Que futuro queremos aos nossos bebês Johnson’s?

por Mara Gabrilli

Finalmente a propaganda deu holofotes à diversidade. Falta agora o Brasil todo fazer o mesmo

Se você, assim como eu, assistiu a campanha da Johnson & Johnson para o último dia das mães, com certeza, se emocionou. A marca resolveu apostar em um bebê com deficiência. Lucca Berzins, que tem um pouco mais de um aninho, é o primeiro bebê com síndrome de Down a protagonizar um comercial em rede nacional. Algo inédito para a nossa publicidade. Algo inédito para a nossa sociedade. 

Quem é mãe de um filho com deficiência se habitua a viver de ‘nãos’. Não para a matrícula na escola regular. Não para praticar um esporte como todas as outras crianças. Não para ter direito a brincar no parquinho com todo mundo. Não para ter acesso a tratamento de reabilitação digno. Não para diagnóstico precoce. Não para ter uma cadeira de rodas do SUS. Não para lazer, cultura, educação, saúde... Simplesmente não. 

Essa mãe, que é um dos motivos do meu trabalho, não se vê (ao menos não se via) representada por nenhuma marca ou serviço - como se a deficiência de uma pessoa anulasse sua necessidade de consumir ou seu poder de consumo. Essa mãe, que enfrenta o mundo para dar dignidade ao filho que “nasceu especial” (porque as pessoas ainda acham um problema usar a palavra deficiência) vive, muitas vezes, no limbo de politicas públicas.  

Quantas mães de crianças brasileiras, que foram diagnosticadas com a microcefalia, por exemplo, passaram essa data tão simbólica sem cuidados e terapias, com filhos que não conseguem falar, caminhar ou se alimentar sem sonda? Tenho certeza de que essa mãe, ignorada pelo Governo e esquecida muitas vezes pela sociedade, sentiu um alento ao ver que seu bebê também é um bebê Johnson. Viu ali uma esperança de um futuro mais inclusivo, em que seu filho poderá crescer, se desenvolver, aprender, ensinar, amar, ser amado. Viver. 

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Aliás, durante muito tempo, as pessoas com deficiência, principalmente aquelas com comprometimento intelectual, que é o caso do Lucca, tiveram seus direitos civis ignorados quando já adultos.  Negar o direito à afetividade, ao voto, à sexualidade, entre muitos outros, ainda é uma conduta comum praticada pela Justiça no Brasil e, muitas vezes, por falta de informação, corroborada pela própria família. Um olhar que queremos mudar com a Lei Brasileira de Inclusão sendo colocada em prática no país.  

A LBI, que está em vigor há mais de um ano em todo território brasileiro, diz que o Lucca no futuro poderá casar sem necessidade de autorização judicial e ter filhos se assim desejar. Poderá votar em quem ele acredita ser o melhor ao seu país e, se for sua vontade, candidatar-se a um cargo público.  

O fato de pensar diferente, processar diferente, falar diferente, não significa que suas vontades, desejos e anseios sejam diferentes ou não mereçam ser respeitados. Nosso papel, como mães e como sociedade, não é decidir por essas crianças, que um dia serão adultas, mas sim buscar em suas expressões de vontade, as melhores decisões que podem tomar para a vida. 

Ter um bebê com síndrome de Down à frente de uma peça publicitária tão importante ainda me leva a refletir sobre outras políticas que precisam evoluir no país, como a política de cuidados. Afinal, estamos dando voz a quem não tinha e essas pessoas, felizmente, estão vivendo mais do que seus pais, mantendo a lógica natural da vida – algo que décadas atrás não ocorria. Por isso, o Brasil precisa urgente de uma política de cuidados para que essas mães e pais possam contar com um profissional que vai auxiliar seu filho quando eles não mais puderem fazer.  

Assegurar a independência e promover a autonomia de uma pessoa com deficiência é muitas vezes um ato de amor. Como alguém que perdeu o movimento de braços e pernas, posso dizer o quão grata sou a minha família por ter me dado a oportunidade de produzir e realizar. Um direito que deveria ser regra a todos nossos filhos.  

Já podemos assistir (agora em rede nacional), a inclusão da pessoa com deficiência intelectual acontecendo, mesmo que de forma incipiente. Pessoas com síndrome de Down, que há poucas décadas tinham a expectativa de vida muito curta, agora lutam para perpetuar seus direitos civis – e ainda protagonizam campanhas que dão voz às diferenças humanas. Precisamos lutar agora para que Lucca, e todos aqueles que ele representa, tenham garantidos uma vida de autonomia, respeito e felicidade.

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Créditos

Imagem principal: Divulgação Johnson & Johnson

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