play

Debora Bloch: "A vida pode ser potente sempre"

por Lia Hama
Tpm #169

Aos 53 anos, a atriz vive as dores e as delícias da maturidade. Solteira, independente e em ponto alto da carreira, a atriz reflete sobre a passagem do tempo

"Entre com Debora Bloch em qualquer pista de dança no país e o DJ toca na hora ‘Bete Balanço’. É uma reverência absoluta a um ícone. Aí ela abre aquele sorriso imenso que todos amam e dança como ninguém”, conta o amigo, ator e diretor Guilherme Weber. Bete Balanço é o nome do filme de 1984 no qual Debora faz o papel de uma garota que sai de Minas Gerais e vai para o Rio de Janeiro em busca de sucesso como cantora. A música título é de Cazuza, responsável pela trilha sonora.

Aos 53 anos, Debora usa o mesmo manequim 38 da época do filme. “Mas tem peças que hoje só cabem na minha filha. Eu olho e penso: ‘Como é que eu já entrei nessa roupa?’”, conta a atriz dando risada em sua cobertura no Jardim Botânico, onde recebeu a Tpm. O corpo ainda jovial é mantido à base de pilates, natação e musculação. “Tenho prazer em fazer exercício físico e cuido da alimentação. Essa coisa da disciplina é herança dos tempos de balé na adolescência. E meu trabalho exige isso porque a TV te engorda, te aumenta.” A única cirurgia feita até hoje, jura, foi no osso do nariz, que foi suavizado.

No auge da maturidade, com um currículo de 11 novelas, 14 minisséries e seriados, 11 filmes e 12 peças, a atriz que estreou nos palcos aos 17 anos reflete sobre a passagem do tempo. “Envelhecer é uma merda porque a gente vive numa sociedade que cultua muito a juventude e não dá o devido valor à sabedoria e à experiência. Mas tem um lado bom: o tempo é um aliado do ator. Quanto mais vivência ele acumula, mais material ele tem para trabalhar. Estou me preparando há anos para um papel como o da Elisa, o mais difícil da minha carreira.”    

Elisa é sua personagem em Justiça, a elogiada minissérie que terminou de ir ao ar mês passado na Globo. Escrita por Manuela Dias e dirigida por José Luiz Villamarim, a obra é considerada um passo à frente na dramaturgia e na maneira de fazer televisão no Brasil, com quatro tramas independentes que se interligam. Debora faz a mãe que tem a filha (Marina Ruy Barbosa) assassinada pelo noivo (Jesuíta Barbosa) e quer se vingar dele. “A perda de um filho é a maior tragédia que uma mulher pode viver. Tive que visitar lugares de muita dor e sofrimento. Parecia que eu tinha levado uma surra nas filmagens”, desabafa.

Uma das inspirações veio de sua faxineira, Iracema, que teve o filho assassinado ao atravessar uma favela controlada por uma facção. “Confundiram ele com um cara de uma facção rival. Foi morto por nada e ficou por isso mesmo. Quantas mulheres no Brasil não passam por essa situação? Eu quis que essas mães se sentissem representadas em sua dor, em sua indignidade e em seu sentimento de injustiça.”

Assista o bastidores da entrevista no #TripTV.

Enquanto aguardava para gravar as cenas, Debora fazia crochê para não perder a concentração. “Quando o diretor grita ‘Ação!’, você tem que estar no estado do seu personagem. Se eu estivesse fazendo piada na hora do intervalo, não conseguiria chegar na dor da Elisa. Então o crochê serviu como uma espécie de meditação para manter o foco.”

Era de Aquarius
Como uma Geena Davis dos trópicos, Debora fala com entusiasmo de Aquarius, filme do diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho que concorreu à Palma de Ouro em Cannes este ano. Assim como a atriz americana, que encampou a conversa sobre gênero no cinema e na televisão fundando um instituto dedicado ao assunto, Debora comemora enquanto vê a pauta crescer no país. “Kleber prestou um serviço a todas as mulheres nesse filme. Ali você vê Clara [Sonia Braga], uma mulher de 60 anos, bela, independente, sexualmente ativa, sem precisar viver com um homem para ser feliz. Acho muito mala essa coisa da Bridget Jones, da mulher que passa a vida sofrendo, correndo atrás do príncipe encantado. Precisamos de mais Claras nas telas do cinema”, defende.

