por Luciana Obniski
Tpm #127

Nem só de grana, fama e Marcelo Adnet vive a melhor humorista do País. Ainda bem

A vida imperfeita de Daniella Maria Giusti Adnet é... perfeita. Ela é casada com um dos melhores humoristas da TV brasileira. Ela comanda dois dos programas de maior sucesso do canal em que trabalha. Ganha mais dinheiro do que jamais teve, é famosa, é assediada profissionalmente, é elogiada pelos colegas, mas...

Mas, ainda assim, falta tanta coisa.

Porque a vida perfeita de Dani Calabresa é... Bem, é imperfeita. Ela é casada, sim, mas quase não tem tempo de curtir o marido. Ela tem dinheiro, claro, mas não é tanto assim. Ela é famosa, não há dúvida, mas vive assombrada por ofertas de emissoras maiores, pela dúvida entre ficar e arriscar, entre ter liberdade e ganhar mais – “recebo proposta de outras emissoras todo ano, recebi da Globo este ano também. Sempre analiso com cuidado. Não sei o que vai acontecer, vou decidir na época do Natal”, diz [atualização: Calabresa confirmou o boato de que ela iria para a Band. Ela assinou contrato com a emissora paulista para integrar a bancada do programa CQC em 2013]. Ela não era popular nem engraçada na escola, engordou 12 quilos na faculdade, tem uma pedra no rim, tem medo de dirigir e, há pouco tempo, passou pelo trauma de ver de perto uma morte dramática.

Rir de si
Horrível? Banal? Sem graça? Sim, a vida é mesmo tudo isso. Mas sabe do melhor? É precisamente disto – dos azares que fazem a gente tropeçar e cair do salto, das pegadinhas da rotina, das pessoas que tiram sarro –, das tristezas e das alegrias comuns, que Dani Calabresa tira a inspiração para fazer humor. “Ninguém é bonito o tempo todo ou feliz 24 horas por dia”, diz. “E isso, pra mim, é material de trabalho. Não acho tão ruim quando algo dá errado.”

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Mas que tipo de coisas, afinal, dão errado na vida de quem vive de fazer graça de coisas que dão errado? “Ah, sou meio ‘desastradinha’”, assume. Não se define como azarada, mas como um “ímã de louco”. Nem mesmo Dani acredita em parte das coisas que acontecem com ela. “Outro dia fui pegar um táxi e o taxista de trás pediu que eu fosse com ele. Fui. Só que o táxi quebrou, tive que pegar outro, atrasada, na chuva”, lembra. “Antes isso me deixava puta. Hoje, fico imaginando ‘quando eu contar, ninguém vai acreditar’.”

E ela conta os tropeços para muita gente, em suas apresentações – e todo mundo acredita. “Percebi que as pessoas se relacionam mais com as histórias verdadeiras. Quando acontece de verdade, na vida real, eu acho mais engraçado.”

Nessa “vida real”, Dani Calabresa atende por Daniella Maria Giusti Adnet, 31 anos, uma coleção de nomes que ela pouco usa. A verdade é que nunca fez muita questão de ser conhecida desse jeito. Não é falta de amor pelo RG. O que a afasta do sobrenome é a proximidade que sente de Dani Calabresa, o apelido que ganhou de crianças quando trabalhava como monitora de festa infantil. A dicção cheia de erres puxados, passada pelo filtro cru da molecada, rendeu a ela primeiro o batismo de “Tia Pizza”. Depois, Calabresa.

 

“Sou contra o humor que agride. Se ofendesse alguém de verdade, pediria desculpa. E ainda iria para casa envergonhada”

 

O sotaque é umas das heranças da família italiana. Outra é o volume altíssimo com que diz o que diz. Por fim, o gestual, sempre regendo as frases exageradamente com as mãos. Não faria sentido, portanto, separar Dani Calabresa e Daniella Giusti. São uma só. Até porque boa parte das piadas da atriz vem da intimidade – e ela não vê problema nisso. “Para mim, humor inteligente é saber rir de si mesmo”, diz.

Dani nasceu em São Bernardo do Campo e foi criada em Santo André, no ABC Paulista. Ela lembra que chorava de rir quando a mãe, a dona de casa Marlene, vinha das reuniões de condomínio. “Ela imitava a síndica, a velhinha que reclamava...”, conta. “Meu pai [Cláudio, engenheiro químico aposentado] também é engraçado, mas sem querer ser, e a Fabiana, minha irmã [advogada], é daquelas que dão umas tiradas inteligentes, sabe?” Sabemos. Principalmente porque a humorista exibe essas facetas nos programas de que participa, o Furo MTV e o Comédia MTV.

