A arte imita a natureza

por Carol Ito

Estudos de matemática, anatomia e comportamento humano são base para as Ciclotramas da artista Janaina Mello Landini

As obras da artista plástica Janaina Mello Landini têm algo de democrático. Você pode ser especialista em anatomia, botânica, computação ou só uma criança curiosa. É quase impossível observar o emaranhado de fios e não projetar figuras como veias, artérias, neurônios, galhos, raízes ou redes virtuais. Todo ponto de vista é possível, sem julgamentos.

Landini nasceu em São Gotardo, uma pequena cidade de Minas Gerais. Saiu de lá para ser arquiteta, mas a vontade de mexer com arte nunca a abandonou. “Eu queria ser artista desde o início da minha existência, mas, para minha família do interior, ser artista não era profissão”, conta. Trabalhou como arquiteta por dez anos, em Belo Horizonte, onde atuou como figurinista de teatro, assistente do artista Eder Santos e, por fim, como coordenadora de produções artísticas do Inhotim.

No Instituto Inhotim, ela trabalhou com artistas importantes como Adriana Varejão, que inaugurou um pavilhão, em 2008, e conseguiu juntar suas principais habilidades para “fazer um prédio virar uma casa de obra de arte”. Em 2013, abandonou a produção de outros artistas, mudou-se para São Paulo e decidiu se dedicar exclusivamente à própria arte. “Era angustiante ver que o meu trabalho de arte estava mais no campo das ideias do que no mundo real. A decisão não foi fácil, mas era evidente que isso tinha que ser feito”, relata Landini.

Ciclotramando

Desde que decidiu assumir o ofício, Janaína expôs na Itália, Alemanha, Inglaterra, França, Holanda e cidades brasileiras como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Belém do Pará, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. O que move a artista é “desvendar ou revelar um tipo de percurso complexo e labiríntico”, colocando em cheque a perspectiva que o olho humano pode alcançar.

Isso pode ser uma provocação diante da forma como enxergamos o mundo na era digital, observando as coisas a partir de perspectivas individuais, “imersos na nossa condição humana”, com sugere a artista. Sua arte, de certa forma, amplia a visão para outras interpretações possíveis, numa teia complexa de referências.

Com as Ciclotramas (palavra inventada por ela, fruto da pesquisa que desenvolve desde 2010) Landini traz uma metáfora visual, construída à base de cordas de diversos tipos de materiais e tamanhos. Ciclotrama é uma forma infinita que se expande conforme o trabalho manual se desenvolve: “Vai repetindo a divisão em duas partes, não necessariamente iguais, da parte mais grossa até chegar a cada um de seus fios”.

À primeira vista, as Ciclotramas podem parecer emaranhados de fios, mas tudo ali é medido milimetricamente, com base em estudos da dinâmica dos fluídos, progressão geométrica, sequência de Fibonacci e tudo que ajuda a projetar a relação de uma obra 3D com o espaço físico. Cálculos de Leonardo Da Vinci serviram de inspiração e representam os padrões vistos na formação de veias, artérias, rios, raízes, entre outras formas da natureza. “As Ciclotramas traduzem exatamente o que ele diz de forma poética”, explica.

Estudos de anatomia também alimentam o processo criativo, especialmente o livro Atlas of  Human Anatomy and Surgery , de 1831, ilustrado com litografaras do francês Nicolas Henri Jacob.

Da Vinci, Deleuze e Spider-Man

Para além da matemática, algumas ciclotramas podem se aproximar da ideia de pensamento rizomático, como propôs o filósofo francês Gilles Deleuze. O livro em que ele fala a respeito desse conceito é o Mil Platôs, lançado na década de 80, juntamente com Félix Guatarri.

Retomando as aulas de botânica da escola, Rizoma é um tipo de raiz que cresce horizontalmente sem seguir uma direção preestabelecida (o gengibre e a grama, por exemplo, são espécies de rizomas). Diferentemente de plantas que se desenvolvem a partir de uma raiz e um caule, o rizoma cresce indefinidamente, de acordo com as condições ambientais.

Deleuze usou o conceito de biologia como metáfora para explicar que a racionalidade ocidental, desde a Grécia Antiga, foi organizada a partir da ideia de árvore, em que o conhecimento vai se ramificando sucessivamente (as inúmeras disciplinas que existem na academia são prova disso). O rizoma, por outro lado, não organiza o conhecimento em blocos, mas como um jogo complexo

de interações, que muda conforme o contexto social, cultural, político e estético.

Assim como um rizoma, a obra de Landini é aberta a todos os tipos de interpretação, não existe certo ou errado: “O mundo de hoje não pode ter esse tipo de barreira de julgamento. Você tá aberto a todos os pontos de vista”, explica Landini.

A discussão sobre gênero e sexualidade pode ser um bom exemplo das ciclotramas que se formam no meio social. Os cromossomos que definem o sexo de uma pessoa são formados pel

os pares XX e XY, com raras exceções (aqui, voltamos às aulas de biologia!). Porém, a ampliação disso ao longo das experiências do indivíduo não precisam ser binárias, como observa a artista. “É metáfora de muita coisa que eu sei e que eu não sei. É muito universal.”

Em tempos de conflitos que se arrastam pelas redes sociais e fora dela, muitas vezes pela falta de um diálogo, a arte pode ser um bom exercício de alteridade e de escuta do outro. Landini e sua obra mantêm um diálogo aberto com olhar do público: “O fisioterapeuta fica louco quando vê o negócio. Vem a criança, olha e fala: Spider-Man! E eu falo que sou Spider-Woman!. Tem pra todo mundo”, brinca.

Créditos

Imagem principal: Gui Gomes

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