Meu último dia em Buenos Aires

por Ana Manfrinatto

O Nos Ares e eu continuamos os mesmos. Só mudou o endereço!

Meu marido e eu não acordamos em casa, já que a nossa cama tinha sido vendida no dia anterior. Tomamos um mate, o colectivo 168 e chegamos no apê onde estivemos nos últimos dois anos das nossas vidas. Vazio, limpo, sol batendo na janela. Só ficou um quadrinho, copiando uma placa de rua de São Paulo. Liberdade e Paraíso. Chorei minhas últimas lágrimas, bati minhas últimas fotos e fomos à imobiliária entregar as chaves.

Feito isto, almoçamos no Tao-Tao, o mesmo restaurante chinês onde comemos no dia em que mudamos praquele apartamento e praquele então desconhecido bairro. Pedimos o de sempre, nos despedimos dos garçons e pegamos um táxi rumo ao centro. Poderíamos e chegaríamos mais rápido de metrô. Mas queríamos ver a cidade pela janela.

Destino: Hotel Castelar. Inaugurado em 1929, faz parte da história da cidade e teve como ilustríssimo hóspede Federico Garcia Lorca, quem morou no quarto 704 onde, aliás, é possível fazer uma visita guiada desde o fim do ano passado. O objetivo era usar o presente de casamento da Gisele, do Edu e da Gabi, um dia de spa.

O que caiu como uma luva porque, no meio da emoção da despedida e da adrenalina de colocar uma casa em meia-dúzia de malas, me obrigou a fazer algo que eu não fazia desde o começo do ano quando decidimos migrar para outras terras: ficar quieta. O que permitiu um consequente balanço dos meus seis anos na Argentina e um sono profundo na sauna finlandesa.

Mas como toda brincadeira tem hora pra acabar, pegamos o novo metrô da linha A (aquela cujos vagões eram de madeira, dos anos 20 e tal), tomamos mais mate, comprei umas rosquinhas de leite da padaria dos velhinhos da Sarmiento y Billinghurst, que são as melhores do mundo e tchau, hora de partir. Nada de Ezeiza ou Aeroparque, a porta de saída foi o terminal rodoviário Retiro, com fumaça de choripan e cumbia villera – ambos mais argentinos que o papa.

Via terrestre rumo a São Paulo porque dá pra levar mais bagagem e sobretudo porque assim, diferente do avião, a cabeça não viaja tão mais rápido do que o corpo. E também porque foi lindo dar um “até logo mais” para a paisagem latinoamericana pela janela do busão. Depois disso rolaram duas lindas semanas no eixo Itapevi/São Paulo, com tudo o que isso implica e, agora sim, tive que subir em um avião pra cruzar o oceano.

O Nos Ares e eu continuamos os mesmos.

Só mudou o endereço.

Agora eu escrevo de Paris porque sempre teremos Buenos Aires

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