Lilian Amarante, diretora do núcleo que engloba as duas atrações, diz que a versatilidade da atriz foi uma das coisas que mais chamaram a atenção do canal. “Contratamos a Dani para o Quinta categoria, em 2008, mas a gente só foi ver mais tarde que o que ela mostrava não era nem metade dos seus talentos”, afirma. “Resolvemos criar um programa em que pudesse mostrar esse humor rápido. Fomos atrás de um parceiro, achamos o Bento [Ribeiro] e nasceu o Furo MTV. Mas a Dani também é muito boa imitadora, roteirista... Ela faz todas as coisas muito bem”, opina.

A rapidez para inventar piadas e rebater Bento Ribeiro responde por parte do sucesso do programa, que repercute as notícias do dia. Muito do que é falado no Furo é improvisado. Bento conta que é comum a colega ter crises de riso. “Todos já sabem. Se a Dani começar a rir de chorar... Tem que parar a gravação. Daí ela toma água, vai ao banheiro... E todo mundo volta dez minutos depois.”

Agenda cheia
No dia em que a reportagem da Tpm acompanhou a gravação, Dani tirava sarro da própria festa de aniversário. Ela relembra a bronca que tomou de uma funcionária da boate: “A mulher achou que eu tava tentando furar a fila do caixa e falou: ‘Você acha que é melhor do que alguém aqui?’”, conta, com voz fina e irritada. “Mas o dono que disse que eu podia passar na frente porque era a aniversariante!”, explica.

Fazer piada de si mesma é um de seus traços mais evidentes. Ela diz que prefere que riam da vida dela a ofender alguém. “A gente zoa o programa dos outros, mas fala mal da nossa audiência”, explica. “Por isso, ninguém se sente atacado pelas piadas. Sou contra o humor que agride. Se for piada, tudo bem, mas, se fica sério, perde a graça. Se algum dia ofendesse alguém de verdade, pediria desculpa. E ainda iria para casa envergonhada.”

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As piadas de Dani Calabresa têm passado invictas. Seu jeito de fazer graça agrada e só faz... rir. Prova disso são os cinco shows de stand-up por semana – participa, em São Paulo, das exibições do Comédia ao vivo, grupo que criou em 2006, e de festivais cariocas. Além disso, faz aparições como mestra de cerimônias, com cachês que podem alcançar 15 mil reais. “Nunca achei que fosse chegar aonde cheguei”, diz. “Mas isso não quer dizer que acabou. Agora preciso encher os shows, buscar patrocínio, fazer testes para longas... Nunca acaba.”

 

“Ninguém é bonito o tempo todo ou feliz 24 horas por dia. e isso para mim é material de trabalho. Não acho tão ruim quando algo dá errado”

 

Quando consegue um tempo, Dani aproveita o apartamento que aluga em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, com o marido, o colega de profissão Marcelo Adnet. Os dois se conheceram em 2008, na MTV. Casaram em 2010 numa cerimônia tradicionalíssima. “Fiz questão de casar na igreja”, afirma. “Tem gente que diz que é cafona. Eu acho importante.”

O casal divide uma rotina intensa de trabalho. Dividir o mesmo trabalho, aliás, é um tema delicado na vida da dupla. A carreira de Adnet extrapola cada vez mais suas funções na MTV. Ele é talvez o mais talentoso comediante em atividade no Brasil. No mês passado, foi protagonista pela primeira vez de uma grande produção no cinema (Os penetras, de Andrucha Waddington). A sombra do marido e a competição dentro de casa seriam capazes de esfriar a rotina a dois?

“Primeiro que não acho um melhor que o outro”, Dani inicia. “Depois, somos diferentes. O Adnet pode fazer muita coisa. De apresentador de TV até ator de novela. Acho que ele tem potencial para ser um Silvio Santos. Então, não tem competição. E ele vai fazer o quê? Roubar uma imitação minha? Não, né?”

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Na entrevista, fica claro que a rivalidade de talentos não desembarca no ambiente doméstico. Por um motivo singelo: a comédia faz parte da rotina da dupla. É um negócio... simples. Natural. “Eu nunca pensei em fazer outra coisa da vida”, afirma Dani. “Quando o Adnet estourou antes de mim, ele me apoiou. Não tem competição entre a gente.”

