por Maria Ribeiro
Tpm #143

Quatro amigas em Londres e a suprema felicidade da cumplicidade feminina

Camisetas, cremes, brechós, filmes, filhos, neurociência, Deus: quatro amigas em Londres e a suprema felicidade da cumplicidade feminina

Beatles, Rolling Stones, Los Hermanos, Sex and the cityGirls. Quatro dá pra ser: três conversando e um lendo, dois e dois fazendo qualquer coisa (em três combinações diferentes), cada um por si no seu próprio telefone inteligente, uma banda de rock, um seriado feminino, uma mesa de velhinhos em Copacabana.

Também dá pra jogar tênis de dupla e biriba, dá pra ficar em hotel bom porque a conta é dividida, dá pra dois brigarem e ter quem faça o meio de campo, dá inclusive pra ficar todo mundo junto o tempo inteiro. O quarto algarismo da primeira casa decimal é afeto e liberdade, sem falar que é a última possibilidade do táxi único.

Não lembrava de quando tinha viajado com amigas pela última vez. Acho que com 20 anos. Nova York. Marcella, Maria Eduarda, hambúrguer do Clarke’s, 3 horas por dia em farmácia, Bloomingdale’s, anos 90.

E agora, 18 anos depois, Amora, Carolina e Joana – e a suprema felicidade da cumplicidade feminina. Foi em Londres, mas podia ter sido em Piracicaba. Se bem que não teria a rainha da Inglaterra.

Estar em outra cidade com alguém. Em outro país. Não atender o telefone porque é caro. Não entrar na internet porque é caro. Ter tempo. Olhar. Estar. Ver o inchaço dos olhos de cada uma de manhã. Sem wi-fi. O mau humor no meio da tarde. As idiossincrasias. As delicadezas. Os gostos. Os segredos.

Vocês já viram o clipe do Arcade Fire com a Greta Gerwig? Não, mas amo ela. Frances Ha é foda, mudou minha vida. Não viu? Como assim? E Adaptação? Spike Jonze é Jesus, os filmes dele são pra ver três vezes seguidas. Prefiro Wes Anderson. Sério? Alguém tem um pound? Precisamos ir na Tate. Mas agora já estamos no bairro da loja de camisetas.

Camisetas. Cremes. Coisas pro cabelo. Pratarias. Mapas antigos. Relação difícil com pai. Relação difícil com mãe. Botox. Ser meio velha e meio nova. Ex-maridos. Maridos. Ex-namorados. Traumas. Dores. Bloody mary. O último disco da Mallu Magalhães. A Mallu Magalhães. O Camelo. YouTube. Que casal lindo! Clipes. Curtas. Cerveja. Sacolas. A água rejuvenescedora da Carol. Comprar igual. Dermatologistas. Analistas. Medo de morrer. Projetos. Precisamos ir na Tate.

Espera, ali não é aquela loja de coisas japonesas que se disfarçam de inúteis, mas na verdade não existe viver sem? É, o cotonete é gênio, perfeito pra passar sombra sem borrar. E tem também uns organizadores de mala, uma delícia, eu inclusive nem preciso viajar mais, fico em casa dobrando casaco só pelo prazer tátil e estético dos compartimentos. Jura? Que louca... E a Tate?

Amélie Poulain só vale até 29

Ainda não compramos o negócio bronzeador da Chanel. Maria, você não vai levar nem uma manteigueira? Você não entende: a pessoa que acorda com uma louça bonita já começa o dia diferente. Muito bom pra angústia. De verdade. Fora que você fica tão alimentada pela beleza da mesa que não precisa comer.

Será que a gente vai ser feliz? Será que vale ter mais filho? Será que os óvulos ainda estão bons? Será que a gente vai ficar mal de não ser mais gata? Será que a gente come um cookie agora ou leva uma caixa pro Brasil? Ou os dois? Será que a fidelidade faz sentido?

Jô, me dá o nome do secador barra escova? Amora, pra que quatro calças jeans? Maria, vamos mudar esse estilo romântico? Amélie Poulain só vale até 29, depois fica meio patético. Caramba, não fomos na Tate.

João. Bento. Júlia. José. Davi. Ser mãe. Dar autoestima, mas não encher de presente. Ter tempo. Olhar pra eles. Permitir que eles sejam quem são. Perdoar pai e mãe. Amar pai e mãe. Saber se despedir de pai e mãe. Sem wi-fi. Deus e psicanálise. Neurociência. Buracos Negros. Brechós. A bota da Kate Moss. O salgadinho orgânico. Gente, eu moraria nesses táxis. Preciso ligar em casa. Como é o nome daquela parada que congela a barriga? E essa ruga que apareceu ontem no meu olho? Devia ter comprado mais uma calça jeans... Não acredito, já são 5 horas, o voo amanhã é 11 ou meio-dia?

Precisamos ir na Tate.

Maria Ribeiro, 37 anos, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de elite e Tropa de elite 2 e é uma das apresentadoras do Saia justa, no canal GNT. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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