Mapa na mão, ideia na cabeça

por Natália Albertoni

A jornalista Natália Albertoni fala da road trip que fez com amigas pelo sul do país

Entre sorrisos, confidências e projeções para o futuro, esboçava com minhas amigas – outras duas Natálias e uma Bárbara – a programação da última semana de férias. Destinos foram colocados na mesa, mas nenhum nos fazia salivar de curiosidade. Até que um devaneio ganhou forma em minha mente: e se fizéssemos uma road trip?

Até 1º de agosto, deveríamos estar em Balneário Camboriú para uma festa de despedida, mas o preço das passagens voava tão alto quanto os aviões que poderiam nos deixar por lá. Já a combinação do balanço do ônibus com dez longas horas na estrada não era das mais atraentes. Então por que não começar a viagem de carro alguns dias antes no maior estilo pinga-pinga? Partindo dessa forma, teríamos a facilidade de parar quando fosse conveniente, revezar o controle do volante, além de reduzir a fadiga e os gastos.

O debate sobre ir ou não durou o tempo equivalente ao que gastei elaborando a sugestão e logo foi substituído por outro, ainda mais interessante, sobre nossas possíveis paradas ao longo do caminho. Passados poucos dias, começaram os preparativos. Reunidas na sala da minha casa, deslizávamos os dedos sem pressa pela porção sul do mapa viário brasileiro em busca de lugares interessantes, entre largas mordidas em sanduíches que se pretendiam saudáveis.

Com o auxílio de uma intromissão bem-vinda, definimos o roteiro. O pai de uma das minhas amigas xarás passou pelo Paraná algumas vezes e deu dicas bastante úteis, como o passeio de trem a Morretes e a passagem pela Estrada da Graciosa.

On the road
No dia 27 de julho deixamos a terra da garoa às sete horas da manhã redundantemente debaixo de um baita temporal com direito a vidros embaçados e limpador de para-brisa funcionando na velocidade máxima.

Apesar da aguaceira que lavava as pistas com determinação, o trajeto até Curitiba foi tranquilo, sem acidentes, buracos ou trânsito pesado.  Nove reais, seis pedágios e cerca de cinco horas depois, chegamos à cidade do futuro. A primeira parada foi na praça de alimentação do shopping Mueller. De lá seguimos as placas desorientadas rumo aos cartões-postais de Curitiba.

Inaugurada em 1992, entre um abundante verde-mata-atlântica, cascatinhas silenciosas e animais em liberdade, a Ópera de Arame nutre a ilusão da modernidade europeia em contraste com o solo canarinho.  Localizada na área de uma antiga pedreira, hoje desativada, agora é um lugar destinado a apresentações artísticas.

Um ano mais novo, o Jardim Botânico Fanchette Rischbieter atrai a atenção alheia como a lua que brinca de esconde-esconde por entre prédios. Seus 245 mil metros quadrados são ocupados por um jardim geometricamente dividido, uma estufa de delicadas curvas e elegante como um palácio de cristal, um museu botânico, além de trilhas, quadras esportivas e um velódromo.

Com os olhos já repletos de fotografias mentais, montamos acampamento na casa de uma amiga que generosamente abriu as portas de casa para nos recompormos. Ainda era escuro quando levantamos ao som dos despertadores sequenciais e histéricos.

Trem das 8 (e quinze)
Enquanto os ponteiros insistiam em rodopiar pelo relógio, mais uma vez nos atrapalhávamos por entre as ruas que hora tinham mão londrina, hora eram exclusivas para ônibus. Manobrando entre os carros avançávamos com lentidão pelo trânsito típico de véspera de feriado em direção à Rodoferroviária, onde pegaríamos o trem para passar o dia em Morretes. Às exatas 8h15, quando chegamos na estação, escutamos o que parecia ser o barulhar de um apito.

Corremos e quase pulamos para dentro do vagão em movimento. Instaladas nas poltronas-salas e entretidas por um guia turístico por acaso, já que nosso bilhete de R$ 32 garantia apenas assentos duros da classe econômica, armazenávamos informações enquanto admirávamos a paisagem pela janela ampla que deixava a chuva fina respingar e o vento gelado entrar. Mas a beleza natural do trajeto aberto em plena Serra do Mar compensa os imprevistos.

Abarrotada de vegetação rechonchuda e pequenas cachoeiras, dá para ver a ponte São João, com seus 55 metros de altura, e o viaduto Carvalho que, ajustado sobre pilares de alvenaria, provoca a sensação de o trem estar escorregando pelo ar. Talvez pela época do ano, pelo clima, ou pela noite maldormida, a cidade famosa pelo Barreado, prato típico da região feito à base de carne e farinha, chamou menos atenção do que o caminho até lá.

Para retornar, optamos pelo ônibus que, apesar de baratinho (a passagem custou R$ 12), é muito confortável e passa pela estrada da Graciosa, inaugurada em 1873 e atualmente localizada em um dos únicos remanescentes de floresta atlântica.

Paraíso verde
Depois de descansar sobre os nossos colchões infláveis, desta vez no apartamento da avó da Bárbara, caímos na estrada. Ao descer a serra, ladeamos a maior área de mata atlântica contínua do Estado sulista, perseguidas pela neblina e pelos raios de sol que tentavam encontrar fendas no céu opaco.

Chegamos a Pontal do Sul às 8h e novamente fomos surpreendidas pela pontualidade dos serviços paranaenses: a balsa para a praia de Encantadas, na Ilha do Mel, saiu sem vacilar no horário tabelado e nós, que perdemos um precioso tempo a reduzir a velocidade para não cambalear muito a cada lombada, tivemos de esperar mais uma hora para conhecer a cereja do bolo da nossa viagem. Tempo suficiente para guardar o carro no estacionamento conveniado ao albergue que nos abrigaria do outro lado, o Hostel Zorro.

