Malu Mader, entrevista icônica

por Andréa Barros
Tpm #8

Malu Mulher: Tudo na vida de Malu Mader soa perfeito. Pouca gente sabe, no entanto, que uma cirurgia de alto risco deixou uma cicatriz na barriga. Aqui, ela revela a mulher por trás da estrela

Malu Mader é aquela amiga que pega no seu braço quando conta uma história. Arregala os olhos, mexe as sobrancelhas, fala com as mãos. Divaga sobre os mais variados assuntos para só mais tarde voltar ao ponto inicial. Conversa com todo mundo: porteiro, ascensorista, a moça da banca de jornal. Usa as roupas que a gente usa: tênis, jeans, camisão. Não pinta o rosto.

A casa de Malu – apesar de uma imponente cobertura duplex localizada em Ipanema – poderia ser sua, minha, de alguma amiga. A ampla sala tem vários sofás fofos em tecido cru e mesas e janelas em madeira aparente. Há porta-retratos por todos os lados. Mas o que torna essa casa mais parecida com as que a gente conhece são os detalhes: a bicicleta ergométrica esquecida num canto – sim, ela também foge da academia –, o cachorro dormindo na varanda, o cheiro de comida que vem da cozinha. E o espanto da mãe quando chega da rua às três da tarde: “Antonio, você ainda está de pijama?”.

Aos 35 anos, mãe de João, 6, e Antonio, 4, Malu Mader continua com jeitinho de garota, embora ultimamente tenha preferido interpretar personagens fortes. Prostitutas, para ser precisa. Foram quatro até agora. A primeira que começou a fazer foi a Fátima do filme Bellini e a Esfinge, baseado no livro do maridão Tony Bellotto, com estréia prevista para este mês nos cinemas. Depois viveu Paula Lee na minissérie O Labirinto, em 1998, passou pela cortesã Ester, na novela A Força de um Desejo, em 1999, e fez outra garota de programa no seriado Os Normais. “Um personagem puxa outro”, diz.

Bad girl

Filha temporona de um oficial do Exército e uma assistente social, discreta nas aparições públicas, Malu é a cara da “certinha”. Tem um casamento estável com o roqueiro-escritor, dois filhos lindos e é estrela de primeiro time da Rede Globo.

Nunca foi bad girl, mas, de perto, também não é a caretinha. Aos 15 anos, deci­diu fazer o curso de teatro, que resultou no contrato com a Globo. O Tablado – uma das mais tradicionais escolas de teatro do Rio – mudou sua vida.

A garotinha que ficava em casa com os pais passou a virar madrugada nos bares do baixo Leblon com os novos amigos. Aos 20 anos, dormia com o namorado, o diretor de TV Marcos Paulo, na casa dos pais em Penedo. “As outras pessoas da família deviam achar um absurdo”, diverte-se. Também viveu um ano e meio com o ator Taumaturgo Ferreira.

Malu gosta de falar do passado. Diz que sua vida tem cinco grandes marcos: um acidente de carro, o encontro com Tony (“Foi amor à primeira vista. Naquele dia tive a certeza de que iria casar e ter filhos com ele”), os nascimentos dos filhos e a cirurgia que fez para a retirada de um tumor (benigno) atrás do fígado.

Dez anos depois, ainda carrega a marca da ope­ração, na forma de uma grande cicatriz na barriga. Não por acaso, no Bellini a personagem de Malu tem uma tatuagem no mesmo lugar. A seguir, ela fala desses e outros assuntos.

Tpm. Como pode uma pessoa tão certinha ter contato com ambientes tão malucos como o de roqueiros e artistas?
Malu Mader. Não existe essa dicotomia entre a vida dessa pessoa de família e a de artista. Para mim, as duas coisas já estavam misturadas. Parecia certinho: um militar, uma dona de casa, um estudante de medicina, uma de pedagogia e uma criança. Mas minha casa tinha uma efervescência de casa de artista. É todo mundo mais doido do que parece, com o espírito mais aberto.

Tpm. Não teve briga na sua casa quando você resolveu ser atriz?
Malu. Não teve. Mas eu senti que não gostaram da idéia. Qualquer coisa nova amedronta, principalmente quando é ligada à arte. 

