Não é possível viver no Carnaval o tempo todo!

por Gaía Passarelli

”A chatice da vida é absolutamente necessária para que você possa ir em frente”

Às vezes eu tô viajando e bate uma vontade doída de estar casa. Não significa que a viagem esteja ruim ou que a companhia tenha cansado.

Em especial nos tempos difíceis, tensos e bicudos como esses que estamos vivendo no mundo agora, eu sinto uma vontade muito grande de estar em São Paulo, acompanhar os acontecimentos e estar perto de quem é importante pra mim. É um conflitinho. "Mas tal lugar é maravilhoso; olha essa comida que ótima; tem esse show incrível hoje.”

E é tudo verdade, mas, ao mesmo tempo, você só queria estar em casa porque está com saudade dos seus gatos, do seu chuveiro, de comer coxinha e tomar Guaraná. Tanto faz. Isso existe e é um desejo genuíno por estar em seu lugar. Eu chamo de Síndrome de Dorothy – o nome é invenção minha, óbvio.

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Em O Mágico de Oz, Dorothy quer porque quer ir pra qualquer lugar que não seja o estado norte-americano do Kansas (bom, quem pode culpá-la?) e uma vez que chega lá e faz amigos, ela decide que quer porque quer voltar pra casa (de novo, quem pode culpá-la?). A Síndrome de Dorothy, essa ânsia pelo retorno à normalidade, tem a ver com viagem (que eu falo sempre aqui na Tpm) e também com Carnaval (que foi tema da última coluna).  

Ontem pela janela de casa dava pra ouvir o barulho da Avenida Paulista, onde estava tendo gente, vida, bloco e show da Daniela Mercury. Só que há uns dias eu apaguei os aplicativos do Facebook e do Twitter do celular numa tentativa de substituir o FOMO pela vontade interna de estar comigo mesma, de arrumar a casa, de sobriedade. 

O Carnaval, esse período que a gente passa brilhando e extravasando o que quer que seja que a gente precise extravasar, é divino, maravilhoso e necessário. Mas só porque a gente não faz dele nosso modo normal. Não é possível viver no Carnaval o tempo todo.

A vida é chata e, se você é adulto e trabalha, é mais chata ainda. Viver aventuras, se divertir e ver o mundo é essencial, verdade. Mas permanência é importante. A chatice da vida é absolutamente necessária para que você possa ir em frente. 

Na revista Piauí desse mês tem a tradução de um perfil do Leonard Cohen, publicado originalmente na revista The New Yorker, com uma fala que resume esse desejo: “Chega um ponto da vida em que você tem a oportunidade de pôr a casa em ordem. É um clichê, mas as pessoas costumam subestimar o alívio que isso proporciona, em todos os níveis. Pôr a casa em ordem, quando você pode, é uma das atividades mais reconfortantes que existem”. Tá certo, ele.

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