Música para os seus olhos

por Nina Lemos
Tpm #2

Dado Villa-Lobos se mostra (com timidez e exclusividade) para as lentes da Tpm

Dado Villa-Lobos tem ojeriza à superexposição. Quando tocava guitarra na Legião Urbana, deixava para Renato Russo a luz dos holofotes. Mesmo assim, seu rosto bonito se transformou em uma das marcas da banda. Aos 35 anos, longe da fama e perto do paraíso pessoal, está low profile como nunca.

Ele esteve sempre cercado por amigos bacanas e groupies histéricas. Mas, quando acabavam os shows, não queria saber de nada. Na adolescência, “presidia” um tal “Clube da Criança Junkie”. Antes, “roubava motos, muitas”. Hoje tem dois filhos, uma empresa, mulher, casa na praia. Só não está mais tranqüilo porque o amigo Herbert não lhe sai da cabeça.

Dado Villa-Lobos recebe a Tpm no casarão onde funciona a sua gravadora, a Rock It, na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. Está de bermuda e camiseta. Vai logo oferecendo um café. Quem olha para a sua cara pensa que Dado, aos 35 anos, longe da fama como guitarrista da Legião Urbana, está feliz da vida. Também pudera: ele leva uma rotina calma, de fazer inveja a qualquer ser urbano. Para começar, a gravadora fica perto da sua casa. Seus filhos Nicolau, 13,  e Miranda, 11, fazem o percurso a pé e não raro trazem consigo Salvador e Bahia, os cachorros da família. Sua mulher, a designer Fernanda Villa-Lobos, com quem está casado há 17 anos, também aparece volta e meia. “A Fernanda manda na casa”, diz Dado. “Eu sou apenas consultor.” Vai ver é por isso que ele está tão tranqüilo...

“Sua vida está tranqüila, não?” A resposta vem rápida: “Você que pensa”. Apesar da calma aparente, uma tragédia sacudiu o castelo de Dado. Um de seus melhores amigos, quiçá o melhor, Herbert Vianna, ainda se recupera do acidente de ultraleve que sofreu bem em frente à casa do guitarrista, em Angra, no Rio de Janeiro – na ocasião, um domingo de sol, Dado recebia convidados para o aniversário de Fernanda. Ele viu a queda da aeronave e ajudou a retirar dos destroços o corpo de Lucy, a mulher de Herbert, que faleceu em razão do impacto do aparelho na água do mar. Traumatizado, começou a fazer terapia para superar uma estranha culpa que lhe acomete. No fundo, em lugar de tanta calma, vai levando os dias.
O acidente de Herbert não foi o primeiro baque na vida desse sobrinho-neto de Heitor Villa-Lobos e filho do diplomata Jayme Villa-Lobos. Aos 11 anos, quando morava em Paris [Dado nasceu em Bruxelas], descobriu que era diabético. Cuida da doença à base de “Coca-cola ou injeção de insulina”. Há 5 anos, outro choque: a morte de Renato Russo, vitimado pela aids.

Renato se foi, mas a Legião, no entanto, continua presente na vida de Dado – senão na vida, pelo menos na sua conta bancária, onde tem seu justo quinhão depositado com persistente regularidade. O último disco da banda, o duplo ao vivo Como é Que se Diz Eu Te Amo, vendeu 665 mil cópias em um mês. E o grupo ainda vende 150 mil discos de catálogo por trimestre, religiosamente.

Como Dado não tem vocação para viver de renda, prepara-se para lançar seu primeiro disco-solo, com a participação de amigos como Paula Toller. No disco, vai cantar pela primeira vez na vida. “Mas não sei ao certo quando vou lançar. Dei uma parada nos trabalhos desde o acidente do Herbert”, lamenta. “Fiquei com preguiça.”

Tpm. O ultraleve do Herbert Vianna caiu na frente da sua casa, e você entrou no mar para salvá-lo. Como foi passar por isso?
Dado. Foi um choque. Parecia cena de um filme. A Kathleen Turner e o Michael Douglas em O Caçador de Esmeraldas. Um casal cai no mar e parece que eles vão sair sorrindo. Quando vimos a queda, pulamos no mar e nadamos uns 20 metros para chegar até o avião. O desespero foi quando a gente tentou virar o cockpit e não conseguiu. Chamaram uma lancha para puxar o ultraleve até a areia. Isso demorou uns 15 minutos. Quando vi o avião sendo puxado de cabeça para baixo, bateu a realidade. Senti transtorno, confusão, adrenalina, tudo misturado. Fui sentindo a presença da morte chegando de forma muito rápida.

