por Luara Calvi Anic
Tpm #91

A modelo Isabelli Fontana e mais quatro mulheres de atitude falam sobre suas cicatrizes

Como você lidaria com marcas profundas e visíveis em seu corpo? Donas de cicatrizes diferentes, Carol, Marina, Juliana, Didi e a modelo Isabelli Fontana falam com serenidade e boa dose de carinho sobre as marcas que carregam. Através de suas histórias, a Tpm mostra por que ter uma cicatriz no corpo pode ser libertado

A produtora Carol Meirelles operou o coração e ganhou uma cicatriz no peito, justamente onde já tinha um desenho do órgão tatuado. Depois da cirurgia, a tatuagem virou um coração partido. Uma metáfora do que acontece quando ganhamos nosso primeiro sinal. “A primeira marca no corpo de um sujeito faz com que ele descubra que não é Deus, que não pode tudo. Uma cicatriz é a lembrança constante de que não somos perfeitos”, diz Joana de Vilhena Novaes, do Núcleo de Doenças da Beleza, da PUC-Rio. “Tem pessoas que não conseguem conviver com uma cicatriz, por menor que ela seja.”

De apendicite, de cesárea, de perna quebrada ou do joelho esfolado na infância, as cicatrizes são traduções de experiências vividas. E deixar que elas façam parte da vida, sem querer escondê-las, exige um relacionamento profundo consigo mesmo. “A lembrança de como aquela cicatriz foi adquirida, muitas vezes, é mais dolorosa do que a marca em si. Não podemos apagar tudo, nem a lembrança nem a cicatriz”, explica a cirurgiã Barbara Machado, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

Num país como o Brasil – o do Carnaval, do corpo perfeito e dos recordes mundiais de cirurgias plásticas (ano passado foram feitas 547 mil delas no país) –, carregar uma marca no corpo, e lidar bem com isso, é sinônimo de personalidade. Mais que isso, de liberdade. “Apagar uma cicatriz é como eliminar partes de um livro ou deixar páginas em branco”, concorda a velejadora Marina Bandeira, esposa de Amyr Klink e dona de uma cicatriz no quadril. Assim como ela, Carol, Juliana, Didi e Isabelli – esta última top model que trabalha com o corpo –, mais do que marcas, carregam histórias emocionantes. Em tempos de rostos eternamente jovens e corpos congelados pelo novo antiestrias ou pela academia, vale conhecer as histórias dessas mulheres.

 

DE PEITO ABERTO
Carol Meirelles acordou com o coração partido. Na UTI, depois de passar 12 horas com o peito escancarado para uma cirurgia no órgão, ela não pediu um copo d’água, mas um espelho. Queria ver se as duas partes do coração tatuado no peito – dez anos antes de operar e de saber que tinha um problema de saúde – estavam costuradas uniformemente. “O melhor momento foi quando eu abri o olho na UTI e vi que estava viva”, conta. A produtora paulistana sofre de febre reumática, uma doença autoimune nas válvulas cardíacas, e de dez em dez anos precisa abrir o peito para trocá-las. “Eles serram o seu externo, tiram o coração para fora, te ligam numa máquina, botam o coração de novo, te dão um choquinho e fecham seu peito”, explica. “A cicatriz é a parte mínima da cirurgia. A minha tem sua beleza e, junto com a tatuagem, fica uma arte bonita.” 

No momento em que este texto é escrito, Carol está no hospital – acaba de passar por outra cirurgia. Mais uma vez seu coração teve que ser costurado. Sua cicatriz certamente vai adquirir nova forma e mais uma marca de sobrevivência ficou estampada em seu peito.

Carol Meirelles, 29, é produtora executiva da Trip Editora e de shows de bandas de hard core de São Paulo. Aos 25 anos, vendeu tudo o que tinha e foi para um festival de metal na Alemanha. Decidiu continuar na Europa. Lá, trabalhou como garçonete, faxineira e dançarina. 