Tpm. Ainda mais para um oficial do Exército...
Malu. É, mas sempre vi meu pai como um cara muito humanista e afetivo. Até porque, quando nasci, em 66, ele já tinha entrado para a Reserva. Nunca o vi fardado. E achava que aquilo era um bom sinal, porque a ditadura tinha tomado aqueles rumos de tortura e tal. Por mais brigão e bravo que ele fosse, a gente sempre podia falar o que quisesse. Na primeira vez que dei um beijo na boca, acho que contei para o meu pai e não para a minha mãe. Ele era mais discreto que ela, era de espalhar menos a novidade.

Tpm. A minissérie Anos Dourados foi o traba­lho de que você mais gostou?
Malu. Eu me realizei totalmente. Foi a glória individual unida a uma alegria coletiva. Estava amarrada no meu papel, achava a direção, o roteiro e o figurino brilhantes. E todo o mundo tinha essa mesma sensação. Era o que às vezes acontece nessa profissão, o chamado namoro coletivo. Nunca tive adolescência, turma, paquera, estava sempre trabalhando – pulei um pouco essa etapa de ir para Búzios. Nos Anos Dourados tinha um elenco jovem numeroso. Eu, Taumaturgo Ferreira, Felipe Camargo, Isabela Garcia, Paula Lavigne, Bianca Byington, Rodolfo Botino e mais os colegas do Tablado fazendo a figuração. A gente ficava jogando mímica nos intervalos na Cinédia [estúdio onde era gravada a minissérie]. Eu já tinha 18 anos mas estava a adolescente alegre, sabe? Foi também a primeira vez que senti o poder de ser ator, de dividir uma emoção com as pessoas. Encontrava senhoras de 50, 60 anos e elas me olhavam com cumplicidade. Eu estava passando o que elas passaram. 

“Tudo o que eu queria era ficar com o Tony para sempre porque acho difícil encontrar um cara que nem ele. Seria sorte dupla”
Malu Mader

Tpm. Você se acha tão certinha quanto a Lurdinha, sua personagem na minissérie?
Malu. Das personagens que fiz, talvez ela seja a que tem um interior mais parecido com o meu. Eu era romântica, sonhava encontrar alguém com quem pudesse ter um elo forte, uma cumplicidade, como meu pai e minha mãe.

Tpm. Mas você, jovenzinha também, já viajava com namorado, dormia com eles...
Malu.
Estava nessa busca [Risos]. O meu romantismo não tem a ver com moralismo, entendeu? Não me sinto uma pessoa preconceituosa e pretendo me despir cada vez mais de qualquer tipo de preconceito. Também nunca suportei hipocrisia. Eu ia, vamos supor, para o meu sítio em Penedo. O meu namorado era mais velho do que os meus irmãos, que eram muito mais velhos que eu. Não tinha como ir para lá e o Marcos [Paulo, diretor da Globo, namorado de Malu na época] falar “ok, vou para o outro quarto” [Risos]. Seria ridículo. Aí eu falava: não tem problema, se vocês ficarem chateados, não me importo. Só que não vou para Penedo porque não posso colocar o sujeito nessa situa­ção ridícula de fingir que a gente só beija na boca. Era assim que eu negociava. E os meus pais, que sempre me amaram perdidamente e queriam muito que eu fosse ficar com eles, ra­pidamente fizeram um quartinho para mim.

Tpm. Por que você acha que seu casamento dura tanto – 12 anos?
Malu.
Em muitas coisas sou diferente do Tony. Sou muito mais falante, ele é um cara de ouvir, mais tranqüilo, mais zen. Mas têm coisas essenciais em que a gente é muito parecido – o gosto, as coisas que a gente acredita ou não, o que a gente acha que são qualidades legais e defeitos que tudo bem. Minhas fantasias de relacionamento amoroso sempre foram muito próximas das dele: ter uma casa legal com uma pessoa que te ama e que você ama. Aquela coisa de ser fiel não só no sentido sexual. Ser parceiro não só quando está tudo bem, glamouroso, indo no ônibus da banda para o show dos Titãs. Nosso projeto era mais a fundo. Sabe aquela coisa do John Lennon, do disco Double Fantasy? É isso. Não importa qual é o teu código de relacionamento amoroso, o que importa é que vocês te­nham códigos que se encaixem. Você pode ser um devasso e encontrar tua cara metade, que é devassa também – e ter uma relação aberta. Ou ser sádico e encontrar a tua masoquinha, a pessoa que quer apanhar e em quem você quer bater. Ninguém sabe o que é realmente o amor, a paixão, a fidelidade. O Tony é a pessoa com quem eu mais sou quem eu sou. Pode até me criticar, mas sabe que o defeito faz parte de um conjunto que o agrada. Ao longo desses anos, tivemos um cuidado enorme de não ir no ponto fraco do outro. Não é porque você tem a inti­midade de dormir na mesma cama que não deva ter um mínimo de cerimônia. 

