Dá licença pra minha bunda balançar

por Amanda Audi

Unidas, meninas de Curitiba subvertem a dança em busca de sororidade e empoderamento

Dançando em uma gaiola numa casa noturna de Curitiba, Jade Quoi, 23 anos, percebeu que se sentia aprisionada. Contratada como dançarina para animar a festa, ela via que as pessoas, principalmente mulheres, julgavam seus movimentos. Então fechava os olhos e dançava até amanhecer, na tentativa de ignorar quem a encarava.

Jade havia acabado de voltar de uma experiência traumática. Ganhou um curso de dança na Espanha, mas entrou depois das outras alunas, o que a fez se sentir o patinho feio da turma. O boicote foi tão forte que ela teve que voltar pra casa.

E então começou a pensar: "Como a dança pode conectar mulheres ao invés de afastá-las?". Teve a ideia de dar aulas de dança diferentes das que conhecia. Assim que surgiu o BDNT — sigla para Bunda Dura Não Treme. Na primeira aula, em 2015, sua preocupação era deixar claro que não existe certo nem errado na dança. Cada corpo se move de um jeito peculiar, e "a graça é justamente essa".

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Lançou a ideia em um grupo na internet e conseguiu seis adeptas. Na época, Jade não sabia que essa atitude viria a ser transformadora para cerca de 300 mulheres que já passaram por suas  aulas. As meninas se mexem, rebolam, se jogam no chão e riem de si mesmas. Ao mesmo tempo, faz parte das aulas aprender que toda mulher tem quadris, peito, bunda, menos coxa, mais coxa, menos peso e pouco peso. E tudo serve para expressão de seus corpos.

“Os homens pensam que, por eu estar rebolando, estou dando licença pra eles. Na verdade, estou pedindo licença pra minha bunda balançar”, diz Suelen Matos, 22, uma das alunas. A garotas do BDNT acreditam que o poder da dança está em conhecer e aceitar a si mesmas. Primeiro a revolução interna, depois a revolução no mundo.

A única semelhança entre quem faz parte do grupo é o shortinho preto com as siglas BDNT gravadas no bumbum. De resto, todas as integrantes têm histórias, tipos físicos e idades diferentes. São mulheres que querem se conhecer melhor, mesmo com as complexidades que isso acarreta. Não à toa, cerca de 90% das alunas chegam com problemas de ansiedade e sentimento de inadequação. Mas isso muda de alguma forma depois das aulas, que focam na auto-percepção das garotas.

Por isso, dançar de frente pra um espelho, tem algo de subversivo e empoderador. A ideia é enxergar no reflexo dele não só os movimentos que a dança exige, mas como se comporta o corpo quando a música toca. Jade também registra as apresentações em vídeo (veja abaixo uma delas) — mais uma faceta do espelho. Existe diferença entre como a gente vê e como a gente é. Uma espécie de distorção na autoimagem.

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Uma vez por mês, a aula vira uma roda de conversa, em que as participantes relatam experiências. Sem interrupções, conselhos e censuras. “Um dia, falei que já odiei a cor da minha pele. Estava dentro de mim desde criança, mas nunca havia pensado nisso. Foi só então que comecei a pensar sobre como é ser mulher e negra em um mundo cheio de padrões que não tem nada a ver com você”, conta Suelen.

No fim do ano passado saiu um documentário sobre o grupo e a transformação cotidiana dessas mulheres. O filme agora participa de festivais.

As aulas do BDNT são semanais e duram duas horas. O preço é R$ 70 mensais.

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Créditos

Imagem principal: Amanda Audi

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