 

DOR QUE MARCA
Quando Arandi Didi tinha 2 anos seus pais se separaram e ela teve uma inflamação de um cisto na tireoide, bem no meio do pescoço. “Meu corpo somatizou. Meus pais se separando, e eu lá no meio, sentindo tudo”, diz. A inflamação virou ferida. O médico indicou uma cirurgia, mas sua mãe preferiu compressas de ervas medicinais. A ferida foi curada, mas Didi ganhou uma cicatriz. “Quando era menina sentia vergonha. Passei a vida explicando o que é essa cicatriz no meu pescoço”, conta.

Didi é terapeuta corporal e apresentadora de um canal de TV a cabo. “É claro que às vezes penso se a cicatriz pode atrapalhar meu trabalho. Mas nem lembro mais que ela existe, virou uma espécie de tatuagem”, diz. “Nunca influenciou minha autoestima, lido com isso há 26 anos.” A paulistana associa outras manifestações de seu corpo a problemas emocionais. Aos 9 anos, em meio a um vai e volta dos pais, o vitiligo (perda de pigmentação) surgiu em seu quadril. Quinze anos depois, vivendo um relacionamento complicado, as manchas apareceram novamente. “O corpo responde aos estados emocionais, como uma válvula de escape. Cada indivíduo somatiza de um jeito”, conclui.

Arandi Didi, 28, é terapeuta corporal e apresentadora de um programa sobre beleza e saúde num braço do canal pago Fox, o Bem Simples. A inauguração do canal está prevista para 2010. 

 

SOCO DE AMOR
Aos 9 anos a top model Isabelli Fontana levou um murro do menino por quem era apaixonada. O soco era para acertar um de seus irmãos, mas pegou em sua barriga. A lesão desencadeou uma apendicite. “Adorei ficar doente, minha mãe me trazia comida na cama e fazia tudo por mim”, lembra. A cicatriz da retirada do apêndice não é a única marca que a modelo carrega. Somam-se a ela uma no joelho, duas no braço e uma no queixo. A do braço, que aparece na foto, ela ganhou graças a uma queda da bicicleta que pilotava em Curitiba, onde nasceu. “Era uma menina maloqueira, queria adrenalina. Era uma menina moleque”, conta.

A modelo nunca pensou em clarear as cicatrizes, até porque as revistas para as quais posa já se encarregam de apagá-las. Ao contrário do que aconteceu quando, em 2008, posou para a Trip e pediu que a cicatriz ficasse lá. “Minha família vive sugerindo que eu clareie as cicatrizes. Mas elas são lembranças de coisas que aconteceram na minha vida. É como um diário. Se apagar, não tem graça”, diz a modelo, que é a favor de cirurgias plásticas quando em nome da felicidade. “As pessoas têm que se sentir bonitas. Se estria tivesse cura, tiraria na hora”, finaliza.

Isabelli Fontana, 26, é modelo desde os 13 anos. Segundo a revista americana Forbes,  em 2007 foi a 11ª modelo mais bem paga do mundo. Curitibana, tem dois filhos e, se tiver uma filha, ela nunca será “menininha nem patricinha”.

 

FISGADA
A fotógrafa Marina Bandeira foi fisgada por um cunho, uma espécie de âncora, justamente no começo do namoro com o navegador Amyr Klink, seu marido há 15 anos. Em sua primeira visita à cidade de Paraty, o barco onde estava com Amyr foi atingido por uma lancha e ela – fotografando a paisagem e desatenta – caiu na água. Em alto-mar, ficou presa ao barco por um ferro que atravessou a sua pele na região do quadril. Ela tentava nadar para longe, com medo da hélice do motor, e não percebia que estava presa pela pele. Até que Amyr se deu conta, desenganchou o ferro de sua pele, a levou para um hospital e depois para a casa da futura sogra. “Você tem certeza de que vai namorar esse moço?”, disse a mãe de Marina, depois de receber a filha com 27 pontos. “A cicatriz faz parte da construção do ser humano e você só a supera quando reconhece a dor, o que viveu, e passa por cima dessa história”, defende a velejadora. Sete anos depois, a cicatriz a remete a uma época feliz da vida, não só ao acidente. “O ser humano é formado por pequenas histórias de vida. Apagar uma cicatriz é como eliminar partes de um livro ou deixar páginas em branco”, completa.

