Para mim, com carinho: Júlia Barnabé

por Júlia Barnabé

Mulheres que contaram nas redes sociais seus primeiros assédios escrevem uma carta para si mesmas quando mais novas

Querida Julica,

Hoje olhei uma foto sua com seis anos de idade. Na sua carinha está estampado um enorme sorriso banguela e nele pude ver o orgulho que você sente de sua primeira janelinha. Nem passa por sua cabeça se achar feia porque te falta um dente, pelo contrário, você está irradiante de alegria pois está crescendo. Na verdade, sua aparência nem é uma questão ainda, você está feliz em seu corpinho.

Quero te dizer uma coisa muito importante: você é a única dona do seu corpo – e só você! Muitos meninos são ensinados a achar que o corpo das meninas são objetos, ou até brinquedos, e que eles podem fazer o que quiserem. Isso é uma grande mentira! O corpo é seu e é você quem dita as regras. E se alguma vez alguém te tocar de um jeito que você não goste ou em alguma parte do seu corpo que você não queira e você sentir qualquer incômodo, diga NÃO! Bem alto, para todo mundo ouvir! Seja corajosa e não tenha medo de berrar e pedir ajuda – para os seus pais, para quem estiver perto. Eles vão acreditar em você e te ajudar.

Digo isso porque logo você vai crescer e seu corpo vai se transformar e, então, você vai descobrir que no mundo existem formas muito perversas de lidar com o corpo, principalmente das mulheres e das meninas. E muitas vezes, o que parece ser uma brincadeira, não é.

Sabe aquele dia em que você estava brincando de esconde-esconde com suas amiguinhas e o primo mais velho delas te fez pegar no pinto dele e te agarrou no porta-malas da caminhonete?! O que ele fez foi muito sério e grave, não foi uma brincadeira. Foi uma violência e o nome disso é assédio. Isso quer dizer que ele se aproveitou de você, por ser mais nova, por ser ingênua, por confiar nele, por admirá-lo. Ele te forçou a fazer algo asqueroso, que você não queria fazer e nem entendia o que era. Ele sabia que estava fazendo uma coisa errada, por isso te mandou ficar quietinha, para que ninguém descobrisse o absurdo que ele fez, para que não brigassem com ele por abusar de uma criança indefesa.

Hoje, aos 31 anos, se eu pudesse te acudir naquele momento, te diria: dê um chute no saco desse babaca e grite bem alto que você tem nojo dele e que não quer que ele encoste em você nunca mais! Faça um escândalo! Você não tem que sentir vergonha, ele é quem tem que se envergonhar do que fez. A culpa NÃO foi sua, você não fez nada de errado, ELE fez.

Sabe, pequena, existem muitas pessoas cruéis por aí e você precisará ser forte e valente para enfrentá-las e se defender. Nem todos os homens são assim, você vai aprender em quem pode confiar. Eu sei que é muito terrível saber que esse menino, que você gostava tanto, tenha sido tão malvado com você. Mas falar sobre isso ajuda a curar e esse machucado vai sarar com o tempo, não sem te deixar uma cicatriz.

O que aconteceu com você acontece com todas as meninas e todas as mulheres, de formas diferentes. Mas nós vamos nos juntar para cuidar umas das outras e vamos lutar para que os meninos e os homens aprendam nos respeitar. Não abaixe a cabeça e não se cale diante das injustiças. Acredite, sua voz tem muito poder!

Um abraço apertado e demorado

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Aos 31 anos, Júlia Barnabé aproveitou a campanha #PrimeiroAssedio para falar pela primeira vez, no Facebook, sobre o assedio que sofreu aos seus anos do primo de umas amigas, que era dez anos mais velho que ela.



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