por Juliana Gonçalves

5 mulheres que transformaram o samba – para conhecer e reverenciar

Por muito tempo, as mulheres não tiveram vez no samba. Não que não estivessem lá, mas as rodas de samba, as composições, o palco e o sucesso eram territórios dominados por homens. A importância delas era minimizada.

Ainda assim, sambistas mulheres de ontem e hoje deixaram suas marcas na história. Não pediram passagem, mas vieram com suas posturas questionadoras e atemporais nos versos sobre o universo feminino, sobre a vida. Há um legado deixado por Tia Ciata e Clementina de Jesus defendido e honrado por Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Mariene de Castro, Teresa Cristina e tantas outras.

É bom lembrar: o samba, mesmo antes do rap, foi utilizado para cantar as injustiças sociais, a vida nos morros e nas periferias, a alegria e a resistência de quem tinha pouco dinheiro e até pouca sorte. Elas seguiram a tradição.

Aqui, cinco delas que provaram que o samba (também) é lugar de mulher.

Clementina de Jesus, a Rainha Ginga
(7 de fevereiro de 1901 – 19 de julho de 1987)

Da mãe lavadeira filha de escravos, Clementina herdou as melodias do jongo, do lundu, os pontos de umbanda, as músicas que falavam sobre a África, sobre a tristeza do trabalho forçado longe da terra-mãe. Do pai, pedreiro, violeiro e capoeirista, puxou o gingado, a malandragem benéfica ao sambista. Nasceu no Rio de Janeiro, pouco depois da abolição da escravatura. Trabalhou como empregada doméstica e, só aos 63 anos, começou a carreira. Foi descoberta em 1964 pelo produtor Hermínio Bello de Carvalho enquanto cantava num bar. Em uma ocasião, ele se referiu a ela como “Pixiguinha de rendas”. Foi da Portela, mas depois de casar pela segunda vez virou Mangueirense. Ficou conhecida como Rainha Ginga por estabelecer um elo entre o Brasil e ancestralidade africana, mas o apelido de uma vida foi Quelé. Com um timbre inconfundível, sua voz anasalada e grave trazia um peso ancestral, vinha das profundezas de um ser que cantava os sincretismos africanos e brasileiros. Sobre ela, Maria Bethânia disse: ''Dona Clementina era de água, rocha e ouro, todas as bênçãos brotavam da sua voz única, toda a doçura habitava seu colo de mãe''. Lançou onze álbuns entre 1965 e 1982.

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Jovelina Pérola Negra, a herdeira de Quelé
(21 de julho de 1944  - 2 de novembro de 1998)

A voz potente e rouca de Jovelina trilhou caminho no solo fértil criado por Clementina de Jesus. Há quem diga que de Quelé, Jovelina herdou o estilo. Mas há muitas outras semelhanças nas trajetórias dessas duas mulheres negras. A Pérola Negra, que ganhou esse apelido pelo tom retinto e reluzente de seu corpo, também foi empregada doméstica antes de viver de arte. A estreia na música ocorreu igualmente tarde, em 1985, quando já tinha 40 anos. No ano seguinte, a cantora que nasceu Jovelina Faria Belford, na zona Sul do Rio de Janeiro, gravava seu primeiro disco solo com sambas de sua autoria e de compositores como Nei Lopes e Monarco. Gravou ao todo seis discos, entre eles, "Sorriso Aberto", em 1988, "Sangue Bom", em 1991 e "Vou da Fé", em 1993, quando conquistou um disco de platina. Uma das vozes femininas mais marcantes da história do samba, Jovelina difundiu o partido-alto cantando também sobre as mazelas sociais e exaltando o orgulho de ser negra. O reconhecimento público de sua grandeza veio tarde e ela não conseguiu ganhar muito dinheiro e dar aos filhos tudo o que não teve. A seus três filhos deixou apenas o legado de sua arte. À Cassiana Belfort, a filha do meio, deixou a maior herança: o amor pelo samba que a tornou sambista também.

Dona Ivone Lara, a vanguarda da composição feminina
(13 de abril de 1921)

A importância de Yvonne Lara da Costa vai muito além do seu sucesso na música. Dona Ivone foi a primeira mulher a assinar sambas, em especial samba enredos. Se o samba era predominantemente masculino, dentro das rodas de compositores não se permitiam mulheres. Mas foi pisando “devagarinho” que Dona Ivone foi conquistando seu lugar. Começou a compor cedo, aos 12 anos escreveu o primeiro sucesso, “Tiê-tiê” sobre seu pássaro favorito. No final da década de 40, todos os sambas que compôs foram apresentados aos outros sambistas pelo seu primo Mestre Fuleiro, como se fossem dele, pois o preconceito não abria espaço para mulheres compositoras. Só em 1965, com o samba “Os cinco bailes da história do Rio”, tornou-se a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de escola de samba, na escola Império Serrano, onde desfilava na ala das baianas. Logo se consagrou como grande compositora. Já teve suas músicas gravadas por Clara Nunes, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Beth Carvalho e Marisa Monte.

Leci Brandão e o cantar como ato político
(12 de setembro de 1944)

Carioca de Madureira, foi a primeira mulher a compor um samba para a Mangueira na década de 70. Leci canta em defesa das minorias, do povo negro, das mulheres e dos trabalhadores. Gravou 23 discos e 2 DVD’s, além de participações e coletâneas nesses 42 anos de carreira. Em 1981, rescindiu um contrato com a gravadora Polygram por terem tentado censurar seu trabalho, entre eles um de seus maiores sucessos, “Zé do Caroço”. Nos últimos anos, todos os discos de Leci contêm ao menos uma faixa falando sobre a cultura afro-brasileira de forma direta, transparente e apaixonada. Já cantou com grandes nomes da música, de Cartola a Fundo de Quintal, de Alcione [outra grande dama do samba] a Mano Brown. Se aos 72 anos, com suas músicas, arrasta multidões, com a sua política, a também deputada estadual (PCdoB), trilha caminho na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo. Em São Paulo, é madrinha do Bloco Afro Ilú Obá De Min, composto unicamente de mulheres.

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Teresa Cristina, a diva da Lapa
(28 de fevereiro de 1968)

Logo na infância, Teresa teve contato com o trabalho de um dos sambista mais importantes do Brasil, o potente Candeia. Porém apenas anos mais tarde se conectou com o trabalho do poeta. Foi com o repertório de Candeia, Cartola, Nelson do Cavaquinho, Paulinho da Viola e Chico Buarque que foi uma das responsáveis pelo ressurgimento da boêmia no centro do Rio de Janeiro, na Lapa. Letrista, em 2007 estreou composições autorais no disco “Delicada”. Em 2015, iniciou o show “Teresa canta Cartola”, onde homenageava o ídolo da Mangueira, mesmo sendo portelense de carteirinha. Sua voz suave encantou grandes nomes da música, a exemplo de Caetano Veloso, que certa vez a chamou de “encarnação delicada do samba”, quando dividiu o palco com Teresa em uma turnê.

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