O pouco tempo que passam longe das gravações é dedicado ao sofá. “Temos uma vida de casal normal”, ela conta. “Adoramos séries americanas, como Homeland, que é um drama, e a comédia Raising hope.” TV aberta, só como referência. “Gosto de Jô Soares e adoro ver o Faustão na ‘Dança dos famosos’. Ele sabe que aquilo é cafona, que não faz sentido o Francisco Cuoco competir com um menino da Malhação. Mas fica lá, tirando uma com a cara de todo mundo...”

Viajar também é um gosto em comum. “Fazemos uma grande viagem por ano. Mas ainda não compramos apartamento. Queremos ter um no Rio e outro em São Paulo, então talvez a gente comece por lá. Mas, até a gente casar, passamos dois anos dormindo no meu quarto de A pequena sereia, na casa dos meus pais!”, conta. “Então, morar de aluguel já tá ótimo!”

Não há mesmo espaço para grandes planos pessoais do casal. Dani pensa em ter um filho desde que o sobrinho Luigi, 1 ano e meio, nasceu. Mas não cogita engravidar agora. Só daqui a três anos. “E, olha, eu não tinha medo de não conseguir engravidar até você me perguntar... Valeu, hein”, ela diz. “O negócio é que nossa rotina agora não permite. Quero trabalhar mais pra poder tirar um ou dois anos só pra ficar com o bebê, porque sei o trabalho que dá.”

Enquanto isso, a vida em casa corre no sofá, diante da TV, sem rivalidades, sem filhos. E longe da cozinha. Questionado, Marcelo Adnet entrega um dos pecados domésticos da companheira. “A Dani não cozinha de jeito nenhum! Ela não sabe fazer nada. Eu cozinho... E ainda lavo parte da louça.” A falta de habilidade com a cozinha fez Dani descuidar da saúde. “No último ano, comi muito miojo e sopa em lata”, ela conta. “Não tinha noção de que fazia tão mal, que tinha tanto sódio. E eu sou sedentária, para piorar. Vivo querendo começar a fazer pilates, mas ainda não consegui.”

Consequência ou não da má alimentação, o fato é que uma pedra no rim a fez ter dores horríveis quando foi gravar edições especiais do Furo MTV durante a Olimpíada de Londres. A crise renal, porém, não foi o primeiro nem o maior de seus problemas de saúde. Aos 20 anos, quando cursava publicidade na Belas Artes, em São Paulo, Dani começou a ter dores no cóccix. Descobriu que precisaria retirar um cisto pilonidal (um pequeno tumor no fim da coluna cervical causado por pelos que crescem para dentro do corpo). “Mas aí eu tinha uma apresentação importante de dança do ventre, que fazia junto com as aulas de teatro”, explica. “Não queria perder. Então, me botaram um dreno e fiquei lá, tremendo a pança e pensando: ‘Ai, meu Deus, imagina se descobrem que tem um dreno embaixo dos lenços’.”

 

“A vida é uma só. Não vale a pena perder tempo tentando ser perfeito”

 

Depois que operou, passou quatro meses indo para a faculdade de ônibus, ajoelhada no banco. “Durou tanto tempo que a piada dos colegas até acabou”, diz. “Eu assistia às aulas de joelho.”

Dani concluiu o curso. E ganhou 12 quilos. “Sempre fui magra, engordei nessa época, quase um mês o tempo todo deitada. Nem percebi. Cheguei a ouvir comentários maldosos em stand-ups, mas não foi um grande problema. Só percebi o quanto engordei depois que já tinha emagrecido.”

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A mãe explica que a filha dificilmente se abala diante das opiniões alheias. Ou não demonstra. “Ela é muito guerreira”, diz dona Marlene. “E é desde garotinha. Nunca achei que fosse fazer uma carreira por ser engraçada. Eu a incentivei a desenhar, porque o outro sonho dela era ser desenhista da Walt Disney.”

Dani de mau humor
Depois de anos apresentando comédia stand-up em bares, ao lado de outras promessas, como Danilo Gentili, um de seus melhores amigos, Dani entrou no SBT fazendo participações tímidas no programa de comédia Sem controle. Mais tarde, ganhou um quadro no programa do Ratinho. “O Ratinho é demais”, ela afirma. “Fiz de tudo: imitação, comentava as matérias... Era divertido. Gosto mesmo do Ratinho. Ele ajuda o povo que não tem voz. É um justiceiro dos nossos tempos.”