Marina Bandeira, 45 , é mãe de três filhas. Duas gêmeas de 12 anos e uma caçula de 9. A fotografia começou como um hobby e virou uma compulsão. Sempre com a câmera em punho nas viagens com o ma­rido, em breve deve lançar um livro.

 

ARTE NA PELE
Emma Thomas é uma galeria paulistana que não pertence a uma pessoa chamada Emma e sim a Juliana Freire. Antes de ser mãe, ela se jogava no chão com a amiga Flaviana Bernardo para brincar de air guitar. Inspiradas pelas marcas que não saíam de seus corpos por causa da brincadeira, a dupla abriu uma galeria com um nome adequado à vida delas. “A maioria dos espaços de arte tem nome composto, então picotamos a palavra ‘hematoma’”. Juliana tem duas cicatrizes: um corte no pulso e a recente marca da cesárea. O corte ela ganhou do gato de estimação. Juliana quis fazer um carinho no bichano e levou um arranhão. “Quem olha pensa de cara que eu tentei suicídio. Na época, minha mãe falava que se eu fosse procurar emprego teria que usar manga longa”, conta. “Sempre gostei dessa cicatriz. Você acaba incorporando as marcas que vão aparecendo no seu corpo”, completa.

A cicatriz da cesárea, que há seis meses fez nascer sua filha, ela também já incorporou: “Quem quer ter filho não pode ficar com a noia de que o corpo vai voltar a ser como antes. Se for ficar preocupada com isso, é melhor nem pensar em ser mãe”, defende.

Juliana Freire, 31, é formada em artes plásticas pela UFMG. Antes de ter uma galeria trabalhava com estilo de moda em marcas como Zoomp, Zapping e Vide Bula. Ela acaba de parir sua primeira filha. A pequena, Olga, tem 6 meses.

Maquiagem David Borges (BLZ) e Giuliano Rezende (BLZ)

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Lista de tarefas
A artista americana Miranda July fez pessoas comuns criarem trabalhos de arte. Tpm seguiu a artista e convidou mulheres para contarem a história por trás de suas marcas

Por Luara Calvi Anic

Num clima da brincadeira O Mestre Mandou, a artista americana Miranda July reuniu mais de 8 mil pessoas para ligarem as pintas do corpo com uma caneta – como se fossem constelações –, fotografarem os pais se beijando e contarem a história de suas cicatrizes. O projeto Learning to Love you More, criado por ela em 2002, fez pessoas comuns se expressarem. Ela indicava uma tarefa, e os participantes publicavam as que cumpriam no site. Em 2007, os melhores trabalhos entraram num livro homônimo. “Acho que alguns dos meus trabalhos de arte preferidos foram feitos por pessoas que, por alguma razão, talvez nem sejam consideradas artistas. O mundo da arte é tão desinteressante para mim. Não dou a mínima pra isso. O que importa é somente a arte por si só”, disse em entrevista à revista americana Fused Magazine.

Aos 35 anos, além de exposições e performances ao redor do mundo, Miranda já escreveu um livro de contos e dirigiu um filme. O livro É Claro que Você Sabe do que Estou Falando (Agir) vendeu mais de 100 mil cópias em poucos meses e o filme Eu, Você e Todos Nós (2004) ganhou o prêmio de melhor filme de estreia em Cannes. O projeto recebe mais trabalhos, mas as tarefas continuam on-line. Vale entrar na brincadeira, encarar uma das 70 tarefas e ser artista por um dia.

Vai lá: www.learningtoloveyoumore.com e www.mirandajuly.com

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