Balada para sair da zona de conforto

por Madson de Moraes

Festas matinais, que acontecem bem cedo e num dia útil, ganham espaço no Brasil ao propor sessões de ioga e dança como forma de desacelerar as pessoas antes de encarar o batente

A pequena Rafaela, de oito anos, passou os últimos dias ansiosa para aprender a meditar. Ela e o pai, o advogado Alexandre Simões Pinto, de 46 anos, resolveram acordar antes das sete da manhã de uma gélida quarta-feira para, juntos, participarem de uma balada matinal, a Wake, que aconteceu na Casa 92, em São Paulo. A ideia do evento é, antes de encarar o expediente cheio de compromissos e obrigações, começar o dia mais zen ao som de uma matinê consciente, com boa música e comida saudável, além de práticas como ioga e dança. “A Rafaela estava ansiosíssima para vir. Faz 10 dias que não fala de outra coisa. Até acordou cedo sozinha, coisa difícil de acontecer. Veio fazer ioga e quer aprender a meditar também”, conta Alexandre.

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A ideia da balada ou rave matinal, inspirada no conceito de “morning rave” que se espalhou pela Europa e Estados Unidos, é “despilhar-se”, fazer um detox para o olhar viciado sobre si mesmo e sair do modo 220 volts antes de ir ao trabalho. Tudo começa com ioga para, depois, as pessoas caírem de corpo e alma na dança com algum DJ que comanda o som num ambiente descolado regado a sucos multivitamínicos, lanches nutritivos e até mesmo massagens gratuitas e pinturas faciais. Ao final, é hora de uma atividade mais meditativa, como uma apresentação musical para acalmar. Tudo acontece entre 7h30 e 9h30 e em pleno dia útil da semana.

Com a entrada custando até R$ 60, que inclui ainda comida e bebida, a primeira balada matinal realizada do Brasil ocorreu no começo de 2015 e chegou a levar 120 pessoas ao Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena. O evento foi feito numa dobradinha da Daybreaker, que surgiu em Nova York, com o empreendedor Lourenço Bustani. Foi depois dessa experiência muito 'business' que ele decidiu criar a Wake, que chegou a reunir 150 pessoas em sua primeira edição realizada no final do mesmo ano. A principal diferença do projeto liderado por Lourenço de outras baladas matinais, como a Morning Gloryville, que começou em Londres e a própria Daybreaker, é que, se lá fora elas se transformaram em um negócio bem rentável, a ideia por aqui é fazer do conceito algo mais beneficente, uma vez que toda a renda é revertida a um projeto social onde a festa é realizada. E, sobretudo, ser uma oportunidade para as pessoas se reconectarem de forma mais profunda no presente, princípio base das religiões orientais.

“Não é só acordar de manhã, se energizar e ir trabalhar. É acordar de manhã e se enxergar como protagonista. O lema da festa é acordar para despertar, porque esperamos que, por meio dessa experiência, sejamos capazes de nos dar conta de que podemos despertar para uma nova relação com a cidade e com nós mesmos. Nós acreditamos que a partir dessa mexida no começo do dia todas as relações que se derem vão se ressignificar. A festa é apenas um pretexto para isso”, assegura Lourenço, sócio fundador da consultoria de inovação Mandalah.  Outra diferença da Wake para as baladas matinais de outros países é que toda a renda com a venda de ingressos é revertida a um projeto social na cidade onde ela ocorre.

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É a primeira vez que a jornalista Cecília Paterno, 33 anos, participa de uma celebração oferecem esse tipo de festa. Avisada pela irmã dessa “tal” balada matinal, ela conta que topou na hora. “Fiquei sabendo em cima da hora. Ela foi descrevendo que ia ter aula de ioga, uma pista de dança, e eu achei maravilhoso! Sou uma pessoa extremamente acelerada, vou passando por cima de tudo, um furacão mesmo. E fazer tudo isso antes de começar o dia é garantia de que vai ser um bom dia”, afirma.

Quem acordou cedo para se reconectar foi a designer de interiores Mônica Tomaselli. “A pegada diferente chamou um público. Até que está com bastante pessoas para o horário. Gostei dessa coisa meio americana: hora para começar e hora para acabar. Como estamos vivendo um momento muito pilhado, se você conseguir entrar em equilíbrio com você mesmo nada que acontece ao redor incomoda”, comenta. O designer gráfico Jonathan da Silva Santos nunca tinha participado de uma balada tão cedo. “É praticamente inédito eu acordar antes das cinco”, brinca. “Está sendo bem bacana. Deixar os problemas externos lá fora. Quando você aproveita 100% do seu eu, você se torna uma pessoa mais feliz. Toda pessoa deveria ter 30 minutos para namorar a si mesmo”, diz. 

O propósito de tudo acontecer cedo e em dia útil, conta Fernanda Cunha, voluntária na Wake como professora de ioga, é descontruir o olhar mecânico que temos de nós mesmos e da realidade que nos cerca. “Se a festa fosse à tarde ou à noite, seria um evento normal que não iria me tirar da zona de conforto. Só o fato de fazer algo diferente já vai abrir espaço na minha consciência para redefinir como enxergo minha própria rotina e a força que preciso para despertar a uma vida com mais propósito”, garante.

Créditos

Imagem principal: Adriano Hultmann / Divulgação

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