No ar que eu respiro

por Fernando Luna
Tpm #169

Tudo o que é sólido se desmancha no ar. Exceto as micropartículas de poluição, que vão parar no seu, no meu, no nosso pulmão

Tudo o que é sólido se desmancha no ar. Exceto as micropartículas de poluição, que vão parar no seu, no meu, no nosso pulmão – e causam 3 milhões de mortes por ano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

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Respira fundo: 92% da população mundial inspira ar impróprio. Noventa e dois. Como chegamos a este ponto? Não foi fácil, e tem gente alertando há tempos.

O primeiro whistleblower da causa ambiental talvez tenha sido o quase famoso Alexander von Humboldt, que anteviu o desastre quando a Revolução Industrial mal colocava em funcionamento seus primeiros motores e carvoarias.

Andrea Wulf, autora da recém-lançada biografia do naturalista alemão, A invenção da natureza, defende seu pioneirismo. “Em 1800, ele previu como os humanos iriam provocar as alterações climáticas”, disse ao jornal português Público. “Há 200 anos, avisou que iríamos destruir a natureza. Há uma altura em que escreve no seu diário que um dia iremos ocupar outros planetas, e iremos destruí-los e torná-los tão devastados e estéreis como fizemos à nossa própria Terra.”

Humboldt defendia, muito antes de WWF, Avatar ou da abertura das Olimpíadas do Rio, que a vida é uma rede interligada.

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Hoje é fácil reconhecer que ele tinha razão.

Qualquer criança aprende que um engarrafamento paulistano dá sua contribuição milionária para o aquecimento global e o derretimento da calota polar.

Mesmo assim, a agenda ambiental avança em ritmo mais lento que as catástrofes ambientais: enchentes estão mais frequentes, secas mais longas, furacões mais poderosos, nível dos oceanos mais alto, camada de ozônio mais esburacada, ar mais irrespirável. O imediatismo se concentra no aluguel no fim do mês e se esquece do mundo 2 graus mais quente em algumas décadas.

Se a civilização produziu a Ilíada, o curry, Godard, o pé esquerdo da Marta, Cat Power e o Tinder, seu efeito colateral é devastador e deixa marcas no planeta. Os geólogos querem batizar nosso tempo de Época dos Humanos, o Antropoceno.

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Ironia: a Época dos Humanos não é boa para os humanos, nem para o planeta. Está na cara. Está no ar, está diante do seu nariz e dentro dele. Está na reportagem “Deu Ruim”, da página 54 da Tpm #169.

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