Como é a experiência de salvar alguém? Não tinha nada que a gente pudesse fazer que não fosse entrar no mar e tentar salvar os dois. Eu estava completamente doidão, na terceira caipirinha e na quinta cerveja. Passou na hora. Fiquei objetivo, sabendo o que tinha que fazer, mas ao mesmo tempo desesperado. Você tem controle sobre a ação e sobre o seu emocional. É tudo muito prático: “Vamos tirar isso de dentro da água já!”. Então, você usa todos os seus recursos físicos e psíquicos para fazer aquilo. Qualquer pessoa em uma situação parecida, sabendo nadar, se joga na água. É adrenalina. Depois, desabei.

É verdade que você ficou segurando a cabeça do Herbert até a ambulância chegar? Não, quem fez isso foi o Lui [cineasta e marido de Paula Toller]. Eu estava muito mal. Não conseguia me aproximar. O Lui é que teve a iniciativa de prestar os primeiros socorros e salvar a vida do Herbert. Eu fiquei péssimo. Quando tiraram os corpos do mar, não consegui mais agir. Saí sem rumo, fiquei chorando e andando igual barata tonta. Estava em pânico.

Entrou em depressão? Não foi uma coisa profunda, mas fiquei sem ânimo, sempre me perguntando para que fazer as coisas. Pensava: “Quer saber, eu não preciso disso, não vou trabalhar”. Aos poucos, voltei ao normal. Mas também percebi que a vida aqui está por um triz. É aquilo que dizem as escrituras antigas: somos pó, poeira e estamos no mundo por um fio.

Viver uma coisa assim mudou a sua vida?Até o dia do acidente, parecia que a minha vida estava seguindo um curso normal. Mas eu tenho isso: quando está tudo ótimo, imagino que vai acontecer uma coisa muito ruim. É por causa da ansiedade e da angústia – aliás, acordo ansioso todos os dias. 

Você se sente culpado pelo que aconteceu? Não é exatamente culpa. Mas eu que o convidei para vir na minha casa, no aniversário da minha mulher. É chato pra caramba. Era um domingo ensolarado, aniversário da Fernanda...

Por falar na Fernanda, você está casado com ela há 17 anos, não é? Isso é difícil? Eu dei muita sorte na vida de ter encontrado a Fernanda, uma pessoa com quem eu me dou tão bem. Com ela construí uma relação de troca e criamos uma família, uma vida dentro do que a gente acha legal. Começamos praticamente com uma mão na frente e outra atrás e hoje temos uma vida totalmente dentro do que a moral judaico-cristã espera, com propriedades, bens. Isso é fantástico, o show da vida.

Você já pensou em se separar? Não. Mas é claro que existem momentos de crise. E nessas horas eu tendo a ser um idiota completo. Acho que às vezes você precisa de um retiro para entender as coisas. Não sou de discutir relacionamento. Então, eu posso ser frio como um cubo de gelo.

Você é fiel? Se estou de dieta, posso olhar o cardápio – mas não vou comer.

Com 35 anos, você acha que é uma pessoa madura? Na verdade, agora que eu estou virando um adulto. Estou começando a mudar certos comportamentos, deixando de lado certas coisas juvenis. Não acho mais que vou mudar o mundo. O que você pode mudar é você mesmo. E isso já está muito bom. Você passa a relativizar mais as coisas, a ser mais compreensivo. Mas não consigo aturar certas coisas. Não suporto traição e mentira, principalmente por parte de amigos. Viver conflitos éticos e morais faz parte da vida adulta, mas você precisa ficar mais seletivo, perceber que não pode mais ser amigo de certas pessoas. É bacana amadurecer.

Você era muito rebelde na adolescência? Eu era um delinqüente juvenil.

Mas o que você fazia? Roubos em geral. Roubava motos, mobiletes, muitas. Isso em Paris. Meu pai era diplomata, e eu morei lá dos 11 aos 14 anos. A gente tinha uma turma de franceses e brasileiros e roubar era a nossa diversão. Uma vez o meu irmão foi preso! Mas foi igual ao Brasil, meu pai chegou lá, falou que era do corpo diplomático e ele foi solto.

Você chegou a Brasília com 14 anos. Continuou a roubar? Não, lá era mais droga mesmo. Uma época eu morava com o Dinho [vocalista do Capital Inicial], meu irmão e o Ico, irmão dele. Ficávamos o dia todo lá jogando xadrez. Um dia um amigo tocou a campainha e falou: “Sabia que tem um pé de beladona [planta que serve como analgésico, mas, em doses elevadas, causa alucinações] na portaria do seu prédio? Descemos correndo e fizemos um chá para tomar naquela hora mesmo.