Adquiridas as passagens de ida e volta, ganhamos pulseirinhas de papel azul-celeste que identificavam nosso objetivo turístico. Durante os 30 minutos de travessia no marolar daquele tapete verde enegrecido, encontramos golfinhos e uma água límpida, apesar do combustível que escorre dos barcos.

Equipadas com leggings, camiseta, moletom e chinelo, além da mochila abastecida de bolachas, salgadinhos, barrinhas, água e algum dinheiro, saímos pela praia com mais um mapa no bolso para explorar a ínsula paradisíaca.

10h45. Ninguém à vista, nuvens brancas a cobrir o cinza do mau tempo, vento a eriçar os pelos descobertos, disposto a despentear as ondas e os cabelos. Passamos por Mar de Fora, morro do Sabão (autoexplicativo na descida), praia e morro do Miguel, morro do Meio, praia Grande, praia de Fora.  

12h45. Superados os 5,7 quilômetros de trilha e 147 degraus, estávamos no Farol das Conchas. Construído em 1872, até hoje orienta os navegantes na baía de Paranaguá.  Na vila Brasília, conhecemos ainda as praias do Farol, de Fora, do Ístimo, onde alugamos bikes por R$ 7 a hora atrás da Toca do Abutre e pedalamos até a fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, levantada em 1767 para proteger nosso Brasil varonil dos ataques espanhóis. Lá, ainda fizemos uma paradinha rápida no mirante da Baleia, ponto mais alto do forte.

O retorno foi o mais rápido possível, já que depende da maré para transitar. Como já eram quase 16h, pegamos um barco ao custo de R$ 5 por pessoa, afinal a trilha já estaria tomada pelo mar. À noite foi só banho e jantarzinho na pousada das Orquídeas, onde se come bem por muito pouco.

No outro dia ainda conhecemos a gruta das Encantadas, que não exige tanto esforço físico, mas não pudemos adentrar devido ao mau humor das águas. Ainda assim, sentamos nas pedras a observar o caminho das ondas e o som emanado pela batucada de águas e rochas. Essa tarde foi de folia, sinuca, comes e bebes. Como crianças que gastam todas as suas energias, dormimos cedo para acordar mais uma vez de manhãzinha.

Última parada, Camboriú
Muito se diz da noite em Balneário Camboriú, mas infelizmente a chuva e o frio nos impediram de conhecê-la. Mas visitamos as praias dos Amores e Brava, redutos de surfistas ainda pouco explorados comercialmente; o morro do Careca, de onde se pode avistar quase todos os pontos da cidade e o Cafehous Glória, café moderninho em que se pode experimentar deliciosas tortas e bolos.

O último e imperdível passeio pesa no bolso: da estação Barra Sul, é possível comprar tickets no valor de R$ 30 para andar de teleférico que faz duas paradas, uma na estação Mata Atlântica,  composta por mirantes, praças e uma divertidíssima minimontanha-russa de autocontrole de velocidade no meio da mata; e a estação Laranjeiras, em que se tem acesso às praias de Taquaras, Pinho e Estaleiro, destinadas à pescaria, maricultura e mergulho submarino.

Vale a pena garantir seu retorno até às 17h, para acompanhar o início de um por do sol mágico ainda de dentro do bondinho e terminar de assisti-lo já na praia de Balneário.

DICAS
Curitiba
Shopping Mueller
Av. Cândido de Abreu, 127, Centro Cívico, Curitiba
Aberto diariamente das 10h às 22h
Tel.: (41) 3074-1000
www.shoppingmueller.com.br

Opera de Arame
R. João Gava, s/n, Pilarzinho, Curitiba
Visitação de terça a domingo das 8h às 21h
Entrada gratuita
Tel.: (41) 3355-6072.

Jardim Botânico Fanchette Rischbieter
Rua Eng°. Ostoja Roguski, s/n, Jardim Botânico, Curitiba
Diariamente das 6h às 21h
Entrada gratuita
Tel.: (11) 3264-7365

Trem para Morretes via Serra Verde Express – Estação Ferroviária
Av. Pres. Affonso Camargo, 330, Centro, Curitiba
Sai diariamente para Morretes às 8h15
Passagem: de R$ 32 a R$ 250
Tel.: (41) 3888-3488
www.serraverdeexpress.com.br

Ilha do Mel
Hostel Zorro
Praia das encantadas, s/n, Ilha do Mel
Quarto coletivo: R$ 35 por pessoa
Mais informações e outros preços:
Tel.: (41) 3426-9052
www.hostelzorro.com.br

Toca do Abutre
Pr. do Farol, s/n, Ilha do Mel
Aberto diariamente das 10h às 21h
Tel.: (41) 3426-8007

Pousada das Orquídeas
Praia das Encantadas, s/n, Ilha do Mel
Informações e preços:
Tel.: (41) 3426-9014
www.pousadaorquideas.com

Balneário Camboriú

Confeitaria Cafehaus Glória
Av. Central, 480, Centro, Balneário Camboriú
De segunda a sexta das 11h30 às 21h30
Sábados das 10h às 22h
Domingos das 14h30 às 21h

Teleférico entre Barra Sul e Laranjeiras – Parque Unipraias
Av. Atlântica, 6006, Balneário Camboriú
O teleférico funciona de quarta a domingo das 9h30 às 18h
Ingressos: R$ 15 (crianças de 6 a 12 anos e acima de 60 anos) e R$ 30 (adultos)
Crianças até 5 anos não pagam.
Tel.: (47) 3404-7600
www.unipraias.com.br

*Natália Albertoni é jornalista e escreve no blog Verdades particulares

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