Tpm. Daqui a alguns anos, vocês vão ser um casal estilo Glória Menezes e Tarcísio Meira?
Malu.
Como Glória e Tarcísio, Nicette Bruno e Paulo Goulart. Outro dia, vi o Tarcísio e a Glória no programa do Faustão e eles eram tão carinhosos um com o outro... 

Tpm. Você pode ter o homem que quiser e ficou com Tony Bellotto. Por que só ele?
Malu.
Porque é o cara que amo. Não é só uma questão de se apaixonar. Eu escolhi. E acho que fui escolhida por ele. Não sei até onde isso vai: ele pode se apaixonar, eu posso me apaixonar, ninguém está livre de nada. Mas tudo o que queria era ficar com o Tony para sempre porque acho muito difícil encontrar um cara que nem ele. Já dei sorte suficiente. Seria sorte dupla. 

Tpm. Você fala que a relação de vocês é madura, que ele viaja e tal. Mas vocês não têm um casamento aberto...
Malu. Eu acho que não seguraria a onda. Mas essa questão da fidelidade já foi mais fantasmagórica para mim do que é hoje. Não estou dizendo com isso que quero que o Tony transe com alguém amanhã, ou que eu queira, ou que ache legal isso. Tenho muito medo, acho muito arriscado, e espero que nunca aconteça. Minha relação já chegou num ponto que, puxa, que preguiça se for para romper por algum motivo. Que dó... Todas as minhas memórias da vida adulta são com ele. Outro dia, a Marieta Severo [ex-mulher de Chico Buarque] falou numa entrevista: “Casamento você vai dando milhões de nós, vai se amarrando. Depois, para desatar tudo isso, já pensou?”. Eu não encaro mais a traição como uma coisa de vida ou morte. De vida ou morte seria me separar dele. 

“Eu sempre perco o controle. Tenho o problema do pecado da ira”
Malu Mader

Tpm. Como foi trabalhar num filme que o marido escreveu?
Malu.
Sempre fui muito fã da Fátima [prostituta encenada por Malu em Bellini e a Esfinge]. Não me lembro se fui eu que me ofereci para fazer o papel ou se foram eles que sugeriram. Trabalhamos cinco anos no filme, ajudei a produzir, foi muito intenso. Depois que comecei a gravar, ficava pedindo para aumentar as cenas, de tão gostoso que era. 