“A gente vive numa sociedade que cultua muito a juventude e não dá o devido valor à sabedoria e à experiência”
Debora Bloch

A atriz está solteira e mora sozinha em seu apartamento, após vários namoros e dois casamentos – um com o diretor de fotografia Edgar Moura e outro com o cozinheiro Olivier Anquier. Seus dois filhos com Olivier foram estudar nos EUA. Julia, 23 anos, cursa cinema em Nova York, e Hugo, 18, faz faculdade de design de games em Seattle. “Foi duro aceitar meus filhos saindo de casa porque dediquei muitos anos da minha vida a eles. Mas agora já me acostumei e tenho uma desculpa para viajar sempre. Mês que vem vou visitá-los.”

A atriz critica o machismo e o fato de mulheres mais velhas namorando homens mais novos – como foi seu caso com o ator Sérgio Marone  – virarem motivo de questionamento. “Quando eu tinha 18 anos, fiz par romântico com o Carlos Augusto Strazzer, que era da geração do meu pai, e ninguém falou nada. Agora, quando uma mulher mais velha namora um cara mais novo vira uma questão. Por que essa diferença?”

Amor e morte
Atualmente Debora se encontra em turnê pelo Brasil com a peça Os realistas, que estreou no início do ano no Rio. A atriz assistiu em Nova York ao espetáculo com texto do dramaturgo americano Will Eno e comprou os direitos para produzi-lo. “É o retrato de dois casais e como eles lidam com o amor, a doença e a proximidade da morte. Fala sobre os medos e as fragilidades de todo ser humano”, conta a atriz, que contracena com Mariana Lima, Fernando Eiras e Guilherme Weber. É a sétima peça produzida por Debora, que concorre ao Prêmio Shell de melhor atriz. “Produzir é uma forma de ter autoralidade sobre meu trabalho, de escolher o texto que vou dizer, a linguagem que vou utilizar e as pessoas com quem vou trabalhar”, explica.

“Quando uma mulher mais velha namora um cara mais novo vira uma questão”
Debora Bloch

“Debi usa o teatro e a TV para se alimentar. Quando Justiça estreou, liguei para dizer o quanto havia admirado sua atuação. Havia um comedimento e um realismo parecidos com o que ela faz em Os realistas, algo dificílimo de alcançar”, conta a atriz Fernanda Torres, sua comadre desde a época em que as duas acompanhavam os pais (Fernanda Montenegro, Fernando Torres e Jonas Bloch) nos bastidores da peça É..., de Millôr Fernandes, em 1977.

Dias de luta

Feminista, a favor da descriminalização das drogas e do aborto (ela conta ter feito um aos 20 anos), Debora vê com pessimismo o governo de Michel Temer: “Não me parece que essa gestão vá tratar algo de forma progressista. Mas tomara que eu esteja errada”. 

A atriz se diz assustada com o surgimento de um movimento “careta, reacionário e retrógrado” no país, após tantas lutas e conquistas no sentido da liberdade e da aceitação das diferenças. “Como ainda pode existir, nos dias de hoje, alguém com um pensamento fascista como o Jair Bolsonaro?”, questiona a atriz, que apoiou a candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio este ano. Normalmente Debora não costuma declarar seu voto, mas mudou de posição por causa do momento política e historicamente delicado. “Acho importante me colocar como cidadã porque não quero que a gente retroceda, quero que o Brasil avance”, explica.

Com vigor e energia de sobra, a atriz encara de frente o que a vida lhe traz. E conclui: “Enquanto eu estiver com saúde e subindo no palco, fazendo o que eu gosto, tá tudo certo. Assisti a um documentário sobre o José Samarago que mostra que ele só se tornou conhecido como romancista aos 60 anos. E, muitos anos depois, ainda ganhou o Prêmio Nobel. Então acho que ele é um exemplo de como a vida pode ser potente sempre. É isso o que eu busco”.

Créditos

Imagem principal: Daniel Klajmic

Estilo: David Pollak

fechar