De volta ao ponto de partida

por Noor Shakouj

Noor conseguiu ajuda e não voltará para a Síria. Apesar de todas as dificuldades que enfrentou até agora, ela não pretende desistir

Noor não suportou a possibilidade de ir para um acampamento longe da fronteira com a Grécia. Ainda mais sem os amigos. No ônibus a caminho de Istambul, de onde saiu há quatro dias, teve algumas chances de fugir. Se mandou quando viu que tinha alguma segurança. 

18 de setembro, 2015. Quarto dia.

Estávamos naquele ônibus há algumas horas e não havia mais nada que pudéssemos fazer. Aos poucos as pessoas foram caindo no sono. 

Acordei e faltavam 250 quilômetros para chegar a Adana, o último ponto antes de Osmaniye e do acampamento. Nessa hora, a polícia entrou no ônibus e disse, sem detalhes, que era para ficarmos calmos que já estavam chegando ao nosso destino. Mais uma vez, fui a tradutora. A partir dali, eles pararam de seguir o ônibus. 

O motorista se mostrou disposto a ajudar e foi direto com a gente: 'eu posso deixar vocês escaparem, mas vou ter que ligar para a polícia depois de 10 minutos', propôs. 

Seria impossível fugir da polícia, no meio da estrada em 10 minutos. 'eles vão nos pegar', dizíamos. Sabíamos que ninguém pararia para dar carona, nenhum outro ônibus ou carro. Não tinha escapatória. Mesmo assim, quatro das 40 pessoas que estavam no veículo resolveram tentar a fuga. A polícia foi realmente avisada e voltou. Antes de perseguirem os 4, avisaram: 'Não tentem fazer essa situação ainda mais difícil para vocês e para nós'. 'Vamos capturar essas pessoas que fugiram e ao invés do acampamento, elas vão parar na cadeia. Somos vizinhos, estamos tentando ajudar', disseram sem nenhuma delicadeza. 

Foram embora de novo e o motorista, mais uma vez, se colocou do nosso lado. 'Eu sei que estou fazendo coisas erradas, mas posso deixá-los escapar de novo em Adana, no centro da cidade. Ligo para a polícia e digo que fui forçado a fazer isso'.  Dessa vez, todos concordaram. Seria muito mais fácil de esconder numa cidade do que no meio da estrada. 

Quando desci daquele ônibus, eu não tinha n-e-n-h-u-m dinheiro e estava sem bateria no celular. Parei para ajudar algumas pessoas que não falavam turco a comprar um cartão de telefone, comida e passagem de ônibus. Estava com muito medo. Ainda estávamos na estação de ônibus, a polícia podia chegar a qualquer momento e iríamos todos presos.

Tive que pedir dinheiro. O motorista do ônibus me deu 20 liras e ainda me agradeceu pela ajuda que tinha dado com as pessoas, traduzindo o que era necessário. Me afastei da estação e pude finalmente comer um sanduíche. Estava em jejum há muitas horas. 

Reparei que havia polícia em todos os lugares. Vivi minutos de pânico. Um grupo de policiais chegou a me parar. Respondi em inglês. Acharam que eu não era síria e não me pediram documentos. Ainda bem! 

Carreguei meu celular e liguei para uma família de conhecidos do meu pai na Síria. Sabiua que eles tinham amigos naquela região, me deram o telefone de um senhor e ele veio me resgatar, mesmo sabendo que eu estava fugindo da polícia. Ele também é sírio e está vivendo na cidade há alguns meses com sua família. Fui para a casa dele, lá me deram comida e pude tomar um banho. Me deram também mais 150 liras (cerca de 50 dólares), dinheiro com o qual pude comprar uma passagem de ônibus de volta para Istambul. Chego lá amanhã pela manhã. Soube que Diala e Mulham também voltaram para lá. Nos reencontraremos amanhã e devemos começar tudo do zero nos próximos dias. Não posso e não vou desistir agora. 

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