Tpm. Seguindo nos temas polêmicos, vamos trocar fidelidade por drogas. Você já usou alguma?
Malu.
Prefiro não falar sobre a minha experiência pessoal. Vou falar em teoria porque acho que ajudo mais. As drogas têm de ser legalizadas. Não porque ache que elas são boas ou porque isso vá diminuir o número de viciados. Respeito e me compadeço com o problema das famílias dessas pessoas, mas esse não é o xis da questão. O pior é a chance que é dada ao tráfico, à violência e à corrupção policial que se alimenta da ilega­lidade das drogas. A visão do senso comum é carregada de preconceito. Nem toda pessoa que usa drogas é viciada, como nem todo o mundo que bebe é alcoólatra. Outro dia, estava indo para o Festival de Cinema de Búzios – eu, meu motorista, o Roberto Santucci, que é o diretor do filme, a mulher dele e a Daúde, cantora, que é minha amiga há anos. Passamos por uma blitz, o guarda não parou, mas vi que ele cruzou o olhar comigo. Quando estou lá adiante, [imita o barulho da sirene] uén-uén, a polícia veio atrás com a sirene ligada. Mandou parar. Todos os documentos em ordem, nós na velocidade certíssima. Você acha sinceramente que o cara pensou que eu oferecia algum perigo? Mas ele falou: “Podem descer do carro. Vou revistar”. E revistou tudo. Abriu, mexeu as bolsas, viu meu O.B. E eu pensava: “Será que o cara pode fazer isso?”. Ele me conhece, sabe que trabalho, que não sou uma ladra. Das duas uma: ou é para dizer “estou pouco ligando que você é atriz e famosa”, ou achou que, por eu ser artista, me drogo. Pensou que ia achar alguma coisa e ofe­recer uma corrupçãozinha básica, fazer o natal dele, que é o que todo o mundo no Brasil sabe que acontece, principalmente com negros e pobres. Depois a gente foi saber que eles podem, sim, nos revistar. Por quê? Porque tem um monte de traficante e eles têm de lutar contra essas pessoas. Mas a gente está cansado de saber que 90% querem tirar uma grana de moleque que está fumando seu baseado. É uma vergonha. 

Tpm. Aproveitando o tom exaltado: quando foi a última vez que você perdeu o controle?
Malu. Tenho o problema do pecado da ira. Fico exaltada. Eu me envolvo muito. Sabe aquela coisa que falam, que os nossos defeitos são as nossas qualidades? É tudo uma questão de medida. É legal me envolver e me apaixonar, mas não é legal brigar, ficar gritando com as pessoas. Preciso melhorar nesse sentido...

Tpm. Qual a grande decepção da sua vida?
Malu.
O acidente. Meu carro bateu num outro, que bateu numa menina. Esse carro que bati estava parado numa pista da esquerda da Marginal, em São Paulo, numa quarta-feira de cinzas. Estavam trocando o pneu, não colocaram triângulo, a pista molhada. A menina ficou em coma um mês [e sobreviveu]. Estava casada com o Taumaturgo e a gente viajava em dois carros. Porradão, sustaço. Vi que tinha dado problema, vi sangue na frente do carro. A mãe da garota começou a gritar: “Você matou a minha filha!”, uma coisa assim. Eu estava na televisão naquela época. Todo o mundo ficou me olhando, eu machucada, a menina morrendo. Uma das pessoas veio falar comigo: “Você não é da novela?”. Achei aquilo tudo meio nonsense, surrealista. Fui tomar ponto no mesmo hospital onde estava a família da menina. Nunca tinha me acontecido nada ruim de fato na vida. Foi um grande susto. Quando cheguei na delegacia, encontrei um monte de urubus da imprensa marrom subindo pela parede. Tinha um vidro na sala onde dava o depoimento. E subiam para fotografar. Pensei: “Cacilda, agora começou um novo episódio”. Capítulo 6. Vida real.

Tpm. A família quis te processar?
Malu.
Claro, era uma família sem dinheiro. Viram naquilo uma oportunidade. Até para aliviar a culpa deles, tinham de falar que a culpa era minha. Para resolver tudo, demorou cinco anos. E com chantagens: ligavam para o meu pai, ameaçando dizer coisas para a imprensa.

Tpm. Alguns anos depois veio outro choque, você teve de fazer uma cirurgia, não foi?
Malu.
Eu sempre quis ter filhos, desde que co­nheci o Tony. Como demorou, fiz exames para ver se tinha algum problema. Numa ultra-sonografia abdominal, descobriram que eu tinha um tumor de oito centímetros atrás do fígado, num lugar dificílimo de ser operado. Médicos amigos me aconselharam a operar no Memorial, que é o Hospital do Câncer de Nova York. Havia a suspeita de câncer porque tinha dois focos diferentes. E havia a possibilidade de eu morrer na operação porque era um lugar muito complicado.

