Uma série médica feita pra brasileiro ver (finalmente!)

por Bianka Vieira

Menos médicos bonitões e mais histórias reais: ”Unidade Básica”, que estreou nesse domingo, retrata a realidade das UBSs brasileiras

Quando Ana e Helena Petta escolheram o que estudar na universidade, jamais imaginariam que um dia suas vidas profissionais viriam a se cruzar. Enquanto Ana foi para a Escola de Arte Dramática da USP, sua irmã, Helena, vislumbrou o futuro na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Mas o que pareciam caminhos irreconciliáveis chegaram a um ponto comum quando as duas decidiram misturar realidade e ficção na série médica Unidade Básica.

Fugindo do estereótipo americano de médicos bonitões que vivem a desvendar casos raros e ainda dispõe de energia para se envolver em intensos dramas amorosos, Unidade Básica é um retrato do serviço público de saúde do Brasil — ou dos “postinhos”, como são popularmente conhecidas as unidades básicas de saúde — com os pés na realidade. “Geralmente as séries médicas falam de grandes hospitais e das emergências, mas, pela primeira vez, retratamos o universo de atenção primária, onde os casos acontecem de maneira mais viva e até mais complexa”, afirma Helena, médica especializada em infectologia que trabalhou por cinco anos em uma UBS e hoje produz a série ao lado da irmã.

Ao abordar problemas como diabetes, hipertensão e HIV, a série se propõe, mais do que buscar uma identificação com o brasileiro, a confrontar dois modelos de entendimento da medicina. De um lado há Laura, médica recém-formada que vê na UBS uma alternativa provisória até que consiga se especializar em radiologia. “Ela tem uma formação tradicional e ao chegar na unidade começa a perceber que aquela formação não dá conta da realidade encontrada por lá", diz Ana Petta, que interpreta a personagem. "Ela é uma médica que analisa a situação, faz o diagnóstico e encaminha para um especialista ou para um tratamento, e é só.”

Quando chega na Unidade, a meticulosidade técnica de Laura entra em conflito com as práticas do médico Paulo. Interpretado por Caco Ciocler, o personagem representa um modelo de medicina em que o paciente não é visto como algo segmentado. “O Paulo olha para o paciente como um todo, inclusive a sua vida emocional, particular e familiar. É um médico que acredita na medicina de família e que escolheu estar na UBS porque gosta daquele universo”, diz o ator.

Conhecido por seu método particular de resolver as coisas, o ator não nega a inspiração no excêntrico Dr. House para a criação de Paulo. “Eu diria que ele é um House às avessas. Eu pego a mesma ironia, irreverência e essa coisa de não medir consequências para descobrir o que está acontecendo. Mas, se para o House o paciente atrapalha seu trabalho porque ele está interessado somente na doença, o Dr. Paulo faz uma aposta no caminho oposto”, afirma.

Para Helena Petta, as diferentes racionalidades médicas e formas de abordagens para com os cuidados de saúde, principalmente as desempenhadas por Laura, espelham os estudantes que acabam de sair de uma faculdade médica tradicional. “Quando eu fui trabalhar na Unidade Básica de Saúde, percebi que precisava abordar alguns assuntos de maneira diferente do que eu aprendi, senão não conseguiria chegar num bom resultado”, conta. Apesar do tipo de formação difundida pelas universidades, ela acredita ser fundamental a vivência em outros ambientes — como as próprias UBSs — para que o médico possa desenvolver “um lado mais doutor Paulo”. “É claro que tem coisas que o doutor Paulo faz que são questionáveis e que eu nunca faria”, brinca. “Ele não é um médico perfeito e também tem as suas contradições”.

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Com roteiro de Newton Canitto, o processo de criação dos episódios traz histórias reais, obtidas através de um longo processo de pesquisa que contou, inclusive, com um laboratório de 15 dias realizado pelos atores. “Nós ficamos em uma unidade do Brás [bairro paulistano], onde acompanhamos consultas domiciliares, procedimentos médicos e outros trabalhos de rotina”, explica Ana.

Dos que participaram da experiência, Caco Ciocler se diz um dos mais surpreendidos — ele nunca havia utilizado o serviço público de saúde anteriormente. “Sempre que a gente pensa em saúde pública, pensamos em caos e emergência, e não foi isso o que eu vi. O que eu vi foram médicos e enfermeiros muito preparados, queridos, atenciosos e humanos, além de UBSs organizadas e limpas”, diz.

Para ele, um dos principais pontos trazidos pela série está na valorização do serviço de prevenção realizado por médicos em UBSs em todo o país. “É um raciocínio básico. Quanto mais saudáveis as pessoas forem e mais bem cuidadas preventivamente, menos o país vai gastar com saúde e mais as emergências serão desafogadas”, afirma em referência não só aos serviços locais, mas também ao atendimento domiciliar oferecido por esses médicos. “É uma questão de inteligência política, econômica e social e, mais do que isso, de afetividade e empatia com as pessoas. Para mim, parece ser um caminho óbvio a ser seguido”, completa.

Representatividade feminina
Para Helena Petta, a participação feminina foi uma questão importante durante o desenvolvimento da série. Além da equipe médica ser liderada por uma mulher negra, interpretada pela atriz Carlota Joaquina, a UBS fictícia traz o nome de Cecília Donnangelo, pioneira na construção teórica do pensamento social em saúde nas décadas de 70 e 80.

“Os nomes de unidades e hospitais costumam fazer homenagens a grandes médicos homens, e, embora a Cecília Donnagelo não fosse médica, ela era uma cientista social que escreveu muito sobre a questão da saúde e a relação da sociedade com ela, exaltando a característica mais humana ao invés da mercantil”, explica.

Unidade Básica será transmitida pelo Universal Channel aos domingos, a partir das 22 horas. Abaixo, assista ao teaser da série.

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Créditos

Imagem principal: Divulgação / Universal Channel

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