Liberdade ainda que tardia

por Fernando Luna
Tpm #166

Se era chocante Renato Russo cantar que gostava de meninos e meninas, hoje Miley Cyrus não espanta ninguém quando repete que é pansexual

Responda rápido. Você é:
a) Exclusivamente heterossexual.
b) Predominantemente heterossexual, eventualmente homossexual.
c) Predominantemente heterossexual, frequentemente homossexual.
d) Bissexual.
e) Predominantemente homossexual, frequentemente heterossexual.
f) Predominantemente homossexual, eventualmente heterossexual.
g) Exclusivamente homossexual.
h) Assexual.

Essas respostas formam a escala que o pesquisador norte-americano Alfred Kinsey criou nos anos 50, numa tentativa de mapear o comportamento sexual humano. Naquele mundo intransigente, a sexualidade oficialmente se resumia a papai e mamãe com a luz apagada e debaixo das cobertas. Foi um avanço extraordinário a revelação de que a dinâmica do desejo era muito mais elástica do que pregava o catecismo dos bons modos à cama.

Hoje seria o caso de incorporar à classificação original pelo menos uma nova alternativa:
i) Quem se importa?!
Se até nos anos 80 era meio chocante Renato Russo cantar que gostava de meninos e meninas, hoje Miley Cyrus não espanta ninguém quando repete por aí que é pansexual. Nestes tempos líquidos, a sexualidade também ficou mais fluida e maleável. Tudo o que é sólido se desmancha no bar, antes de esticar em algum lugar mais sossegado – inclusive aqueles padrões sexuais rígidos.

Uma pesquisa realizada com 1.632 adultos do Reino Unido resume a força dessa transformação. Enquanto apenas 23% do total dos britânicos se classifica como algo diferente de exclusivamente hétero ou homossexual, na turma entre 18 e 24 anos esse número salta para 48%. Ou seja, metade dos millennials declara sentir atração por homens e mulheres.

Também não existe pecado do lado de baixo do Equador. “Me interesso por pessoas, e classificar meu interesse nessas caixinhas não ajuda”, diz a produtora cultural paulistana Bianca, 25 anos, na reportagem “A cor mais quente”, na página 60. “Até mesmo o termo bissexual é redutor, porque abrange apenas dois gêneros. E se eu gostar de alguém que não se encaixa em nenhum dos dois?”

Claro que ainda existe muita violência de gênero, da boate gay em Orlando ao campus da UFRJ. Mas décadas de movimentos, manifestações e marchas celebrando a diversidade sexual conseguiram melhorar as coisas. A Laerte continua sendo a cartunista mais respeitada do país, rolou um clima entre a Daenerys Targaryen e Yara Greyjoy no final da sexta temporada de Game of Thrones, a grande mídia começa a escapar das caricaturas gays e as leis aos poucos se ajustam às mudanças de comportamento.

As infinitas possibilidades do desejo vão sendo encaradas com mais naturalidade, e talvez isso seja mais significativo do que a civilizatória afirmação das diferenças. Liberdade ainda que tardia.

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