“Estava tão feliz de estar viva que não tinha grandes preocupações estéticas [sobre a cicatriz na barriga]”
Malu Mader

Tpm. E como foi descobrir isso?
Malu. Punk, né? Punk. Tinha 25 anos... Você sempre faz aquela pergunta: por que comigo, meu Deus? Fiquei atônita. Sou muito apegada à vida e não sou religiosa. Então fica muito mais difícil, porque quando você tem fé isso dá algum alento. Como eu não tinha, ficou aquela sensação de que é um terror. Tudo acabou. Acabou a festa. E estava tudo tão ótimo... Comecei a chamar quem eu gostava lá para casa. Virou uma festa interminável. E daí não sei se entrei numa trip de me atordoar, mas não chorava mais, fiquei normal. Porque não sentia dor nenhuma, estava com as pessoas de que gostava, querendo me encher de esperança de que ia dar tudo certo. E também, obviamente, estava com medo de morrer e queria dar uma despedida básica. 

Tpm. E como estava se sentindo quando chegou a Nova York para a operação?
Malu. Fui para lá apavorada, nervosa. Aí é punk, não dá para contar aqui porque é tudo meio degradante. Você entra, faz um exame, outro exame, o cara pergunta quem responde por você se você morrer. Fui sucumbindo, murchando, sabe uma pessoa que vai ficando pequena? Fui ficando uma coitada, literalmente. É tanta coisa punk... Desde ficar num estacionamento de macas até fazer lavagens que não são normais, tudo traumatizante. Até o trauma maior, que foi operar. Depois você fica oscilando entre a alegria de ter sobrevivido e a tristeza de ter passado por aquilo. Um dia você está superfeliz de estar nessa vida, no outro não consegue andar porque ainda tem a coisa do corte. Porque me cortaram um pouco, não deu para chegar aonde tinha que chegar com segurança, então cortaram um pouco mais e mais. Minha barriga ficou aberta. Dizem os orientais que você demora muito para voltar ao seu equilíbrio orgânico quando abre a barriga, mesmo que seja para a cesariana. Todos os órgãos estão ali e para tudo você usa a barriga – para respirar, rir, chorar, tossir, espirrar.

Tpm. Mas e a cicatriz?
Malu. Estava tão feliz de estar viva que não tinha grandes preocupações estéticas. O chocante foi imaginar que no dia anterior não tinha nada e no seguinte tinha. A ruga é uma coisa que você vai conquistando aos poucos, a bunda caída também, o peito também. Ah, é porque o nenê mamou, que legal, que lindo. Mas uma coisa que era uma folha em branco e de repente acorda com um desenho no dia seguinte é um choque. Tanto é que depois comecei a ficar mais reflexiva. Até pensei em fazer análise. Tive um sonho que era como aquele conto do [Jorge Luis] Borges: eu adulta encontrava comigo criança. Reparava em mim ainda menina, de biquíni, e pensava: “Coitada, ela nem sabe ainda que vai passar por isso tudo”. Era eu falando comigo mesma no sonho! Aí pensei: “Quer saber, nunca vi a barriga da Fernanda Montenegro! Barriga precisa para ser manequim e mesmo assim a Linda Evangelista também tem uma cicatriz. Sou mais que uma cicatriz e milhões de outras coisas que a gente pensa para se resignar”. Na época, estava facílimo pensar assim porque eu tinha dramas maiores: estava achando que ia morrer, vivi; tinha achado que era câncer, não era. O saldo era altamente positivo. 

Tpm. Você ficou abalada por muito tempo?
Malu. Logo que voltei para o Rio, pintou uma novela [O Mapa da Mina] do Cassiano [Gabus Mendes] para fazer, e ele tinha novelas muito fáceis, cenas curtas, leves. Fiz a Vanda, que era toda solar, para fora, meio piranhinha. Foi uma diversão só. O trabalho virou a minha terapia. E foi legal também porque me deparei logo com isso: a mulher era safada, assanhada, gostosona, e as figurinistas queriam pôr barriga de fora. Falei: “Gente, não posso. Estou com a barriga cortada de cima abaixo”. Foi quando vi que o ator está acima de tudo isso. Não tenho peito, mas botava uns sutiãs, as pernas de fora, ficava de saia curta e pronto. Tudo ia bem, até que uma parente muito próxima ficou com câncer. Voltei para o mesmo hospital com ela, um ano depois. Só que foi muito pior, porque aí era câncer mesmo. Fiquei ouvindo o que ouvi antes, só que para ela. Chorei muitas vezes, foi punkézimo. Quando acabou o tratamento, quis ir para Nova York passar cinco meses com o Tony, longe de tudo. Falei: “Se não engravidar, faço proveta lá”. Uma semana antes de embarcar, descobri que estava grávida. Foi a fase mais feliz da minha vida, sem dúvida. Meu primeiro filho nasceu no dia das mães, um domingo ensolarado.