Hoje, o trabalho que faz na MTV repercute em outras emissoras. “Em 2011, a Globo me chamou para fazer parte do Casseta & planeta, mas eu não gosto do programa”, diz, na lata. A permanência na MTV, na verdade, envolve fatores quase nada ligados ao dinheiro. Estima-se, no mercado, que ela receba R$ 10 mil mensais. “Tem pouca grana, mas a gente tem uma relação de família. Tenho medo de acabar num lugar em que não conheço o produtor, em que vão vetar algumas piadas. Aqui a gente tem liberdade total”, explica. “Isso faz muita diferença na qualidade do trabalho.”

Quem vê Dani Calabresa falante na TV não imagina que a mulher despachada foi uma menina tímida, não muito engraçada nem popular – e que não sente saudade do colégio. “Era um inferno”, diz. “Não tinha muitos amigos, e os meninos me zoavam porque era amiga da única hippie. Ah, e eu tinha rinite e bronquite, então estava sempre com o nariz escorrendo e uma bombinha de asma na mão... Era um alvo fácil.” Ainda assim, Dani explica que isso pouco a afetou. “Cara, posso falar a verdade? Problema de quem não me entende... Eu sou uma puta pessoa legal. Sou amiga, verdadeira, companheira... Faço tudo pelos meus amigos. Então, não perco e nunca perdi tempo com quem quer me criticar.”

Logo no começo da fama, a humorista exercitou esse desapego diante das opiniões da multidão. “Não me preocupo mesmo. A internet fez com que todo mundo pudesse falar qualquer coisa anonimamente. Por isso acho a Luana Piovani demais. Ela gasta o tempo dela respondendo críticas no Twitter, mas fala umas verdades pro povo. Se ela quiser se defender da mídia, vai lá e escangalha todo mundo.”

E o que rouba o bom humor de Dani Calabresa? “A violência de São Paulo. Que mundo é esse em que a pessoa agradece não ter tomado um tiro na cara?”

“Tenho muita sorte”
Dani morre de medo de dirigir. E acha que a trava começou aos 7 anos, quando foi deixada na escola até a noite. “Minha mãe atrasou muito. Até que uma vizinha apareceu. Quando cheguei em casa, vi um monte de carro de polícia e minha mãe com um cobertor... Ela tinha sofrido um sequestrorelâmpago. E o pior é que ela também não dirigia. Mas é tão cagada que tava na rua, conversando pela janela do carro de uma amiga, quando os ladrões chegaram e mandaram ela entrar”, diz... rindo.

Durante toda a entrevista, Dani riu. Riu da graça e da desgraça. É talvez seu traço mais evidente: uma risada contagiante, dessas que causam imediata simpatia. Dessas que tornam o ambiente mais leve.

Houve um único momento capaz de roubar esse traço dela. Foi quando surgiu a lembrança de outro episódio, esse mais recente. “Tive uma segunda mãe, uma babá”, conta. “A Zita me criou desde os 9 anos. Há alguns anos, ela descobriu uma traição do marido. Pegou o filho, um menino honesto, que trabalhava com o meu pai, e foram morar num outro bairro, mais perigoso.” Meses depois, o menino foi assassinado. “Foi a maior tragédia que já me aconteceu”, diz Dani, às lágrimas. “Fui ao enterro. Muito triste. E é aquela história: ninguém sabe o que aconteceu, não tem justiça. Minha vó morreu há três anos, mas ela já estava velhinha, tinha Alzheimer. Foi quase um alívio. Mas quando o cara é novo, é uma vida toda perdida, né? A Zita, ela é uma pessoa de ouro, sabe? Mas nunca mais foi a mesma.”

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É nessas horas que ela afasta de vez a possibilidade de uma vida perfeita. “Olho a minha vida e vou reclamar do quê?”, diz. Mas nem o episódio triste, que a faz repensar a vida, é capaz de tirar a alegria que escolheu ver em todas as situações. E, por fim, pede: “Escreve aí que eu sou feliz. Tenho muita sorte... Senão vai parecer que eu só reclamei, né? E a vida é uma só. A gente tem só uma chance. Não vale a pena perder tempo tentando ser perfeito”.

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