorciada e mãe e dois adolescentes, Naomi vem ao Brasil em abril, para participar da Bienal Brasil do Livro e da Leitura, em Brasília. No evento, vai falar do último lançamento, em que narra experiências pessoais que a levaram a perceber relações entre vagina e cérebro. Depois de anos em um relacionamento sem queixas sexuais, Naomi não conseguia mais atingir o orgasmo e consultou alguns médicos, entre eles um neurologista. Depois de alguns exames, descobriu que uma lesão na coluna vertebral comprimia o nervo pélvico, que termina no canal vaginal. Uma cirurgia para descomprimir o nervo trouxe o prazer de volta. A experiência a instigou a pesquisar que conexões existiriam entre o órgão sexual feminino e os neurotransmissores – e como elas estariam ligadas ao prazer, à criatividade e à felicidade da mulher.

A discussão dividiu a comunidade científica, mas também deu luz a uma outra importante questão: o quão pouco a sexualidade feminina é discutida, mesmo após a revolução sexual. Um dos estudos apresentados em Vagina mostra que mulheres do mundo vivem uma epidemia de baixo desejo sexual. “Não sabemos quais são as causas, mas meu livro é parte de um esforço para identificá-las”, diz.

Além da ciência, Naomi aborda contextos históricos e culturais sobre como a sexualidade feminina vem sendo tratada ao longo dos anos, de que maneira a pornografia pode afetar futuras gerações e como podemos aprofundar o prazer feminino. Para ela, a vagina deveria ser encarada como algo sagrado, conceito que ela resume no capítulo “A deusa” (um dos mais atacados pelos críticos, pelo teor próximo da autoajuda). “Vivemos em uma sociedade que trata a sexualidade da mulher como algo profano, degradável, inútil, que pode ser desrespeitado, violentado. Quando falo da deusa introduzo algo que não existe na nossa cultura. A noção de tratar a vagina como algo a ser respeitado”, diz.

Uma das criadoras do Woodhull Institute for Ethical Leadership, instituição que treina jovens líderes, Naomi sabe que suas posições dividem opiniões. Acredita, porém, que o bem-estar das mulheres está intimamente ligado à sexualidade e aos direitos femininos. A seguir, alguns trechos de sua conversa com a Tpm.  

Desejo em baixa

“Muitos estudos confirmam uma alta taxa de baixo desejo sexual, especialmente entre mulheres. Não sabemos quais são as causas, mas meu livro é parte de um esforço para identificá-las. Se você tem pouco desejo, ou não tem prazer na vida sexual, e culturalmente ouve ‘é normal, acostume-se’, há algo errado. Quanto mais se dá valor à satisfação sexual, mais se tem prazer.” 

Prazer e cérebro

“O que normalmente pensamos sobre desejo sexual é que ele pode ser ligado e desligado, que é só uma função. Mas novas pesquisas evidenciam que a resposta sexual da mulher é muito mais complexa. Está relacionada a níveis de stress, à maneira como são tratadas, se são admiradas, se sentem raiva etc. Existem mais formatos e estruturas do que imaginávamos – a profundidade do nervo pélvico, as conexões com o ponto G... Quando parceiros dividem essas informações, passam a ter uma vida mais prazerosa.” 

Pornografia

“Estudos mostram que as próximas gerações podem vivenciar uma epidemia de problemas sexuais. Nos homens, especificamente problemas de disfunção erétil e dificuldade de ejacular. Há uma razão física pra isso: a pornografia dessensibiliza os homens. Faz com que procurem estímulos cada vez mais extremos e violentos. Eles não têm conhecimento sobre a anatomia da mulher e sobre o que a leva ao orgasmo. Um estudo inglês diz que casais estão fazendo 20% menos sexo por mês. Acredito que isso está relacionado à pornografia.” 

A deusa

“É o assunto do livro que gerou mais controvérsia, mas insisto nisso. Vivemos numa sociedade que trata a sexualidade da mulher como algo profano, degradável, inútil, que pode ser desrespeitado, violentado. Quando falo da deusa, introduzo algo que não existe na nossa cultura: tratar a vagina como sagrada. O discurso dos últimos 2 mil anos é degradar a mulher e a vagina. Quando algo é sagrado, é respeitado.” 

Críticas

“Alguns críticos parecem ter se sentido ofendidos em saber como o cérebro influencia na sexualidade e vice-versa. É interessante: o livro foi chocante na América do Norte e na Inglaterra. Mas na Índia me senti uma rock star. Lá ainda é dito aos jovens que sexo é proibido, que eles têm de permanecer virgens até casar, abusos sexuais são constantes. Mas parece haver o começo de uma onda feminista. Já li críticos britânicos dizendo que o feminismo é uma preocupação ocidental e que as mulheres dos países em desenvolvimento têm que lidar com outros problemas. Não faz sentido. É claro que comida, abrigo e educação são preocupações que vêm antes das sexuais, mas temos necessidades básicas e a livre expressão é algo que todos querem.”

Lideranças femininas

“Se olharmos a história das mulheres e do feminismo, parece que cada geração teve que reinventar a roda, porque não existe memória institucional. Há práticas e soluções que podem ser replicadas, estratégias contra abuso sexual e outros assuntos que podem ser difundidos para que as futuras gerações não precisem descobrir tudo de novo. É importante treinar jovens líderes. Com meu instituto influenciamos jovens mulheres a ter voz ativa, a saber negociar seu salário, a fazer um plano financeiro, a ser independentes.” 

Empoderamento

“Tudo é sobre autorrespeito: não deixar que as pessoas depreciem você, proteger-se, ser livre financeiramente. E usar camisinha [risos]. Feministas não gostam de dizer isso, mas parte do sexismo que existe no mundo persiste porque as mulheres são culturalmente ensinadas e treinadas a aceitar. O primeiro passo dessa revolução é interna.”

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