Tpm. Você já fez plástica? Não pensou em fazer na cicatriz?
Malu. Não. Nem na cicatriz. Depois da cirurgia, você fica com grandeza de espírito por ter passado por aquilo. Mas depois volta à mesma medio­cridade. Passa dois anos e já está a mesma merda. Então, quando voltei à minha mundanidade, é claro que pensei “poxa, tenho 27 anos, estou na flor da idade, vou ver se consigo dar um jeito na cicatriz”. Mas aí a cicatriz já era minha – aquilo vai se integrando, a marca vira tua. 

“Correr, rolar, atirar, subir escada correndo aos quatro meses de gravidez. E repete, e repete, e repete. Dane-se que ela está grávida”
Malu Mader

Tpm. Você usa biquíni?
Malu. Em público, não. Uso quando estou com a minha família, meus amigos. Acho que todo o mundo ficaria me olhando, e me sentiria mal. 

Tpm. E a segunda gravidez? Foi durante a minissérie A Justiceira e rolou um estresse, não foi?
Malu. Foi muito bem recebida, mas inesperada. Tinha acabado de fazer a primeira fase d’A Justiceira. Estava em Penedo no dia 31 de dezembro de 96 e fiz teste de farmácia. Deu positivo. Fiquei me sentindo “a” fértil, “a” parideira, todas essas coisas que as mulheres gostam de se imaginar. E vi que estava, ao mesmo tempo, com um pepino de avisar na Globo.

Tpm. E como foi?
Malu. Traumático. Pela empresa, não, ela foi compreensiva. Mas dentro do trabalho, direção e tal, eu me senti hostilizada. 

Tpm. Falaram alguma coisa para você?
Malu. Um monte de coisas... Não importa o quê, importa como eu me sentia. E me sentia como se a gravidez não fosse bem-vinda para eles. E deixaram isso muitíssimo claro. Era um trabalho que me exigia muito fisicamente. Não sou ma­lhadora nem forte, e tudo era com corrida, com rolamento, com atirar, subir escada correndo aos quatro meses de gravidez. E repete, repete, repete, dane-se que ela está grávida. Eu tinha enjôo, azia, fome, sono e tudo isso filmando. Fui até o meu limite o tempo todo. Tem coisas que não ligo que façam comigo, mas não gosto que façam com meu filho. E com o Antonio foi isso: fiquei com raiva, misturado com certa fragilidade. Parecia que estavam fazendo com ele. Eu me sentia péssima, volta e meia dava uma chorada pelos cantos. As pessoas tinham sido contratadas para fazer aquele trabalho e, em função da gravidez, todo mundo ia ter de parar mais cedo. Eu entendia que aquilo era uma mudança que precisava ser digerida por elas. Só achei que podiam ter tido mais grandeza. “Ê, que legal”, primeiro. “Vamos dar um jeito”. Depois que parei de trabalhar foi lindo. A única coisa é que engordei 23 quilos, fiquei que nem uma pata choca. No final, tinham que me içar dos sofás. 

Tpm. O que a maternidade fez mudar em você?
Malu. Sempre fui muito pé no chão. Só que tem aquela coisa estrela. Você pega um avião, as pessoas te olham, uma atriz famosa e tal. Outro dia, o Antonio era pequeno e pediu pra fazer xixi no avião. Não segurei direito o peruzinho dele e o peru xixizou o banheiro inteiro. E vem a mulher limpar, todo o mundo te vendo. Eu suo muito, ou seja, o glamour vai por água abaixo. Você acaba ficando em contato com a vida real por causa de filho. Não tem uma coisa de parar e virar uma celebridade de fato. São essas coisas que te igualam: ir para o hospital, ter filho, as perdas. São coisas que te lembram que você é igual a todo mundo e não tem como ficar se sentindo especial.

Créditos

Imagem principal: Murilo Meirelles

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