E o que mais vocês tomavam? Chá de cogumelo, bola de farmácia com álcool, um monte de merda. Brasília favorecia esse tipo de coisa, era um lugar calmo. Nos sentíamos os donos da cidade. Ao mesmo tempo que nos drogávamos, também ligávamos o equipamento de som em qualquer lugar, dávamos festas. Sentíamos o pleno gosto da juventude. E as drogas tinham tudo a ver com isso.

O Renato Russo falava que você era o presidente do Clube da Criança Junkie. O que era isso? Eu era muito baixinho, pequenininho, e era um delinqüente. O Renato era mais velho, tinha 19 anos, e eu, 15. Mas ele se achava um cara adulto, já na faculdade. Um dia ele falou para mim: “Você não devia estar fumando cigarro”. E ele era uma chaminé, né? Mas dizia: “Você está em fase de crescimento, vou fazer uma analogia [Dado levanta-se e começa a imitar o Renato andando]: é como se o seu pulmão fosse um cimento fresco. Cada vez que você fuma, ele fica marcado. Quando seca, as marcas ficam para sempre. Comigo não, eu sou um homem feito, é mais difícil de marcar, o cimento já está duro”[risos].Qual é a sua relação com as drogas hoje? Eu acho maconha uma ótima. Não vejo o menor problema. Acho que é uma droga que dá paz, devia ser liberada e comercializada. Acho que álcool e cigarro são muito mais perigosos. Absurdo é cachaça ser vendida tão barato. Mas interessa para o país que as pessoas pobres fiquem bêbadas e entorpecidas, né?

Diabético não pode beber e você enchia a cara – como era? Eu vivia desmaiando! A gente ia para as festas, eu bebia e desmaiava no quintal. Meus amigos já ficavam um olhando para a cara do outro falando: “hoje é a sua vez de pegar o desmaiado”. “Ah, vai lá e pega aquele idiota que tá caído no chão”.

Depois da fase com a Legião, como foi perder a condição de pop star? Eu acho um horror essa coisa de culto a celebridades, de revista Caras. Então, nunca sofri essa síndrome do astro que “já foi”. Tenho o meu trabalho, a minha vida. E eu sempre levei uma rotina normal. Tinha turnê, mas assim que acabava eu vinha embora para casa e pronto, vida normal. Mas algumas coisas assustavam, é claro. Uma vez eu comecei a usar um colar de búzios que a minha mãe me deu. Cheguei em um show e vi um monte de gente com colar igual. 

Era muito difícil lidar com o Renato Russo? O absurdo é que, nas nossas turnês, os surtos dele eram sempre no Nordeste. A gente ia para a praia, e ele trancado no quarto. Quanto mais a gente ia ficando bronzeado, mais o Renato ficava verde [risos]. Mas ele sempre foi uma pessoa coerente na loucura dele.

Você é um homem vaidoso? Eu sou vaidoso pra caramba. Fico preocupado em tirar foto, em sair bem. Faço natação, um pouco de musculação. Até por causa da diabetes é bom que eu faça esportes. Mas eu nunca pensei muito nessa coisa de beleza. Eu não pensava que o Renato era feio. Só pensei nisso quando as pessoas falaram que ele era.

Além desses exercícios, você continua jogando bola com o Chico Buarque? Faz uns seis meses que eu não vou lá. O Chico, cara, além de montar o time dele, monta o do adversário. Então, ele manda nos dois. E, sempre que você vai, toma uma coça. Eles são malucos. Eu fui tocar com os Paralamas no Directv, em São Paulo, e o Chico estava tocando no Credicard Hall. Eu estava no camarim e recebi um telefonema do Vinícius França [empresário de Chico]. Ele falou: “Vamos jogar uma pelada depois do show no lugar tal”. Eles são loucos! Em vez de sair para beber e comemorar o show, eles saem para jogar. Acabou o show, cada um pega sua sacolinha com o uniforme [Dado levanta e imita a trupe] e vai jogar em uma quadra enorme, profissional, com o Sócrates, não sei o quê...

Você tem projeto de lançar um disco-solo? Eu chamo de disco subsolo. Tem uma coisa legal, de underground, do que vem de baixo, que brota. Alguns amigos estão fazendo as letras. Não consigo escrever, pegar o lado emocional e transformar em frases. No disco, eu vou cantar pela primeira vez. Mas dei uma parada desde o acidente do Herbert. Estou com preguiça...

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