Sobre encontros de mulheres

por Gaía Passarelli

Toda a mulher tem uma história e quando a gente cria coragem de falar sobre essa história, a outra entende.

Estive na Flip no começo de julho. Na real eu não estava exatamente na Flip, mas num dos eventos paralelos, uma casa montada pelo Itaú Cultural no centro histórico. Foi uma edição da Flip com homenageada mulher, mas criticada por apresentar poucas vozes femininas. E apesar disso, ou talvez por isso mesmo, a casa teve principalmente escritoras como debatentes e em vários momentos elas preencheram a pequena sala de debates com leituras emocionadas.

O que rolou ali foi uma troca dos relatos das escritoras com o público, principalmente feminino, da plateia. Sentadas na mesma altura do público, em cadeiras e puffes, as escritoras passavam o microfone para que outras pessoas pudessem falar. Num dado momento, uma garota contou que é assistente social em Paraty, que sempre gostou de ler, mas que não tinha, até então, nem idéia de que existia uma literatura que falasse com ela dessa forma, mais próxima de sua vida e suas batalhas. As outras ouviram e aplaudiram; no final teve quem trocasse abraços. 

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Daí essa semana uma repórter veio aqui em casa para falarmos sobre meu livro (que é sobre viajar sozinha) e sobre solo female travel, essa tag tão em alta agora na internet (google it), em livros e filmes (pense em Wild, da Cheryl Strayed). Mulher viajando não é novidade, mas isso de falarmos umas com as outras sobre as dificuldades que encontramos no caminho, sim. E, de repente, estávamos na sala, junto com as representantes da editora e a assessora de imprensa, trocando histórias, entre risadas e testas franzidas, certas de que uma entende o que a outra viu, experimentou, passou.

Toda mulher tem uma história e, quando a gente cria coragem de falar sobre essa história, a outra entende. 

Participo de alguns grupos de viajantes profissionais no Facebook que reúnem gente que escreve, fotografa, cria vídeos (muitas vezes tudo isso junto) e é notável como o grosso desse mundo das viagens é feminino. Tem alguns grupos só de mulheres também, principalmente dos EUA, país que tem as duas únicas conferências de mulheres viajantes do mundo, Women’s Travel Fest e Women in Travel Summit.

A conferência de escritores de viagem que eu frequento anualmente não é específica para mulheres, mas tem pelo menos 80% do público de mulheres. Press trips também. Não é exceção. Mulheres são maioria em quase todas as áreas do turismo, de comissárias de bordo a blogueiras, passando por agentes de viagem e "hotelieres".

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Mas as mulheres não são maioria quando falamos de blogs de viagem bem sucedidos no sentido comercial. Por quê? Arrisco dizer que pelos mesmos motivos pelos quais lemos muito mais escritores do que as escritoras, a representação em palcos de feiras e eventos é menor e os contratos publicitários são mais escassos: porque as decisões de quem/quando/onde e quanto ganha ainda está na mão de figuras masculinas.

Por isso eventos que reúnem nossas vozes, como a Casa Tpm, são fundamentalmente importantes agora. Eles derrubam essa ideia velha de que mulher só compete entre si. Os encontros de mulheres, viajantes ou não, são como as da salinha da casa no centro histórico de Paraty durante a Flip, dos grupos de profissionais mulheres no Facebook, da sala da minha casa na semana passada: fazem com que uma puxe a outra pra cima, na estrada e vida.

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Créditos

Imagem principal: Priscilla Westra via stocksnap.io

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